EXCLUSIVO: Entrevista ao Presidente da APEB - Associação Portuguesa de Enfermeiros Bombeiros - VIDA DE BOMBEIRO

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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

EXCLUSIVO: Entrevista ao Presidente da APEB - Associação Portuguesa de Enfermeiros Bombeiros

 


Entrevista exclusiva de Vida de Bombeiro ao Presidente da APEB, André Teodósio a quem agradecemos por ter aceite este nosso desafio.


Poderia traçar um perfil biográfico que sintetize a intersecção entre a sua formação em Enfermagem e nos Bombeiros – Pré-Hospitalar, a sua experiência operacional nos Corpos de Bombeiros, e a motivação que o levou a assumir a liderança da APEB?


Sou Bombeiro Voluntário desde 2007, com experiência direta em múltiplos teatros de operações, desde incêndios a acidentes multivítimas. Em 2013 iniciei a carreira em Enfermagem, exercendo em serviços de urgência/emergência e bloco operatório, com formação complementar de elevada diferenciação clínica como emergência médica, trauma avançado, anestesiologia, doente crítico e instrumentação cirúrgica. Esta dupla experiência de bombeiro no terreno e enfermeiro em contexto hospitalar, deu-me uma visão privilegiada das fragilidades e potencialidades do nosso sistema.


O momento decisivo que me motivou a agarrar na temática, ocorreu nos incêndios de 2017, em Pedrógão Grande, onde estive empenhado. Assisti a bombeiros exaustos, desidratados, feridos e sem qualquer monitorização clínica ou assistência estruturada. Assisti, à escassez de oferta de cuidados de saúde diferenciados às populações, quando foram necessários, enquanto centenas de enfermeiros bombeiros presentes no teatro de operações, não eram aproveitados. Percebi então que havia um imenso capital humano desperdiçado e que tudo isto deveria ser alvo de profunda reflexão.


É com enorme orgulho que represento a Associação Portuguesa de Enfermeiros Bombeiros, salientando que os Bombeiros Portugueses representam o principal pilar do Sistema Nacional de Emergência e Proteção Civil e que a sua multiplicidade de missões e complexidade operacional é inegável. Por isto, queremos organizar, valorizar e projetar os cerca de 700 enfermeiros que pertencem aos Corpos de Bombeiros, para que possam servir a população e proteger os próprios operacionais.


Qual é o referencial epistemológico e técnico que sustenta a missão da APEB, e de que modo esta se posiciona no atual ecossistema de emergência pré-hospitalar português, face às entidades já existentes como o INEM ou os próprios Corpos de Bombeiros?


A missão da APEB assenta em três princípios fundamentais: rigor técnico-científico, integração sistémica e equidade territorial.


O rigor técnico é fundamental, sendo uma das responsabilidades do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), como autoridade máxima da emergência extra-hospitalar, definir protocolos de atuação e orientações de trabalho, alinhados com as melhores práticas internacionais, bem como estabelecer protocolos com Unidades Locais de Saúde e parceiros, com o intuito de dar resposta às necessidades de cuidados ao doente crítico em ambiente extra-hospitalar, através dos meios diferenciados.


Analisando os dados estatísticos e geoestratégicos, deparamo-nos com um socorro desigual em algumas regiões do território, com atrasos significativos na chegada de meios diferenciados, o que compromete e reduz a probabilidade de sobrevivência em situações de emergência.


Se tivermos em conta a distribuição dos corpos de bombeiros (CB) por todo o território nacional, percebemos que estes estão próximos da população de uma maneira geral, o que permite uma resposta mais rápida, eficaz e eficiente.


A APEB propõe soluções complementares e integradas como a de alargar o modelo SIV aos Corpos de Bombeiros, com tripulação constituída pelo binómio TAS Bombeiro + Enfermeiro Bombeiro, de forma profissionalizada 24h/365 dias.


Desta forma, garantimos proximidade, rapidez e qualidade diferenciada de cuidados, em articulação e sob regulação do INEM, sem beliscar a hierarquia operacional dos CB.


É meu dever reforçar que não somos alternativa ao sistema, mas sim reforço, proximidade e solução para falhas que já foram identificadas, colocando os Bombeiros Portugueses como parte integrante da solução.


Como fundamenta, à luz do enquadramento jurídico das estruturas de socorro nacionais, da ausência de reconhecimento formal da figura do “Enfermeiro Bombeiro” no ordenamento estatutário dos Corpos de Bombeiros Portugueses e da doutrina vigente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, a pertinência da constituição de uma associação cuja identidade assenta numa nomenclatura funcional e profissional ainda não legitimada nem regulamentada pelo Estado?


