Querido Pai Natal,
Escrevo-te porque já não sei a quem mais escrever.
Deus deve andar ocupado e, sinceramente, nos quartéis já se invocou tudo o que era santo, padroeiro e entidade imaginária. Falhou tudo. Falta-te tu.
Pode parecer estranho alguém da minha idade escrever-te. Que seja. Mais estranho é fingir que está tudo bem quando não está. És vermelho, nós vestimos vermelho ,alguma afinidade há de existir.
Não te escrevo para pedir paz no mundo. Isso fica bonito nos discursos, faz-nos parecer Miss Mundo, cheios de boas intenções. Mas eu não escrevo para parecer bem. Escrevo porque quero algo básico: uma casa. Estabilidade. Aquilo que um quartel devia ser.
Os quartéis estão a esvaziar-se por dentro antes de ficarem vazios por fora.
De norte a sul do país, as corporações estão instáveis, fraturadas e doentes. E não, não é só falta de meios. Essa é a desculpa fácil, repetida até à exaustão para não se falar do que realmente dói: abuso de poder, processos disciplinares usados como mordaça, reservas empurradas à força, inatividades estratégicas e ambientes tóxicos criados por quem confunde liderança com autoridade cega.
Porque os meios humanos de que tanto se fala existem. Estão na sombra, mas existem. Foram empurrados para o silêncio, para o desgaste psicológico, para uma cultura de medo instalada dentro de casas que deviam proteger.
As corporações têm de voltar a ser dos bombeiros. As direções não podem mandar mais no socorro do que quem está no terreno. E os comandos precisam de perceber uma verdade simples: se estão sentados nessas cadeiras, é porque há homens e mulheres a segurar o quartel todos os dias, muitas vezes em silêncio e a custo próprio.
O quartel não é uma empresa. O socorro não é uma linha de produção.
Sem bombeiros não há comando. Sem bombeiros não há direção. Sem bombeiros há apenas uma casa vazia.
Chega de dividir para reinar. Chega de sacrificar quem questiona. Chega do “quem não está bem que vá embora”. Quem diz isso esquece-se de quem ficou, de quem deu vinte, trinta, quarenta anos de voluntariado, histórias inteiras apagadas com uma frase arrogante, como se a porta da rua fosse serventia da casa para quem a construiu.
Pai Natal, este Natal não te peço milagres. Peço mudança, respeito e dignidade para quem segura o capacete, a farda e a raiz desta causa.
Isto não é um pedido bonito. É um aviso embrulhado.
Ou há mudança, ou o país continuará a ver quartéis a cair — não por falta de fogo, mas por excesso de silêncio.
Por isso, este Natal, só te peço coragem.
Porque quem manda já perdeu a vergonha
e quem serve está farto de engolir tudo em seco.
E se conseguires embrulhar isto para 2026, já não é pouco.
Sem bombeiros respeitados, não há socorro que aguente.
Feliz Natal a todos.
Em especial aos bombeiros de Silves e da Areosa, que esta noite estarão de serviço, deixando as suas casas e os seus em casa para cumprir missão num lugar que antes era segunda casa e que hoje é apenas um quartel com capacetes no chão.
@destacar
Ariana Ribeiro
Vida de Bombeiro - Portugal
Cantinho do Bombeiro
#bombeirossilves
#bvart

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