Fogos mais tarde, trovoadas e menos ondas de calor. O que esperar do verão - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 4 de junho de 2018

Fogos mais tarde, trovoadas e menos ondas de calor. O que esperar do verão


Serra algarvia, Vila Real, Bragança e a parte de Castelo Branco que não ardeu em 2017 são as zonas mais vulneráveis este ano, apontam peritos ouvidos pelo SOL, que ajudam a perceber o que esperar da época de incêndios, o que foi feito e o que está por fazer

Há um ano, estavam reunidas as condições para o pior, mas o país estava longe de poder imaginar a tragédia dos incêndios de junho e outubro. O mês de maio de 2017 foi extremamente quente, viria a declarar o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. E antes disso já a vegetação começava a acusar um nível de seca perigoso.  

No fim de abril de 2017, os únicos dados que é por agora possível comparar com este ano, 96% do território nacional estava em seca fraca a moderada – a grande maioria já em seca moderada. Este ano, abril foi muito chuvoso e no final do mês continuava a não haver sinais de seca. Ainda não há dados fechados para maio, mas a situação não se terá agravado. O que esperar nos próximos meses? Peritos ouvidos pelo SOL admitem que o verão poderá ser menos duro, mas importa não baixar a guarda. Até porque há mitos que persistem, como a ideia de que arder muito num ano significa que no ano seguinte o problema será menor. Pode ser que assim seja, mas vai depender muito do tempo, do número de incêndios, da capacidade de contenção das chamas.

Época de fogos ‘atrasada’

Se no que toca ao estado de vegetação os sinais são menos perigosos do que no passado, a meteorologia dos últimos tempos e as previsões possíveis sugerem que o risco climatérico também ainda não é grande, o que de certa forma «atrasa» a época de fogos, explica Paulo Fernandes, investigador de engenharia florestal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto de Douro (UTAD). A ideia de que a situação a esta altura está melhor do que há um ano é unânime entre os peritos ouvidos pelo SOL. «O ano passado cheguei a dizer mais ou menos nesta altura do ano que mesmo com um Verão normal, a ‘época de incêndios’ iria ser seguramente muito complicada devido à secura anormalmente baixa dos combustíveis», recorda Joaquim Sande Silva, perito da Escola Superior Agrária de Coimbra. «Existem indicadores calculados pelo IPMA que permitem seguir dia-a-dia o estado de secura acumulada dos combustíveis. Não existe é muita gente capaz de ler e interpretar essa informação nem um sistema capaz de atuar em conformidade», lamenta.

Era assim há um ano e a situação parece manter-se. Quem segue diariamente a informação, dado o trabalho de consultoria sobre o risco de incêndio para empresas por exemplo de celulose e municípios, é Emanuel Oliveira. 

O técnico sublinha que é difícil fazer previsões de longo prazo, mas tudo indica que o verão tornará a ser mais quente, em particular no Norte do país. Em termos de precipitação, a secura deverá notar-se mais na região Centro e Sul. A estação deverá também ser marcada por trovoadas, mas com menos ondas de calor. O stress da vegetação em termos de seca é outro indicador a ter em conta e, neste aspeto, a generalidade do território está mais seguro do que há um ano mas há valores menos confortáveis na região norte e no Algarve. 

Outra conclusão que Emanuel Oliveira adianta desde já, com base nos modelos meteorológicos disponíveis, é que há sinais de que o verão poderá prolongar-se pelo início do outono, tal como aconteceu em 2017, «com temperaturas mais elevadas e valores de precipitação mais baixos para a época, o que poderia prolongar a chamada época de incêndios», alerta o consultor.

Alerta Algarve e região Norte

Quanto às zonas do país mais vulneráveis, também há consenso. O Algarve, em particular a zona serrada, Bragança, Vila Real e a parte ocidental do distrito de Castelo Branco (excluindo o que ardeu em 2017) são os pontos destacados pelos peritos. Uma das ideias que por esta altura já fará mais sentido para a grande maioria das pessoas é que o que ardeu  menos nos últimos anos terá mais probabilidade de arder este ano. Ainda assim, importa combater uma falsa noção: a de que depois de um recorde de área ardida em 2017, este ano não verá nada do género. 

Embora a conjuntura sugira uma menor área ardida – Paulo Fernandes admite mesmo que a verificar-se um verão normal em temperatura e precipitação a área ardida poderá não ultrapassar os 120 mil hectares, um quarto do ano passado – nunca é demais lembrar que arder muito num ano não significa qualquer seguro para o  seguinte. «Existe um erro generalizado de que se ardeu muito no ano anterior, no ano seguinte tal não se vai repetir. Isto seria uma verdade se não existisse combustível cobrindo vastas áreas e se o número de ignições tivesse descido. Continuam a existir muitos barris de pólvora e ainda bem, pois é sinal que ainda temos floresta», sublinha Oliveira. 

