A cada dia que passa é mais difícil mobilizar bombeiros voluntários - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 15 de março de 2024

A cada dia que passa é mais difícil mobilizar bombeiros voluntários

 


David Lobato, 51 anos, é o comandante Sub-Regional de Emergência e Protecção Civil do Médio Tejo, cargo que assumiu em Janeiro de 2023.


Entrou para os bombeiros aos 14 anos e nunca mais deixou aquela que é a sua grande paixão. Natural de Alcoentre e a morar no Cartaxo, considera que a criação dos comandos sub-regionais trouxe muitas vantagens apesar de também ele ter sido céptico em relação à mudança. Uma entrevista para assinalar o Dia da Protecção Civil que se comemorou a 1 de Março.


Qual a vantagem da criação dos comandos sub-regionais de protecção civil?


Todos nós somos resistentes à mudança. Também fui céptico à mudança. Achei que iríamos perder capacidade daquilo que são os nossos meios. Ao longo do último ano são mais as vantagens, principalmente pela proximidade. Por exemplo, em relação aos municípios é muito mais fácil fazer uma reunião. Hoje consigo dar uma volta à sub-região toda e quando era comandante distrital demorava muito mais tempo. Também acho que ganhamos muito com esta mudança na ligação às pessoas, aos corpos de bombeiros e aos outros agentes de protecção civil. Resolvemos os problemas mais rápido.


Quais as principais dificuldades e desafios com que se debate o sub-comando regional do Médio Tejo?


As alterações climáticas que vamos tendo são os principais problemas. Os desafios passam por continuar a sensibilizar, instrução, treino, planear exercícios para estarmos sempre preparados para o pior que possa acontecer.


Existem diferenças entre os territórios do Médio Tejo e da Lezíria do Tejo?


O território do distrito é diferente. Todos os municípios do distrito estão sensibilizados mas no norte há mais sensibilidade para o problema dos incêndios porque sofrem mais todos os anos. Na Lezíria do Tejo não existe a floresta que existe no Médio Tejo. Os autarcas da Lezíria do Tejo estão mais sensibilizados para as inundações, cheias e estradas cortadas. Os problemas são diferentes.


Faz sentido dividir os comandos com uma dispersão de meios quando anteriormente foram agregados por ter sido considerado melhor em termos de coordenação?


É mais fácil coordenar menos meios. Melhorou a coordenação e o facto de estarmos mais perto e mais em cima do acontecimento. Garantimos uma melhor resposta. Quando temos uma necessidade peço ao meu colega da Lezíria do Tejo e a mobilização dos meios é exactamente a mesma. Sei que há vozes discordantes, o que é normal, mas acabamos por ganhar com esta decisão de dividir.


De que maneira o sistema de Protecção Civil, nomeadamente os bombeiros, se podem preparar para as alterações climáticas que terão cada vez mais influência nos grandes incêndios e inundações em meios urbanos?


Esse é o grande desafio do amanhã. Os corpos de bombeiros e outros agentes de protecção civil estão preparados de há muitos anos para cá. Todos os meses organizamos exercícios e participamos em exercícios de outras regiões e isso faz com que estejamos preparados. Vai ser implementado, acho que em todo o país, um projecto do Politécnico de Tomar, de medição de condições meteorológicas em tempo real. Vai ser fundamental porque vai-nos ajudar a prever o risco de incêndio para aquele dia e assim sabemos quantos meios devemos mobilizar consoante o risco que nos é dado.


Em que medida é que o facto de haver bombeiros voluntários, municipais e sapadores tem influência na articulação e no modo de actuação?


Acho que se complementam. Quanto mais bombeiros houver melhor. Os bombeiros são muito mais do que apagar incêndios. Estamos cá o ano inteiro, em todas as situações de socorro.


As corporações voluntárias não deviam ser profissionalizadas de uma vez por todas?


Acho que sim, mas temos que questionar se o país tem capacidade para isso. É difícil ter essa capacidade financeira porque estamos a falar de um custo grande. O voluntariado tem que funcionar sempre como um complemento. Todos os corpos de bombeiros, mesmo as associações humanitárias que são as detentoras dos corpos de bombeiros, têm uma componente profissional com as Equipas de Intervenção Permanente.


“Pelos riscos que correm os bombeiros são mal pagos”


Sai mais barato ao Estado ter associações de bombeiros e por isso é que se diz tão bem da existência deste tipo de corporações?