A ausência de enquadramento formal não elimina a realidade. Existem hoje cerca de 700 enfermeiros integrados nos CB, seja no quadro ativo ou quadro de comando. São bombeiros de pleno direito, com inscrição profissional na Ordem dos Enfermeiros.


Na realidade, a presença de médicos e enfermeiros nos CB sempre existiu. Muitos CB chegaram a criar Postos de Saúde internos, com equipas que apoiavam não só a comunidade como também o transporte de vítimas críticas. Se repararmos, existem insígnias próprias que reconhecem os elementos diferenciados, homologadas e regulamentadas pela Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP).


A APEB nasce para organizar essa realidade, dar-lhe identidade e enquadramento, e propor soluções para integrar legalmente quem já existe. Não inventámos um título e estamos apenas a estruturar e projetar profissionais que há décadas dão contributo nos CB, e que se vão perdendo ano após ano, por falta de reconhecimento.


Em países como França e Espanha, o papel do enfermeiro nos bombeiros está definido. Portugal não pode continuar a desperdiçar um recurso humano diferenciado. Por isso, defendemos a valorização legal do enfermeiro bombeiro, porque isso beneficia não só a população, mas também os operacionais dos bombeiros e todo o sistema nacional.


Considera que tal iniciativa poderá representar uma forma legítima de antecipação estratégica, uma lacuna institucional não colmatada, ou corre o risco de criar dissonâncias sistémicas e conflitualidade orgânica no seio da Proteção Civil?


A mudança é sempre desafiante para todas as partes, mas a criação da APEB representa visão estratégica e não uma fonte de conflito, sendo fundamental a existência de um período de adaptação.


Efetivamente, a criação desta associação vem de forma proativa representar uma visão estratégica de contribuir para colmatar as fragilidades do sistema de Emergência e Proteção Civil. Se estivermos atentos ao nosso redor e aos órgãos de comunicação social, todos os dias são relatadas situações, apresentando diversas dificuldades que existem no socorro em todo o território nacional.


O sistema apresenta fragilidades como desigualdade territorial na emergência extra-hospitalar, ausência de apoio sanitário e recuperação dos bombeiros em teatro de operações e inexistência de programas preventivos de saúde para os operacionais. As nossas propostas respondem a estas lacunas com projetos concretos:

Alargamento do modelo de Suporte Imediato de Vida (SIV) aos Corpos de Bombeiros, para trazer cuidados diferenciados em proximidade à população.

Criação de equipas regionais multidisciplinares de Apoio Sanitário Operacional e Recuperação (ASOR), para cuidar dos bombeiros em cenários de exceção e catástrofe.

Implementação do Programa Nacional de Vigilância de Saúde Contínua dos Bombeiros, para prevenir doenças e proteger os operacionais, melhorando a sua performance.


Tudo isto em diálogo e cooperação permanente com o INEM, ANEPC, Ordem dos Enfermeiros e Liga dos Bombeiros Portugueses. A nossa prioridade é proteger os bombeiros e oferecer à população cuidados mais próximos, equitativos e diferenciados. Este é o verdadeiro sentido da nossa existência para construir pontes e não divisões.


Considerando a designação “Enfermeiro Bombeiro”, como justifica, em termos de organização funcional e doutrina operacional, a primazia do título profissional sobre a função operacional num contexto em que a cadeia de comando é tipicamente paramilitar?


A designação “Enfermeiro Bombeiro” não traduz primazia nem quebra da doutrina operacional. Reflete apenas uma identidade dupla e complementar pois somos bombeiros, plenamente integrados na cadeia de comando, e somos enfermeiros, com responsabilidades clínicas próprias, reguladas pela Ordem dos Enfermeiros.


A hierarquia operacional mantém-se intocada. Tal como acontece nas Forças Armadas ou nas Forças de Segurança, onde existem oficiais médicos ou oficiais de enfermagem, a função clínica acrescenta competência sem alterar a disciplina ou a cadeia de comando.


O título não é uma disputa de protagonismo, mas um reconhecimento de realidade pois existem já centenas de enfermeiros que são bombeiros e que querem colocar essa dupla condição ao serviço da população e da proteção dos seus camaradas.


