Os dias seguintes à queda da ponte de Entre-os-Rios - VIDA DE BOMBEIRO

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sábado, 6 de julho de 2013

Os dias seguintes à queda da ponte de Entre-os-Rios


5 de Março de 2001

O dia estava a nascer, e com ele se começava a vislumbrar um cenário desolador. Os meios de socorro tinham chegado de todo o lado durante a noite, e conseguia agora ver para o outro lado da ponte, ali também os meios envolvidos eram imensos.
Com o nascer do dia, conseguia-se pela primeira ver a verdadeira dimensão da tragédia, o rio continuava com uma corrente assustadora, a imagem da ponte parecia que tinha sido tirada de um filme.


Durante este dia tudo foi feito para que se encontrasse alguém, mas infelizmente só uma única pessoa foi encontrada.

Os botes continuavam na agua, desafiando a força das correntes, colocando quase sempre a  vida dos envolvidos em risco, mas apesar  de todas as dificuldades, tudo era feito para se encontrar o que quer que fosse.
Os fuzileiros muito provavelmente fizeram o que jamais alguém faria, com toda aquela corrente, com todo aquele lixo que vinha na agua, incluindo toros de madeira, que se batessem em alguém seria quase morte certa, mesmo assim com todos estas dificuldades, ainda houve alguém que tentou mergulhar nas aguas do rio Douro.

Escusado será dizer que esta foi uma tarefa impossível, posso dizer-vos que para mim aquela foi uma decisão demasiado arriscada, foi uma decisão, quase suicida, sim, porque mal o mergulhador entrou nas aguas do Douro, imediatamente ficou sem o respectivo equipamento de mergulho, o que levou a ter que ser resgatado de imediato. Mais uma vez não se pensava nos perigos em que se colocava os elementos envolvidos, naquele dia, naquela hora, tudo e todos queriam fazer alguma coisa, queriam encontrar alguém, mas apesar de toda a força de vontade, e de todos os meios envolvidos (222 viaturas e 710 elementos), pouco ou nada se podia fazer. A corrente do rio não permitia fazer quase nada, no rosto dos envolvidos nas operações de socorro, conseguia ver um sentimento de tristeza, um sentimento de revolta, mas principalmente um sentimento de impotência, sim, porque não faltavam meios nem vontade para fazer o que quer que fosse, mas faltava uma coisa muito importante, que eram condições de segurança.
O primeiro dia após a queda da ponte chegava agora ao fim, durante todo o dia, foram feitas buscas tanto no rio mas também em terra, na tentativa de encontrar alguém encostado às margens do rio.

 O dia, tornava-se agora em noite, e iria ser com toda a certeza mais uma noite angustiante, não só para nós mas principalmente para os familiares das vitimas.
Os dias iam passando e as buscas iam continuando, a 8 de Março deram à costa 4 corpos na Galiza, inicialmente ficou a duvida se seria possível estes corpos pertencerem a este acidente, o que mais tarde se veio a confirmar. No dia seguinte mais 2 corpos aparecem ao largo da Galiza e passados três dias mais um corpo aparecia no mesmo local.
Os dias iam passando, as buscas iam continuando, as aguas do Douro estavam agora mais calmas, e o seu leito já tinha baixado consideravelmente, os mergulhadores mergulhavam todos os dias, várias vezes por dia na tentativa de localizar o autocarro ou os automóveis. Nós íamos permanecendo no local e fazíamos o que estava ao nosso alcance para tentar encontrar alguém.
A 19 de Março era localizado o autocarro a 120 metros a jusante da ponte de Entre-os-Rios, bem, aqui pensei para mim "agora é que vai ser" pensando eu que muitos corpos estariam no seu interior, e que iriam ser precisas várias viaturas para transportar os corpos. Mas eu estava completamente enganado, porque no interior do autocarro, só estavam seis pessoas.



Toda a gente estava à espera que com o aparecimento do autocarro muitos seriam os corpos resgatados, mas isso não aconteceu, a força das correntes do Douro era tanta que acabou por levar quase todos os corpos, o autocarro transportava 53 pessoas, e só seis ficaram no seu interior.
A 2 de Abril era encontrado o primeiro automóvel, no seu interior estavam os corpos de um casal.


Passados cinco dias, a 7 de Abril, era encontrado o segundo automóvel sem ninguém no seu interior.

Tudo era feito para se encontrar os corpos que faltavam, mas muitos dos familiares das vitimas iam perdendo a esperança de poder enterrar os seus entes queridos.
Passado mais de um mês já com buscas mais reduzidas, era localizado o terceiro e ultimo automóvel, a 19 de Junho era tirado para fora do rio Douro a ultima viatura da queda da ponte, dentro desta mesma viatura encontravam-se 3 corpos, um homem e duas mulheres.

Este foi para mim um dia um pouco complicado, pediram-me para fazer parte da equipa do nosso bote, e eu não tenho vergonha de vos dizer que no inicio fiquei um pouco apreensivo, não pela situação em si, mas por não saber nadar. Não tenho medo da agua nem coisa que se pareça, mas embarcações não são o meu forte, mas lá acabei por ir, de colete colocado fomos para o rio.
Posso dizer-vos que foi uma experiência muito complicada, já se tinham passado mais de três meses, e como devem imaginar os corpos não se encontravam nas melhores condições.
Para complicar um pouco mais o nosso trabalho, tivemos o facto de estes três corpos terem que ser desencarcerados, pois a viatura estava em muito mau estado. Mas os bombeiros não desistem nunca, e uma vez mais cumprimos a nossa missão até ao fim.
Escrever sobre a ponte é para mim sempre muito nostálgico, podia escrever-vos aqui mil e uma páginas, mas penso que há certas coisas que devemos guardar para nós, não só por uma questão de ética, mas também por respeito aos que perderam a vida na queda da ponte e também aos seus familiares.
Uma coisa é certa, ninguém estava à espera que uma coisa destas fosse acontecer, ninguém estava preparado para uma situação desta envergadura, desde bombeiros, forças policiais, exército e até a própria comunicação social, ninguém esperava uma coisa destas.
O que nunca ninguém poderá questionar nem duvidar, é a entrega de todos os envolvidos nas operações de socorro, todos deram o seu melhor, fez-se o possível e o impossível, e muitas das vezes colocando a nossa  própria vida em risco.
Por terra, ar e agua, tudo foi feito para se encontrar alguém o mais rapidamente possível.



Passados 12 anos, 36 pessoas continuam por encontrar, e é quase certo que nunca mais se encontrarão.
Muito foi feito na área da prevenção no que diz respeito a pontes, as vistorias estão mais apertadas, e tudo é feito para que uma tragédia destas não volte a acontecer. Tudo isto podia ter sido evitado, mas a incompetência de algumas pessoas que sabiam do mau estado da ponte de Entre-os-Rios, fez com que esta cedesse, e hoje onde há uns anos atrás não havia dinheiro para reconstruir uma ponte, existem duas, pontes essas construídas de raiz após a queda da ponte Hintze Ribeiro.

Antes da Queda

Durante a Queda
Depois da Queda (actualmente) 
Deixo-vos de seguida algumas imagens inéditas do nosso trabalho nos dias que se seguiram há queda da ponte.
Para os familiares das vitimas, deixo aqui o meu voto de muita força, e sejam fortes na vossa vida, para que possam aguentar a dor de perder alguém desta forma.
Não me posso esquecer de todos os heróis com ou sem farda que estiveram envolvidos nas operações de socorro, muitas das vezes arriscando a sua própria vida, para esses, Um Grande Bem Haja.





















  


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