Homem morre, depois de cair a um poço - VIDA DE BOMBEIRO

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domingo, 8 de setembro de 2013

Homem morre, depois de cair a um poço


Agosto de 2008

Estava eu a jantar em casa da minha sogra quando me ligaram do quartel a dizer que um homem tinha caído a um poço no Pinheiro, e para me dirigir para lá para ajudar no que fosse preciso.
Imediatamente me meti no meu carro e fui para o local, quando lá cheguei efectivamente consegui confirmar que alguém tinha caído ao poço, e que muito provavelmente já estaria sem vida.
Os meus colegas chegaram pouco tempo depois, e imediatamente me prontifiquei para descer ao fundo do poço para socorrer a vitima que lá se encontrava. Equipei-me, coloquei o arnês que tínhamos na altura, coloquei o Arica, conectei-me à corda, e começaram-me a descer.


Quando cheguei ao fundo do poço, confirmei o que já estava há espera, neste momento a vitima já estava cadáver, tinha várias lesões a nível da cervical, fracturas múltiplas nos membros inferiores e superiores, e apresentava sinais de hemorragias internas. Dei indicação aos meus colegas que estavam no exterior do que se estava a passar, e começamos a preparar tudo para fazer a remoção da vitima.
Foi aqui que realmente caí um pouco na realidade, quando olhei para cima e vi por onde tinha entrado, tudo parecia tão pequeno, dei por mim a pensar, "e se isto agora caía tudo cá em baixo?", tentei afastar estes pensamentos da minha cabeça mas eram mais fortes que eu, olhei uma vez mais para cima, e vi o rosto da Isaura a olhar para baixo certificando-se que estava tudo bem, mais uma vez fui "atacado" por pensamentos negativos imaginando o pior.

Foi aqui que respirei fundo e disse para mim mesmo "acalma-te que tudo vai correr bem", depois disto tentei pensar numa coisa boa, e imediatamente dei por mim a pensar no meu filho, em como estava lindo e a crescer tão rápido.
Consegui assim libertar-me um pouco daquela pressão que tinha tomado conta de mim, eu nunca tinha descido a um poço, muito menos para retirar alguém sem vida, olhei há minha volta, o espaço era minúsculo, pouco mais de um metro de diâmetro, o homem estava um pouco enrolado, como quando nos encolhemos no inverno para dormir, os meus colegas já tinham descido mais umas cordas para retirarmos o homem para o exterior.
Cá em cima a Isaura chamava por mim e perguntava-me se estava tudo bem, eu fazia sinal que sim levantando o dedo polegar para cima. O Arica começava agora a pesar um pouco mais fruto do cansaço que se ia apoderando de mim. O meu trabalho estava um pouco dificultado pelas muitas escadas que estavam dentro do poço, supostamente este homem teria tentado unir três escadas de madeira umas nas outras, mas o resultado não foi o melhor levando a que este caísse ao fundo do poço provocando a sua morte.
Mesmo assim fiz o melhor que podia naquelas circunstancias, sentei o homem nas minhas pernas, passei-lhe uma corda por baixo das pernas e outra por baixo dos braços, e dei a indicação para nos começarem a puxar ao mesmo tempo. Eu sabia que ia ser uma subida demorada, pois o poço tinha quase quinze metros de altura, mas lentamente lá fomos começando a subir.
Foi para mim um pouco complicado toda aquela situação, estava a ser puxado de um poço suspenso por duas cordas com um morto sentado no meu colo, é por isso que eu digo que nós bombeiros não somos reconhecidos como deveríamos ser, para qualquer pessoa uma coisa destas é quase impensável, mas nós somos mesmo assim, largamos tudo para socorrer os outros, largamos a nossa família, os nossos amigos, a nossa vida, e principalmente largamos os preconceitos, tudo para socorrer os outros, na maior parte das vezes esses outros, são pessoas que nunca vimos na vida e que muito provavelmente nunca mais voltaremos a ver, mas mesmo assim damos sempre o nosso melhor por essas pessoas, como se não houvesse mais ninguém no mundo, mas esses "Bravos" somos nós, os Bombeiros Voluntários.
Estava eu mais ou menos a meio da subida, quando tive que pedir que parassem, o arnês que eu tinha estava-me a magoar de tal forma que me levou a dizer uns quantos palavrões que não posso escrever aqui, não sei porquê, mas sentia umas dores terríveis nas virilhas, dores essas, que me davam a sensação de me estarem a cortar. Reajustei o arnês, e pedi que nos puxassem o mais rápido possível pois sabia que não aguentava muito mais tempo, olhei de relance para cima, faltavam menos de dois metros, o homem continuava ali encostado a mim, levando-me a pensar uma vez mais em tudo o que fazíamos em prol dos outros.
Finalmente estávamos junto da saída do poço, pedi para retirarem primeiro o homem para lugar seguro, e então depois ajudaram-me a sair a mim.
Já em terra firme, retirei o Arica, respirei fundo e bebi um pouco de água, olhei há minha volta e vi que durante o tempo que estive lá em baixo, foram muitas as pessoas que acorreram para ali, o os meus colegas iam-me perguntando se estava bem, enquanto me iam dando os parabéns pelo bom trabalho desenvolvido, apesar de nada se poder ter feito por aquele homem, conseguimos pelo menos retirá-lo com segurança e com a dignidade merecida de um ser humano.

Posso dizer-vos que esta situação foi nova para mim, não foi fácil, porque é sempre mais complicado lidar com um corpo morto, eu pessoalmente não gosto muito de poços, mas posso garantir-vos que se hoje tiver que voltar a descer a um para salvar alguém, faço-o sem olhar para trás e sem pensar duas vezes, tenho a noção dos perigos que podemos encontrar, e por isso mesmo temos que nos proteger.
Para nós agora já é mais fácil descermos a um poço, pois temos uma equipa de grande ângulo, e material adequado a cada situação, mas o que é certo é que nunca ninguém ficou por retirar por falta de material, com mais ou menos dificuldade tudo foi sempre feito com segurança.

Não posso passar sem deixar aqui um alerta, em muitos lados encontra-se poços a céu aberto, tenham muito cuidado com isso, pois não sabemos a profundidade dos mesmos ou então se têm gases tóxicos, se por ventura conhecem alguém que tem este tipo de poço aberto, por favor chamem a atenção dos proprietários para que os tapem, porque "amanhã" podemos ser nós ou um filho nosso a cair lá dentro, e depois pode ser tarde.

AFINAL PREVENIR NÃO CUSTA ASSIM TANTO


 




SE O SEU FILHO CAIR NUM SITIO DESTES, QUASE DE CERTEZA QUE NÃO VAI SOBREVIVER

PENSE NISSO

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