Em suma, “Enfermeiro Bombeiro” é apenas a forma mais clara e honesta de nomear quem somos e o que trazemos ao sistema como bombeiros de corpo inteiro, com a mais-valia diferenciada da enfermagem, para cuidar melhor de quem servimos.


A APEB inspira-se em modelos internacionais? Quais os critérios de transponibilidade desses modelos para a realidade portuguesa, em termos jurídicos, financeiros, operacionais e culturais?


A APEB observa boas práticas internacionais, sobretudo na Europa, onde os enfermeiros já integram de forma diferenciada os Corpos de Bombeiros. No entanto, não defendemos cópias diretas pois cada país tem a sua realidade jurídica, cultural e operacional, e em Portugal a nossa proposta é totalmente adaptada ao sistema existente.


Do ponto de vista jurídico, seguimos as orientações do INEM e ANEPC, enquanto entidades reguladoras da emergência médica e proteção civil, bem como da Ordem dos Enfermeiros, que reconhece e valoriza o papel dos enfermeiros que são também bombeiros.


Operacionalmente, a integração é clara com binómio TAS Bombeiro + Enfermeiro Bombeiro, dentro da hierarquia dos Corpos de Bombeiros e sob protocolos clínicos, garantindo segurança e continuidade assistencial.


Em relação ao financiamento, neste momento a APEB está a reunir com diversas entidades reguladoras e governativas onde será estudado o modelo mais adequado. O caminho tem de ser realista e partilhado, envolvendo Administração Interna, Saúde, ULS, Municípios e Corpos de Bombeiros, garantindo sustentabilidade e corresponsabilidade.


Culturalmente, inspiramo-nos no que funciona lá fora, mas o que defendemos é um modelo português, construído sobre os Bombeiros como principal pilar do sistema de emergência e proteção civil. Não se trata de importar soluções, mas de profissionalizar e valorizar recursos humanos que já existem, em prol da população e dos próprios operacionais.


Tendo em conta que o ensino superior em Enfermagem em Portugal não contempla uma formação robusta e sistematizada em pré-hospitalar, quais seriam os pilares de um currículo complementar que a APEB propõe, e como garantiria a sua acreditação e validade científica?


A formação geral em Enfermagem, como o próprio nome indica, é de cuidados gerais. Tal como em qualquer profissão, quando um enfermeiro inicia funções num novo contexto, necessita de integração e formação adequada. O ambiente extra-hospitalar exige naturalmente uma formação específica e especializada.


O INEM é a entidade máxima para regulamentar a atuação nesta área, e é nesse enquadramento que a APEB propõe uma formação complementar, acreditada pelo INEM e pela Ordem dos Enfermeiros, que inclua matérias essenciais como emergência médica (base de Suporte Avançado de Vida), trauma avançado, transporte do doente crítico, e gestão de situações de exceção e catástrofe. Essa formação deve ser contínua, com reciclagens obrigatórias e integração plena nos protocolos nacionais — exatamente como já acontece com os cursos de SIV ou VMER.


Importa sublinhar que dezenas de Enfermeiros-Bombeiros já trabalham em SIV, VMER e SHEM do INEM, tendo concluído esta formação e provado diariamente a sua competência. O problema é que, quando estão nos Corpos de Bombeiros, não podem aplicar plenamente essas mesmas competências. Isso representa não só um desperdício de recursos humanos altamente diferenciados, mas também uma perda para as populações e para os próprios operacionais.


Trabalhar no pré-hospitalar é exigente e por vezes hostil, mas é precisamente por isso que a APEB defende que a formação dos Enfermeiros Bombeiros seja robusta, científica e uniformizada, garantindo que cada intervenção assenta em segurança clínica, qualidade assistencial e conhecimento sólido.


Apostando na inserção de Enfermeiros nos Corpos de Bombeiros através de unidades com características SIV, como é que a APEB propõe garantir a interoperabilidade com os dispositivos já existentes do INEM, sem comprometer a hierarquia técnica, a continuidade assistencial e a segurança clínica do doente?


A interoperabilidade é um ponto essencial. O que propomos é replicar o modelo SIV já existente, mas sediado nos Corpos de Bombeiros, com recursos próprios.


O Enfermeiro Bombeiro, como indicado anteriormente será integrado na hierarquia dos Corpos de Bombeiros. No que respeita à hierarquia técnica, todos os protocolos clínicos são definidos pelo INEM, sem alterações, replicando o modelo de atuação SIV já existente, mas sediado nos Corpos de Bombeiros, com tripulação constituída pelo binómio TAS Bombeiros e Enfermeiro Bombeiro.


