Ana Ferreira, a primeira mulher nos Bombeiros Voluntários de Vizela - VIDA DE BOMBEIRO

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sábado, 7 de maio de 2022

Ana Ferreira, a primeira mulher nos Bombeiros Voluntários de Vizela

 


A Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vizela (BVV) comemora, este fim de semana, os 145 anos da sua fundação. Ao longo deste quase século e meio, muitas coisas mudaram. Das bombas movidas a força manual e das escadas de madeira, aos modernos autotanques e à gigantesca autoescada vai um abismo. Durante a maior parte deste tempo, os bombeiros foram apenas homens, até que, em 2003, abriu a primeira Escola para bombeiras. Foi um sucesso. Ana João Ferreira foi uma das pioneiras e ainda está ao serviço.


Ana Ferreira inscreveu-se antes de completar 18 anos, numa altura em que não havia nenhuma mulher bombeira, no quando dos BVV. “Tive que pedir ao meu pai para assinar o consentimento. Optei por ele porque a minha mãe era capaz de se por a pensar no que é que eu iria fazer nos bombeiros e, às tantas, não assinava”, diz a rir. Ana confessa que o pai, provavelmente, pensava que ela iria para quartel “matar o tempo”, mas não combater incêndios. Só com o desenrolar dos acontecimentos é que, lá em casa, foram tomando consciência que se tratava de uma coisa séria. No início, “quando a sirene tocava de noite, o meu pai fechava as persianas, na esperança de que eu não ouvisse”.


“O caso era mesmo sério, até porque a minha irmã também se inscreveu, na mesma altura. Embora ela não tenha precisado de autorização porque já era maior”. Corria o ano de 2003 e ver mulheres a apagar fogos ou a prestar socorro, ainda não era vulgar. Muitas corporações não tinham nenhum elemento feminino, fosse porque não tinham condições físicas – camaratas, balneários – ou porque havia alguma resistência à entrada das mulheres, numa profissão que até ali tinha sido uma coutada masculina.


Não se sabe ao certo onde e quando foram formadas as primeiras mulheres bombeiras, terá acontecido algures depois do 25 de abril. O certo é que, em 1994, a inclusão de duas recrutas femininas no curso de formação de bombeiros dos Sapadores de Lisboa, ainda era novidade com honras de reportagem televisiva.


A mudança dos tempos


A Escola de 2003, nos Bombeiros Voluntários de Vizela, é uma amostra de como os tempos estavam a mudar. Num grupo de cerca de 25 formandos, só havia dois homens. Ana Ferreira completou o ano de formação inicial ainda antes de ter 18 anos e teve de esperar até abril de 2004, para ser bombeira. Estava cumprido um sonho.


Mas era mais do que um capricho, “já fazia alguns trabalhos como voluntária, num lar e achava que aqui podia fazer algo mais útil pela sociedade”. Não ficou desiludida, mas reconhece que não tinha a noção do trabalho que faz um bombeiro, “só quando comecei a ter formação é que compreendi a quantidade de tarefas que é preciso saber dominar”.


Relativamente à receção pelos camaradas do sexo masculino, “houve tudo”, lembra. “Alguns ofereceram resistência, principalmente os mais velhos, outros receberam-nos muito bem”. Ana Ferreira recorda que alguns elementos masculinos achavam que as mulheres não iam conseguir cumprir os trabalhos mais pesados. “Nesses casos, as reações eram diversas: uns resistiam há mudança; outros protegiam-nos por verem em nós um elemento mais frágil”. Aos superprotetores, foi preciso esclarecer que “não era preciso” que “nós eramos mais um elemento como qualquer outro”. Aos resistentes, foi preciso dar-lhes tempo.


As mulheres são uma mais-valia


Hoje, aquilo que era estranheza entranhou-se e não faltam mulheres nos quarteis de bombeiros. Em Portugal, existem 30 mil bombeiros, 28 mil são voluntários e 23% são mulheres. Ter operacionais do sexo feminino nas equipas, atualmente, é, sem sombra de dúvida, uma vantagem. “No socorro a uma grávida, num momento em que a mulher está fragilizada, a ajuda por parte de outra mulher é mais bem recebida. O mesmo acontece no caso das vítimas de violência doméstica”, considera Ana Ferreira.


Material pesado, como o equipamento de desencarceramento, “é manejado com técnica e, com a adrenalina, no momento do socorro, tudo se torna leve”.  Quando é recebido um pedido de socorro é feita uma triagem e a equipa que sai já tem em conta as necessidades. “Se vai ser preciso manobrar objetos pesados, não vamos mandar uma equipa só de mulheres magrinhas, ou se há uma vítima de violência doméstica, não vai uma equipa só de homens, assim completamo-nos”.


É preciso aprender a gerir o tempo


Ana Ferreira tem 36 anos, é casada desde 2018 e tem um filho de 17 meses. O marido, enfermeiro, “apoia, mas não gosta”, sorri. Na verdade, “é preocupação, porque ele sabe que eu me coloco em risco”. Segundo Ana Ferreira, a maternidade é o momento que afasta muitas mulheres dos bombeiros. Da Escola de 2003, na qual ela e para cima de 20 outras mulheres se formaram, restam quatro. “Eu ainda estou a aprender a gerir. Demorei a regressar, depois de ter o bebé, só voltei há dois meses. Enquanto estava a amamentar não consegui conciliar”, afirma.


Nos quase 20 anos que leva de bombeira, o que a impressiona mais, “independentemente da gravidade”, é o socorro a crianças. Quando se fala no que mais medo lhe mete, não fala por si, mas pelos colegas: “Aquilo que mais me assusta é os fogos florestais, quando há muito fumo e pouca visibilidade. Tenho medo de que algum colega se perca da equipa”, assume.


Já lhe aconteceu uma vez, com a irmã na equipa. “Havia muito fumo, estávamos rodeados e com pouca visibilidade, fomos obrigados a fugir. Ela fugiu para um lado e o resto da equipa para outro. Durante um bocado ficamos sem saber se onde ela estava, mas depois, felizmente, correu tudo bem”, conta.


Ana Ferreira é Técnica Superior de Higiene e Segurança e não se vê como bombeira profissional, o que a move é mesmo o voluntariado. Para cumprir com o compromisso com a corporação precisa fazer três serviços por mês e 40 horas de formação por ano. A maior parte dos voluntários acaba por fazer mais que isto.


O Minho

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