A questão das ignições, o número de incêndios – e a grande maioria tem origem humana, por negligência em queimadas ou fogo posto – é precisamente um dos fatores centrais. E esta é uma área em que há trabalho por fazer, alerta Joaquim Sande Silva. «Há um longo caminho a percorrer na área da prevenção das ignições, até chegarmos a níveis semelhantes aos que existem por exemplo em Espanha. Esse é um fator que nos torna diferentes de todos os outros países da Europa e que tem que mudar, se queremos de facto mudar alguma coisa a nível dos incêndios em Portugal», assinala o investigador. Como? Envolvendo toda a população e todos os setores da sociedade, diz Joaquim Sande Silva, inclusive a comunicação social. A transmissão de imagens de incêndios é contraproducente. 

Lições apreendidas?

Depois da tragédia, o debate em torno dos incêndios acabou por não esmorecer ao longo do ano como vinha a acontecer até aqui. Mas as lições terão sido apreendidas? Para os peritos, é cedo para tirar conclusões. Mas outra ideia unânime – e Paulo Fernandes e Joaquim Sande Silva participaram na análise independente do que correu mal em 2017 – é que grande parte dos efeitos não se sentirão este ano. «Com exceção da medida relacionada com a ‘limpeza de terrenos’ e execução de faixas, o aumento do efetivo dos GIPS-GNR e dos meios aéreos, a larga maioria das medidas encontra-se em fase de implementação», diz Emanuel Oliveira, que aponta a necessidade de profissionalizar e especializar o combate a incêndios florestais, como acontece no resto da Europa, como um dos passos em falta. «Com isto não quero dizer o fim do voluntariado, mas um sistema misto (tal como acontece em França, por exemplo)», acrescenta o consultor, defendendo ainda que seria  vital melhorar as condições dos voluntários com planos de saúde, seguros adequados ao risco, especialização e condições de acesso rigorosas.

Paulo Fernandes acredita que um dos passos mais importantes nos últimos meses foi a instalação da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, mas os seus efeitos dificilmente se verão este ano, sublinha. Em falta continua a estar no imediato uma melhor organização e planeamento, incluindo a prontidão de resposta à meteorologia. «A maior parte das medidas tem sido mais do mesmo, ou seja reforço dos meios de combate, o que por si só não exercerá qualquer efeito.»

Numa altura em que o ministro da Administração Interna continua a reiterar que Portugal o dispositivo de combate aos incêndios é o maior de sempre, a ideia de que isso não basta é também um dos sublinhados de Joaquim Sande Silva. «Os meios nunca resolveram coisa nenhuma em parte nenhuma. Aumentar os meios é a forma mais fácil de atacar o problema, atirando dinheiro para cima dele, fazendo crer às pessoas que se está a resolver alguma coisa, sem resolver nada», diz, acrescentando que a qualificação, a responsabilização e a avaliação de quem combate os fogos são mais importantes. «Ainda irá demorar bastante tempo até termos níveis de eficiência no combate compatíveis com a gravidade do problema dos incêndios em Portugal».

Terminado o período para limpeza dos terrenos com maior risco de fogo, os peritos continuam também a mostrar-se céticos das regras que ditaram maiores distâncias entre árvores. O facto de o abate contribuir para a abertura de clareiras e favorecer o crescimento de mato, que a meio do verão ficará seco, é um dos receios. «O único efeito positivo será porventura na defesa das habitações na eventualidade de um incêndio», diz Paulo Fernandes. «Não esqueçamos que o esforço foi nas áreas de interface e não na floresta. Portanto estas ‘limpezas’ não terão qualquer efeito na propagação dos incêndios». Em muitas situações foram abatidas as árvores mas o combustível fino foi deixado, o que agravou a situação em vez de reduzir o risco, acrescenta o investigador, lembrando o que se passou em Pedrógão e nos fogos de outubro.

«As casas e outras estruturas ardem independentemente da vegetação vizinha, uma vez que ardem por receção de faúlhas e material projetado de distâncias longas», diz. Sande Silva deixa outro alerta. «Muitos proprietários fizeram as intervenções à custa do material lenhoso cortado, mas no futuro não vai haver árvores para pagar o trabalho e provavelmente não irão voltar a intervir. Como a vegetação irá voltar a crescer, provavelmente com maior vigor, o problema vai agravar-se no médio-longo prazo». O problema é o mesmo de sempre. «O país só consegue pensar a curto prazo e quando se trata de vegetação lenhosa temos que prever o que vai acontecer a cinco, dez ou mais anos.» 

Fonte: ionline

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