A vítima recebe os mesmos cuidados, com a mesma segurança clínica, mas com a vantagem de uma assistência diferenciada mais próxima e mais equitativa. Já existem exemplos positivos em Portugal, como nos arquipélagos, que demonstram a viabilidade e a eficácia deste modelo.


Objetivamente, não duplicamos estruturas e não criamos conflitos, aproximando apenas a assistência diferenciada da população, confiando-o ao maior parceiro do sistema que são os Bombeiros.


Qual o modelo de financiamento estruturado e plurianual que a APEB considera exequível para a operacionalização sustentada destas unidades, garantindo autonomia funcional sem redundância orçamental no SNS e na Proteção Civil?


Neste momento, a APEB está a reunir com diversas entidades reguladoras e governativas para estudar o modelo de financiamento mais adequado. O caminho tem de ser realista e partilhado, envolvendo Administração Interna, Saúde, ULS, Municípios e Corpos de Bombeiros, garantindo sustentabilidade e corresponsabilidade.


Não falamos de duplicar estruturas ou criar redundâncias orçamentais, mas de racionalizar o investimento já existente, colocando-o onde faz diferença, criando proximidade, equidade e qualidade no socorro.


Recordamos que em 2008, quando surgiram as primeiras Equipas de Intervenção Permanente (EIP), também foram alvo de críticas quanto ao financiamento. Hoje, são consideradas fundamentais e estruturantes. O mesmo acontecerá com as SIV Bombeiros e com as equipas ASOR.


A nossa posição é clara e defenderemos um modelo profissional, com contratos estáveis e plurianuais, que assegure previsibilidade financeira, proteja os operacionais e garanta igualdade de resposta em todo o território nacional.


Face ao contexto nacional, em que a maior parte do socorro é garantida por voluntariado, como equilibra a APEB a proposta de introdução de profissionais com competências técnicas avançadas, que exigem estabilidade contratual, com a matriz humanitária e voluntária dos Bombeiros?


O voluntariado é a alma dos Bombeiros Portugueses e será sempre preservado.


A APEB reconhece e valoriza esse espírito humanitário, que garante a base do socorro no nosso país.


Contudo, determinadas funções críticas e diferenciadas não podem depender apenas da disponibilidade voluntária. Tal como já acontece com os TAS Bombeiros, que existem em regime voluntário e profissional, também os Enfermeiros Bombeiros devem ser valorizados legalmente, permitindo que alguns exerçam em regime profissional, garantindo continuidade, qualidade e segurança clínica.


Não falamos de substituição, mas de complementaridade, onde o voluntariado mantém a sua matriz solidária, essencial ao ADN dos CB e o profissionalismo assegura as áreas diferenciadas que exigem estabilidade e preparação contínua.


Enfermeiros Bombeiros e TAS Bombeiros não competem, trabalham em união, potenciando o melhor de cada um, para oferecer mais às vítimas e proteger melhor os nossos camaradas. É esta fusão entre humanismo voluntário e profissionalismo diferenciado que queremos construir e potenciar.


Qual é a vossa estimativa realista quanto à densidade de cobertura nacional que poderá ser atingida com a implementação de ambulâncias com enfermeiros nos Bombeiros, e qual o critério geoestratégico que propõem para a sua distribuição inicial?


A APEB está a desenvolver um estudo geoestratégico rigoroso que cruza três variáveis principais: tempos médios de resposta, densidade populacional e recursos diferenciados já existentes. O objetivo é começar por onde a carência é mais evidente, ou seja, territórios onde os meios diferenciados do INEM chegam tarde demais, comprometendo o prognóstico do doente crítico.


Por isto, a nossa proposta é a de iniciar com um projeto-piloto em zonas de maior vulnerabilidade assistencial, através do alargamento do modelo SIV aos Corpos de Bombeiros e da criação de equipas regionais de Apoio Sanitário Operacional e Recuperação (ASOR). Futuramente será efetuada uma avaliação de resultados clínicos, operacionais e económicos, potenciando uma expansão progressiva e sustentada em evidência científica e eficácia comprovada, sendo sempre um complemento ao sistema já existente do INEM, tirando partido de uma vantagem única do nosso país que é a presença de Corpos de Bombeiros em todos os concelhos de Portugal.


Não falamos de números teóricos, mas sim de estratégia baseada em equidade, com o compromisso de que qualquer português, viva no litoral ou no interior, tenha acesso a cuidados de emergência diferenciados em proximidade, de forma igual.


