A Queda da Ponte de Entre-os-Rios (parte 1) - VIDA DE BOMBEIRO

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sábado, 29 de junho de 2013

A Queda da Ponte de Entre-os-Rios (parte 1)


4 de Março de 2001

O Inverno ia rigoroso como já há muito não se via, a chuva, caía há quase três meses seguidos.
Durante os últimos dias tínhamos tido várias ocorrências devido ao mau tempo. O rio já há muito que tinha galgado o leito das margens, e assumia agora uma largura fora de normal, e tinha uma corrente assustadora, arrastando consigo quase tudo o que lhe aparecia pela frente.
Estava eu a jantar em casa da minha mãe, quando por volta das 21 horas, a sirene começou a tocar, o seu toque anunciava o pior, o toque para fogo urbano colocava toda a gente em alerta. Estava uma noite invernosa, com alguma chuva, e com um nevoeiro muito intenso, que quase não permitia ver mais que dois metros à nossa frente. Meti-me no meu carro e desloquei-me o mais rápido possível para o quartel, pelo caminho ia ouvindo a sirene que continuava a tocar, então pensei "algo de grave se passa, para continuar a tocar desta forma". O pequeno trajecto de casa da minha mãe até ao quartel, pareceu-me uma viagem do "Porto a Lisboa", o nevoeiro não me dava uma boa visibilidade e colocava todos os meus sentidos em alerta, a estrada estava muito escorregadia, e tinha a sensação que nunca mais chegava, pelo espelho retrovisor avistei alguém atrás de mim com os quatro piscas ligados, imediatamente percebi que era algum camarada, com tanta pressa como eu em chegar ao quartel. Aqueles três a quatro minutos que demorei a chegar ao quartel pareceram-me uma hora, mas finalmente chegava ao meu destino.
Quando cheguei ao quartel a sirene ainda tocava a bom tocar, o Marco simplesmente me disse, "pega num carro com mais alguém e vai para a ponte de ferro que ela caiu". Eu vou ser-vos sincero, eu na hora comecei-me a rir e ainda lhe disse que ele era maluco, mas quando olhei para o rosto do nosso presidente da direcção Sr. António Fontes que já estava junto dele, rapidamente percebi que realmente alguma coisa de muito grave se passava.
Rapidamente me equipei e dirigi-me para a ponte numa ambulância mais o António Clemente, quando ali cheguei, o cenário era simplesmente assustador.

