Num momento crítico, “não podia virar costas” e aceitou a missão de liderar um instituto que pede socorro há anos. Sem exigências. Em funções desde 19 de julho, o presidente do INEM elegeu o CODU como prioridade e já tomou medidas para mitigar a falta de profissionais. Quem vai operar os meios aéreos no futuro é um tema ainda em aberto.
Aceitou o desafio de liderar o INEM num momento de grande turbulência. A primeira escolha da ministra impôs condições que não foram atendidas. Estas exigências não eram importantes ou fez outras?
Aceitei o convite com o sentido de missão que sempre tive ao longo da minha carreira. Não só por ser militar, mas porque sinto que quando assumimos um cargo público tem de ser para melhor servir o país e os interesses da instituição. Todos os problemas levantados nessa altura são válidos e atuais, mas também sinto que cabe ao Conselho Diretivo encontrar as soluções.
Mas fez alguma exigência?
Não. Tenho algum conhecimento do funcionamento do INEM e das pessoas que trabalham no INEM e mantenho a convicção de que tenho soluções e pessoas que vão contribuir para a solução de todos os problemas.
Sobre a contratação dos helicópteros, que levou à demissão da anterior direção. O ajuste direto passou no Tribunal de Contas, mas só dura um ano. Vai lançar novo concurso ou recorrer à Força Aérea?
O visto do Tribunal de Contas foi uma ótima notícia porque deu-nos alguma tranquilidade, a garantia de que o serviço vai continuar até ao fim de junho de 2025 e tempo para preparar a solução futura. O plano passa por manter todas as opções em aberto. Estamos a trabalhar com a Força Aérea Portuguesa (FAP) no sentido de avaliar as aeronaves ao dispor, para percebermos como podem ser úteis, não só no contexto do serviço de helicópteros de emergência médica, mas também no transporte integrado do doente crítico. Esta solução com a Força Aérea está a ser explorada com muita seriedade.
E se não for a melhor solução?
No plano que apresentámos ao Tribunal de Contas está prevista a abertura de um concurso internacional no fim de setembro ou início de outubro, caso não exista ainda a garantia a 100% de que a solução seja pela FAP. Isto permitir-nos-á, no fim do ano ou início de 2025, ter o resultado do trabalho que está a ser feito com a FAP paralelamente com as propostas do concurso. Depois decidiremos a melhor modalidade: poderá passar pela atribuição do serviço completo à FAP, a uma empresa civil ou até por um modelo misto, com participação e contributos de várias entidades. O objetivo é que a decisão seja tomada no início de 2025.
O Governo está disponível para aumentar o valor-base do concurso?
Estamos a rever o caderno de encargos. Não é só o valor que pode atrair ou afastar concorrentes, há outras cláusulas que podem tornar-se mais atrativas. E estamos a fazer consultas. Naturalmente, teremos de abordar a tutela se sentirmos que o valor em causa deve ser revisto.
Mas quer ter quatro meios aéreos 24 horas por dia?
É nosso objetivo ter quatro aeronaves 24 horas/dia com um tempo de prontidão de 15 minutos.
Nesse eventual modelo misto, a FAP faria o transporte inter-hospitalar e o privado o transporte primário?
A divisão não seria essa. A solução mista pode ser dentro do sistema de helicópteros. Se concluirmos que é vantajoso para o país pode haver, por exemplo, dois helicópteros militares e dois helicópteros civis. Não queremos excluir nenhuma opção.
Sobre a renovação da frota, porquê a reprogramação dos 19 milhões de euros autorizados no final do ano passado?
O processo ficou suspenso este ano por causa do aumento dos subsídios a pagar aos bombeiros. Foram dois aumentos consecutivos legítimos porque não eram atualizados há muito tempo, mas que acresceram ao orçamento do INEM. O Conselho Diretivo anterior suspendeu a aplicação da resolução do Conselho de Ministros até perceber o impacto desta atualização no orçamento e nós propusemos à tutela a reprogramação da verba, de modo a que a aquisição das viaturas pudesse ser diferida mais um ano, até 2027. A aquisição deste número de viaturas, através de concurso, é morosa e, portanto, prevê-se que a entrega possa começar em 2025.
