Podia-se ter evitado? Podia, e todos nós o sabemos. Por isso, fica por perceber qual a razão pela qual aqueles a quem cabia evitá-lo não o fizeram. A comunicação social e, por essa via, o país assistiu incrédulo e horrorizada às de filas de ambulâncias à porta de muitos hospitais.
As consequências disso todos as conhecemos, com as ambulâncias horas a fio com os doentes no seu interior nas condições que só os próprios bombeiros vão tentando atenuar nos primeiros dias, ambulâncias e respetivas tripulações tão necessárias para acorrer a outros pedidos de socorro imobilizadas, urgências dos hospitais sem conseguirem dar vazão a isso, macas retidas nas urgências e, mais uma vez, outras ambulâncias retidas à espera da sua libertação. Até aqui nada de novo e, por isso, a estranheza da falta de reação imediata por parte do Ministério da Saúde a este caos.
Esta é uma situação de fato, comprovada por todos através dos écrans das televisões e das imagens que inundaram as redes sociais, mas a que quem de direito reagiu tarde, e sem qualquer desculpa.
Não se poderia ter previsto, planeado pelo menos para que quando a situação começou a assumir graves proporções se tivesse podido atalhar? Sem sombra de dúvida que sim. Então qual a razão por que não se fez?
Aguardemos pela resposta que forçosamente tem que ser prestada aos portugueses, em primeiro e, depois aos próprios bombeiros. No meio da desorientação, que percebemos, mas não aceitamos, houve até quem tivesse tentado desculpar a situação, que não percebemos, e também nem aceitamos de todo, com o topete de passar as culpas para os bombeiros, quais “baratas tontas” que chegam com os doentes ao seu arbítrio e causam então o caos.
Tratou-se de alguém com enorme responsabilidade a quem ficou muito mal ser injusto, ser mentiroso na tentativa vã de passar as culpas e salvar o coiro e, por outro lado, muita falta de coragem para chamar à pedra a sua própria tutela.
Mas a realidade, por si só, não só veio demonstrar que os bombeiros, e os doentes que transportavam, eram apenas vítimas da situação, como ainda permitiu abrir o véu e, apesar das enormes resistências do próprio sistema, perceber o que estava a correr mal, pura e clara demonstração de falta de articulação e estratégia de gestão do SIEM, dos hospitais e, como se veio a seguir a verificar, dos centros de saúde.
Ficou então claro que os bombeiros não estavam ali por vontade própria à porta dos hospitais horas a perder de vista, logo, não eram masoquistas, mas apenas cumpriam orientações que haviam recebido, ora dos CODU/INEM ou de hospitais regionais. Situações que, em qualquer dos casos podiam e deviam ser articuladas com o hospital de destino, mas não foram.
Passados dias, que foram anos, para os doentes e bombeiros, e perante a incredulidade dos próprios portugueses foi inventada então uma pré-triagem do INEM à porta dos hospitais. Pergunta-se naturalmente qual a razão porque os doentes foram orientados por um qualquer CODU para o hospital para depois serem novamente orientados à porta do hospital. Solução que até terá surtido efeito, mas que deixa claramente em frangalhos todas as razões e estruturas que conduziram ao caos que assistimos.
Todos sabemos à exaustão que estamos perante uma pandemia de proporções inimagináveis, perante uma vaga que, pelos vistos, foi desvalorizada no seu início e com acidentes lamentáveis pelo meio, veja-se o que se passou no período natalício e, em especial, na semana imediata, um número trágico de óbitos e doentes, e falta de recursos humanos a somar à exaustão que trespassa todos eles.
Perante tudo isso, contudo, era suposto termos estruturas que deveriam estar à altura da prevenção, planeamento, estratégia e articulação.
Não está causa, nem nunca poderá estar, o esforço desumano, incrível de todos aqueles que têm lutado, nos mais diversos sectores, contra pandemia, desde médicos, enfermeiros, auxiliares e outros técnicos de saúde, bombeiros, forças de segurança, companheiros do INEM e da Cruz Vermelha. A todos eles há que dizer um grande obrigado e reiterar que os portugueses lhes devem um enorme respeito e admiração.
O nosso motivo de queixa é para com as estruturas que deviam estar à altura e não estiveram, podiam ter planeado, e se o fizeram nada passou do papel, um Serviço Nacional de Saúde que não pode continuar a ser um gigante de pés de barro, por demissão de alguns, individualismo de outros e egoísmos de muitos. Para não falhar nas reservas ou complexos ideológicos que têm ficado demonstrados à saciedade para com as estruturas hospitalares privadas e sociais.
Primeiro, antes de tudo, temos que dar luta sem tréguas a esta pandemia. Depois, sem reservas nem rebuço, importa fazer balanços e chamar os bois pelos nomes. Para os bombeiros os portugueses valem muito. Muito que quer dizer tudo o que seja possível para os apoiar e socorrer. E assim continuará a ser para sempre. Por isso, não desarmarão enquanto não virem que os outros também assim pensam e praticam.
Rui Rama da Silva
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