Daqui para a frente ficou instalado o caos total, ninguém está preparado para a queda de uma ponte, tanto naquela altura assim como hoje, tal coisa é impensável, não é suposto as pontes caírem.
Imediatamente foi colocado um bote na agua, com um gerador portátil a bordo, vejam bem, um gerador portátil a bordo, isto é quase surreal, os elementos deste corpo de bombeiros colocavam a sua própria vida em risco, mas tudo estava a ser feito para se perceber o que se tinha passado ao certo, sim porque no alerta inicial ninguém tinha indicações que tinham caído viaturas ao rio, e só por volta das onze da noite é que tivemos a confirmação que teriam caído três automóveis e um autocarro juntamente com a ponte. Aqui mais uma vez tudo mudou, além das correntes assustadoras que se faziam sentir,  sempre se continuou com as buscas no rio Douro, os meios de socorro iam chegando de todo o país a  uma velocidade estonteante, eram ambulâncias, viaturas de incêndio, botes de salvamento, todos queriam ajudar de alguma forma, mas pouco se podia fazer. Os comandantes distritais, enviavam todos os meios possíveis e imaginários para o local, as autoridades eram tantas que lhe perdia a conta, e mesmo assim todos eram poucos, para manter a ordem nos populares que se foram aglomerando junto à ponte, chegando ao ponto de ter que ser montada uma barreira delimitada por gradeamento. As pessoa vinham de todo o lado, umas para perceber o que se tinha passado, outras por curiosidade, mas também haviam algumas que tinham vindo  porque tinham família ali perto, e então tentavam perceber se estavam bem, o que não era tarefa fácil, porque após a queda da ponte todas as comunicações moveis ficaram fora de serviço, gerando algum pânico entre familiares que não se conseguiam contactar.   A comunicação social também  ia chegando de todos os lados, o governo  fez questão de ser representado ao mais alto nível no local, enviando alguns ministros para se inteirarem da situação. Olhei à minha volta e rapidamente cheguei a uma conclusão, Entre-os-Rios "entrava" para o mapa mundial pelos piores motivos.
A queda da ponte Hintze Ribeiro, era noticia em todo o mundo.
Quando se soube que teriam caído todas aquelas viaturas ao rio, todos ficaram em choque, ninguém queria acreditar em tal coisa, não aqui, numa terra calma, pacata, onde nada acontecia. Conseguia ver nos rostos de alguns colegas, uma tristeza de morte misturada com alguma revolta, a ponte já há muito que pedia obras, ou até mesmo a sua substituição, mas o que é certo é que ninguém quis saber, e acabou por ruir não aguentando as fortes correntes do Douro arrastando consigo 59 pessoas para a morte. Tudo se ia fazendo para se encontrar alguém, mas todos os trabalhos se revelavam sem sucesso, além da corrente do rio não  ajudar em nada, juntava-se também o nevoeiro e a chuva que não nos dava tréguas, tudo isto aliado a muito lixo e toros de madeira que vinham arrastados pelo rio, tornavam as buscas na agua praticamente impossíveis, colocando em risco a vida de toda a  tripulação.
Durante toda a noite não houve descanso para nós bombeiros, havia mil e uma coisas para fazer, os botes iam dentro do possível, continuando com as buscas na agua, por terra foram destacados vários meios para se bater as margens do rio, mas infelizmente nada nem ninguém foi encontrado na noite do acidente.
O nevoeiro intenso não nos permitia de certa forma perceber a dimensão do que tinha caído, e só no outro dia, quando começou a amanhecer, conseguimos ter a percepção da dimensão que tinha acontecido, quase metade  tinha desaparecido.

Como disse anteriormente, muito foi feito durante toda a noite, desde as buscas na agua, até às buscas nas margens do rio, com o passar das horas os milhares de pessoas que ali se tinham juntado, foi regressando às suas casas, reinando agora um pouco mais de calma à nossa volta. 
Iam continuando a chegar meios vindos de todo o país, INEM, GNR, fuzileiros, marinha, todos estavam cá para fazer o que se podia, chegando ao ponto de se registar em todo o teatro de operações cerca de, 233 viaturas e mais de 1100 elementos de todas as forças de socorro envolvidas. Muito sinceramente vos digo, Entre-os-Rios, parecia um cenário de guerra tirado de um filme.
A noite foi longa, com buscas intensas, com estratégias a serem alteradas de um momento para o outro, tudo era feito para se encontrar alguém, de preferência com vida, mas o certo é que na noite do acidente, nada nem ninguém foi encontrado. 
Por volta das 6h30 da manhã começou o dia a querer nascer, e começamos a ter a verdadeira noção da dimensão do que tinha acontecido, e acreditem, só quem esteve lá, sabe o sentimento de impotência que se sentiu ao ver todo aquele cenário desolador...



Um cenário de guerra era o que o que os meus olhos me mostravam, uma ponte que devia ser uma ponte para a vida, tinha-se transformado, numa ponte para a morte...

No próximo post;
"Os dias seguintes há queda da ponte"

De seguida deixo-vos um pequeno vídeo com algum do nosso muito trabalho, isto não demonstra o que foram os nossos dias, porque isso, só quem lá esteve sabe pelo que passámos, mas pelo menos ficam com uma pequena ideia daquilo foram os nossos dias. São pouco mais de sete minutos, por isso se puder não deixe de ver.  










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