Operacional dos Bombeiros de Valbom, Veríssimo Cabral arriscou-se em estradas cortadas pelos incêndios para que utente pudesse ser transplantado no Hospital de Santa Marta, em Lisboa.
São 9 horas. Com o país a arder, e depois de uma madrugada extenuante a tentar vergar o fogo que inferniza Gondomar, Veríssimo, 48 anos, senta-se ao volante da ambulância dos Bombeiros de Valbom com duas certezas matemáticas: se não chegar a Lisboa até à uma hora da tarde, Luís – chamemos-lhe assim, porque não quer divulgar o nome – já não poderá receber os dois pulmões que lhe vão permitir dar dois passos sem a garrafa de oxigénio.
Por outro lado, se viajar pelas estradas onde o fumo não cega e não se sente o fogo a rugir, infletindo para o interior do país, jamais chegará a tempo ao Hospital de Santa Marta, onde cada minuto daquela manhã infernal de 16 de setembro conta como se fosse ouro – um pulmão tem de ser transplantado em quatro horas após a morte do dador e ainda há testes a fazer.
Manuel Viana, adjunto do Comando da corporação do concelho de Gondomar, não chamara Veríssimo Cabral “à toa”, após ter recebido o telefonema do hospital: “é um bombeiro com muita experiência em emergência pré-hospitalar e condução”.
Sirenes a tocar
Feita a rendição no combate às chamas, o bombeiro que “nunca diz que não a uma missão”, só pôde “tomar um banho rápido” antes de apanhar Luís e a mulher em casa, em Gondomar, e fazer-se à estrada, por muito que tivesse a noção de que tudo poderia correr mal. Veríssimo põe o pé no acelerador. Começava “uma aventura que teve sucesso”: Luís está internado no Santa Marta, a convalescer do transplante bilateral de pulmões, uma das mais complexas transplantações de órgãos.
É uma guerra de nervos: “sabia que a A1 estava cortada, e entro na A29, mas sou obrigado a sair para Estarreja. Era muito trânsito, eu sempre com as sirenes a tocar. Abordo um GNR, que me diz para ir pela Nacional 1, mas vejo a estrada cortada e chamas em Albergaria. Uma enfermeira do hospital liga: ‘tem de estar aqui o mais tardar à uma hora’. Eram 10.15 e não conseguia passar”.
“A solução era a A25, para apanhar a A1. Expus o caso, que era crítico, a outro GNR, que diz: ‘é arriscado, mas não tem alternativa’. Explico ao utente que vamos correr riscos, por causa do fumo e, possivelmente, de chamas, e pergunto-lhe: você confia em mim? Ele responde-me: ‘você é a minha oportunidade de ouro’. E fomos. Apanhámos fumo, muito má visibilidade e algumas chamas, mas a vida é feita de riscos, e este era controlado, porque, com o trânsito cortado, podíamos sempre voltar para trás”, conta Veríssimo.
“Às 12.50 horas estamos a entrar no hospital, e às 19 recebo a notícia de que o senhor vai a caminho do bloco operatório para fazer o transplante. Foi um final feliz e uma boa missão”, orgulha-se o operacional, alertando para “as consequências que os fogos têm na vida das pessoas”.
JN
Sem comentários:
Enviar um comentário