Sim, sai mais barato ao Estado. Não há modelos perfeitos mas talvez o modelo francês seja o mais justo e quase perfeito, onde o próprio voluntário é pago com base naquilo que ganha no seu trabalho.


É fácil recrutar bombeiros voluntários?


Não é fácil. Temos cada vez menos bombeiros voluntários. As pessoas estão cada vez menos disponíveis para trabalhar sem ser pago porque está a dar o seu tempo e é difícil não ser remunerado.


Os bombeiros são mal pagos?


Para o risco que correm todos os dias são mal pagos.


Como se pode resolver isso?


Tem que ser um trabalho diário e que demora anos. A questão da profissionalização foi feita. Criámos mais de 700 Equipas de Intervenção Permanente. Isto é profissionalizar. O Estado paga 50% e os municípios pagam 50%. Acho que os bombeiros deveriam ganhar mais para aquilo que fazem.


Ainda faz sentido haver voluntários que vão aos bombeiros de vez em quando e não têm a mesma preparação dos que estão lá em permanência?


É raro isso acontecer actualmente. Os profissionais têm mais experiência porque fazem o trabalho todos os dias e o voluntário aparece quando tem tempo, mas cada vez acontece menos. Ou as pessoas têm mais disponibilidade para estarem mais presentes e para acompanharem ou acabam por perder o comboio do que está definido e alinhavado no dia-a-dia. Já não se pode ser bombeiro como acontecia há 60 anos. Temos um lema que é “Bombeiro que não sabe não salva”. Esta é a realidade. A formação é praticamente igual para todos os bombeiros.


Cada vez se exige bombeiros e comandantes com habilitações superiores. Até que ponto deixa de contar a experiência?


A experiência é extremamente importante, mas a escolaridade também é fundamental hoje em dia. O saber inglês, por exemplo, é muito importante porque muitas vezes temos que ir ao estrangeiro e outras vezes vêm cá bombeiros estrangeiros. A língua comum é sempre o inglês. Até em informática é preciso saber o mínimo. Além da experiência tem que haver habilitações. Não podemos é ter bombeiros com a escolaridade toda e sem experiência, isso é manter o mesmo problema.


“É muito complicado percebermos a nossa impotência para ajudar”


David Lobato nasceu a 18 de Janeiro de 1973 em Alcoentre, concelho de Azambuja. O pai era bombeiro nos Voluntários de Alcoentre e em criança ia muitas vezes para o quartel. Foi, por isso, com naturalidade que ingressou nos Bombeiros Voluntários de Alcoentre com 14 anos. “Já nasci com o bichinho dos bombeiros e sempre quis ajudar as pessoas”, confessa.


Em 1994 concorreu para um lugar na corporação dos Bombeiros Municipais do Cartaxo e ficou. Foi subindo de categoria e em 2006 chegou a segundo comandante. Em 2013, quando o anterior comandante dos Municipais do Cartaxo, Mário Silvestre, saiu para a Autoridade Nacional de Protecção Civil, David Lobato assumiu o comando, cargo que ocupou a partir de 2013. Foi comandante distrital operacional de Santarém e em Janeiro do ano passado assumiu o cargo de comandante Sub-Regional de Emergência e da Protecção Civil do Médio Tejo. Vive no Cartaxo desde 2004. É casado e tem um filho mas o jovem não parece interessado em seguir as pisadas do pai.


David Lobato conta que não faltam memórias de socorros mais complicados mas aqueles que envolvem crianças são sempre os mais marcantes. “Aos 25 anos fui a um acidente na auto-estrada que envolveu duas crianças. Uma faleceu no local, a outra foi transportada mas acabou por falecer apesar de todos os esforços que fizemos para salvá-la. Ainda hoje me lembro da sua cara e do acidente. Depois há sempre a aflição com os incêndios quando vemos as pessoas, desesperadas, a pedirem ajuda e nós sabemos que naquele momento não temos meios para combater o fogo e percebemos que a casa vai ser afectada. É muito complicado percebermos a nossa impotência para ajudar”, admite, acrescentando que já passou por muitos apertos como ficar encurralado pelo fogo.


Admite que as situações mais delicadas a que acorrem deixam marcas invisíveis e todos os bombeiros deveriam ter apoio psicológico, mas a maioria não quer. David Lobato diz que também nunca recorreu a esse tipo de ajuda mas tem consciência que, em alguns momentos, o devia ter feito. A família continua a reclamar das ausências e das muitas noites e fins-de-semana a trabalhar mas admite que vai continuar a ser assim até se reformar.


O Mirante

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