Perante alternativas já consolidadas, como o modelo norte-americano de paramédicos ou o modelo britânico de “Emergency Care Practitioners”, em que medida a aposta na figura do Enfermeiro Bombeiro português representa uma mais-valia sistémica e não apenas uma sobreposição funcional?


Os modelos internacionais, como o norte-americano ou o britânico, são frequentemente apontados como referência. São bons exemplos, mas cada um nasceu da sua realidade legal, cultural e histórica. Importa sublinhar que não há um modelo universal, mas sim soluções adaptadas a contextos específicos.


Em Portugal, o que existe e já é plenamente validado, é o papel do enfermeiro no extra-hospitalar, integrado em meios como as VMER, SIV e SHEM, sempre sob coordenação e regulação de protocolos do INEM.


O que a APEB propõe é simples e realista que aposta no alargamento deste modelo consolidado aos Corpos de Bombeiros, aproveitando os cerca de 700 enfermeiros que já pertencem aos CB e que estão desvalorizados.


Não estamos a criar sobreposição nem conflito, mas sim a propor a otimização de um recurso humano já existente, reconhecido e altamente qualificado, que é simultaneamente enfermeiro e bombeiro. Essa dupla identidade dá ao Enfermeiro Bombeiro uma mais-valia única de conhecer a cultura operacional dos CB, integrando-se naturalmente na hierarquia e acrescentando diferenciação clínica com segurança e rigor científico.


Enquanto alguns defendem importar carreiras que não existem no nosso ordenamento jurídico, a APEB defende uma via mais rápida, sustentável e eficaz, que valoriza quem já está no terreno e responde às necessidades imediatas da população. A nossa aposta não divide e visa reforçar a proximidade, melhorar a qualidade do socorro e proteger os operacionais dos bombeiros.


Reconhecendo que a produção científica, guidelines e práticas baseadas em evidência na emergência médica são largamente lideradas por paramédicos e organismos anglo-saxónicos, como pretende a APEB desenvolver um corpo de conhecimento próprio, relevante e adaptado à prática nacional?


É verdade que a produção científica internacional na emergência pré-hospitalar tem sido fortemente impulsionada por países anglo-saxónicos e por estruturas de paramedicina. Contudo, Portugal tem de produzir a sua própria evidência, ajustada à sua realidade geográfica, cultural e organizacional, para o qual a APEB quer contribuir.


O nosso compromisso é transformar os cerca de 700 enfermeiros-bombeiros já integrados nos Corpos de Bombeiros em agentes ativos de ciência aplicada. Para isso, vamos trabalhar com o INEM, a ANEPC, a Ordem dos Enfermeiros, universidades e politécnicos, potenciando registos nacionais de trauma, emergência médica e exceção e catástrofe.


O resultado será a criação de evidência nacional própria, comparável internacionalmente, mas com capacidade de orientar políticas internas, desde o socorro diferenciado em proximidade até à proteção dos operacionais dos bombeiros, contribuindo para a ciência de enfermagem e emergência, produzindo conhecimento inovador aplicável.


Assim, a APEB não se limita a reivindicar espaço, assumindo-se como motor de produção científica aplicada à realidade Portuguesa, capaz de melhorar a resposta à população e de proteger os operacionais no terreno.


Que visão estratégica tem a APEB para a formação técnico-operacional dos Bombeiros portugueses na área da emergência médica, nomeadamente no que toca à articulação entre formação inicial, formação contínua e validação de competências?


A formação é absolutamente central e tem de ser encarada como eixo estratégico para garantir qualidade e segurança clínica.


No caso dos Enfermeiros Bombeiros, defendemos que cumpram sempre os requisitos da Ordem dos Enfermeiros e integrem os módulos definidos pelo INEM para o modelo SIV, de forma a garantir homogeneidade e alinhamento com o sistema nacional. A formação contínua deve ser obrigatória, acreditada e supervisionada por estas entidades, com validação conjunta de competências, tendo a Ordem dos Enfermeiros na componente clínica e o INEM na componente operacional.


Relativamente aos TAS Bombeiros, é fundamental que a sua formação seja equivalente à dos TEPH do INEM, de modo a assegurar equipas homogéneas e aumentar a qualidade da resposta no terreno. A presença de Enfermeiros Bombeiros, integrados em binómio com TAS Bombeiros, permitirá ainda que estes últimos evoluam naturalmente, adquirindo competências diferenciadas pela prática em equipa.