O ex-presidente disse que a degradação do serviço é “inegável”. Há chamadas com longos tempos de espera que atrasam os acionamentos e diz quem trabalha no INEM que a situação é bem mais grave do que se sabe. Que soluções tem?
Infelizmente, não tenho nenhum ás de trunfo na manga. Mas posso dizer que o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] é uma grande prioridade para este Conselho Diretivo. É o cérebro e o coração do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM). Não temos todos os técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH) nem todos os médicos que precisamos e, por isso, adotámos uma estratégia de alocar preferencialmente os recursos existentes ao CODU. Instituímos, para os técnicos e médicos com funções mais administrativas, a obrigatoriedade de cumprirem metade do horário, pelo menos, a operar os meios do INEM, com foco principal no CODU.
Pode dar exemplos?
Os TEPH que estão alocados às viaturas dos psicólogos e de transporte pediátrico, quando não estão em serviço nessas áreas, ficam a atender chamadas. Depois queremos instituir uma política que possibilite o trabalho remoto no CODU, em teletrabalho ou nas bases, permitindo a quem está colocado em zonas mais periféricas do país contribuir para a escala do CODU.
Tem previsão do impacto dessas medidas?
Não tenho de momento. São algumas dezenas de técnicos. O impacto pode não ser imediatamente mensurável, mas poderá constituir uma mensagem a todos os profissionais da necessidade de repartição dos esforços e de quais são as prioridades. São medidas para tentar mitigar a escassez de recursos, mas o mais importante é ter sucesso nos procedimentos concursais e para isso temos de demonstrar que estamos a trabalhar na melhoria das condições de trabalho.
Os últimos concursos tiveram dezenas de vagas vazias. Como é que se cativam os TEPH?
Estamos a trabalhar para aceder aos pedidos de mobilidade com a brevidade possível para tentar que os nossos profissionais possam exercer as suas funções mais próximos de casa. Temos tido grandes dificuldades de recrutamento, em particular para a zona de Lisboa, que é extremamente onerosa. Nesse sentido, estamos a tentar encontrar soluções que passem por alojamento provisório para os nossos técnicos que trabalham em Lisboa. Vamos explorar as opções e podemos falar com as Forças Armadas, que têm mostrado disponibilidade para estes apoios.
A ministra da Saúde disse que o INEM precisa de ser refundado. Que mudanças são estas?
O INEM cresceu muito nas últimas duas décadas e tem uma atividade muito diversificada. Penso que necessita de refocar a sua atenção no CODU e na operação dos meios no terreno, indo de encontro à sua principal missão.
Deixar as tarefas de regulador, de fiscalizador...
Não, não, de maneira nenhuma. O INEM tem a missão de regular o SIEM e precisa de garantir que todos os intervenientes têm a certificação e formação necessárias e que todos os equipamentos usados são devidamente certificados. Paralelamente, os recursos próprios do INEM são uma garantia para o sistema. Se dependermos só de entidades externas podemos correr o risco de não ter recursos disponíveis em algum momento. v
O instituto precisa de um reforço orçamental?
Estamos há pouco tempo em funções, ainda é cedo para afirmar que há necessidade de aumentar a percentagem da taxa dos seguros que financia o INEM. Contamos melhorar a eficiência e diminuir alguns custos.
São necessários mais elementos no Conselho Diretivo do INEM?
Pelo menos mais um elemento seria adequado.
O pedido de abertura de concurso público já chegou ao CReSAP?
Não, mas a tutela disse-me que seria esta semana.
Vai concorrer?
Sim, e a vogal do Conselho Diretivo também.
A criação da especialidade de medicina de urgência e emergência será útil ao INEM?
É uma oportunidade para o instituto poder ter uma carreira atrativa para os seus médicos e é de todo o interesse do INEM ser parte ativa no processo.
A auditoria administrativa e financeira ao INEM, anunciada pela ministra, já avançou?
Está a decorrer com normalidade. Estamos a colaborar com a IGAS em todas as solicitações que nos têm feito.
O INEM é uma missão ou é uma paixão?
Ambas. A emergência médica sempre me atraiu, trabalhei muito nesta área e sempre tive um contacto próximo com o INEM. É uma casa que me diz muito. Quando surgiu o desafio numa altura de maior turbulência, como disse, não podia de maneira nenhuma virar costas e coloquei-me ao dispor para ajudar dentro das minhas capacidades.
JN
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