Por outro lado, para todos os Bombeiros Portugueses defendemos que exista uma formação inicial e contínua na base do TAS, sendo fundamental encontrar estratégias que permitam que todos frequentem esta tipologia de formação que possui uma carga horária bastante elevada na atualidade.


A formação contínua tem de ser acessível, valorizada e incentivada, pois só assim conseguimos garantir que todos os operacionais dos Bombeiros estão preparados para atuar de forma profissional, coordenada e segura.


A nossa visão é clara com formação estruturada, contínua, acreditada e validada, sempre em cooperação com o INEM, a Ordem dos Enfermeiros e a Escola Nacional de Bombeiros.


Tendo em conta as limitações estatutárias e legais que condicionam a atuação da APEB, quais são os eixos prioritários da sua ação política e técnica, e de que forma pretendem influenciar positivamente a revisão do modelo nacional de emergência pré-hospitalar?


É verdade que a APEB nasce num contexto de limitações legais e estatutárias. Mas é precisamente por existirem essas limitações que a nossa missão se torna ainda mais necessária e urgente. Temos bombeiros feridos e exaustos nos teatros de operações sem qualquer assistência, apoio ou monitorização estruturado, temos cidadãos em regiões do país que esperam demasiado tempo por cuidados diferenciados, temos bombeiros que arriscam a vida diariamente sem qualquer programa de vigilância de saúde que os proteja preventivamente. Ignorar esta realidade é virar as costas àqueles que constituem o principal pilar do Sistema Nacional de Emergência e Proteção Civil - os Corpos de Bombeiros.


É por isso que a APEB definiu cinco eixos estratégicos muito claros:


1.

Valorização legal do Enfermeiro-Bombeiro nos Corpos de Bombeiros, para que os cerca de 700 profissionais existentes deixem de ser invisíveis e passem a ser reconhecidos e aproveitados em pleno.


2.

Alargamento do modelo SIV aos Bombeiros, profissionalizado e sustentado, garantindo socorro diferenciado em proximidade, em binómio TAS Bombeiro + Enfermeiro-Bombeiro, porque cada minuto conta na vida de quem necessita de ajuda.


3.

Criação das equipas ASOR – Apoio Sanitário Operacional e Recuperação, para que possamos monitorizar e assistir os nossos bombeiros que sofrem de exaustão, queimaduras, intoxicações ou traumas físicos e psicológicos sem apoio multidisciplinar imediato no teatro de operações.


4.

Programa nacional de vigilância contínua da saúde dos bombeiros, porque quem dedica a vida a proteger os outros merece ter a sua saúde monitorizada, cuidada e preservada ao longo de toda a sua carreira.


5.

Assessoria pedagógica e formativa, em articulação com o INEM, a ENB e a OE, para que os conteúdos formativos dos bombeiros incorporem ciência atualizada, garantindo qualidade, diferenciação e evolução contínua.


O impacto destes eixos vai muito além da APEB. Representa uma mudança de paradigma que coloca a ciência, a proximidade e a proteção do próprio operacional no centro do sistema. Aproveitando para dar uma resposta clara às críticas, nós não somos um grupo corporativo, não somos uma estrutura paralela e não queremos dividir ninguém. Somos bombeiros e somos enfermeiros!


Queremos usar essa dupla condição para unir, valorizar e evoluir o sistema, sempre em cooperação com o INEM, a ANEPC, a Liga dos Bombeiros e todas as entidades que partilham connosco este propósito.


O que propomos não é um capricho nem uma reivindicação vazia. É a resposta concreta a problemas que todos conhecem, que todos sentem, mas que há demasiado tempo se empurram para a frente sem solução.


É um caminho que se mede em vidas salvas, em bombeiros protegidos, em confiança reforçada entre a população e os seus Corpos de Bombeiros.


A APEB existe porque é preciso existir. Porque chegou a hora de deixar para trás as palavras bonitas e concretizar projetos diferenciadores que modernizem o sistema, que protejam os operacionais e que garantam aos portugueses um socorro mais justo, mais rápido e mais humano.


E é por isso que afirmamos, sem hesitação que o futuro da emergência pré-hospitalar em Portugal passa pelos Bombeiros, pelos TAS Bombeiros e pelos Enfermeiros-Bombeiros.


Estamos prontos para o construir este caminho em conjunto.


André Teodósio

Presidente da direção

Associação Portuguesa de Enfermeiros Bombeiros

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