Fogo Controlado, a Estratégia da Montis para Promover a Biodiversidade - VIDA DE BOMBEIRO

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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Fogo Controlado, a Estratégia da Montis para Promover a Biodiversidade

 


O silêncio é absoluto no cimo do Parque Florestal do Pisão, em São Pedro do Sul. Vemos apenas vegetação rasteira e alguns relevos enrugados que travam a soberania giestal. Para onde quer que olhemos, o horizonte devolve-nos a natureza, na sua forma mais crua. Digamos que é um relevo agreste, daqueles que nos faz ofegantes só de olhar (e de subir também). Falamos de um terreno baldio com 100 hectares, geridos pela Montis - Associação para a Gestão e Conservação da Natureza. Desta vez, o objetivo é queimar uma parcela de 20 hectares para “aumentar o valor de biodiversidade” e potenciar o crescimento de novas árvores. 


Foi preciso esperar quatro anos até queimar novamente, escolher as condições meteorológicas mais favoráveis, delimitar a parcela, a vegetação a condizer e… técnicos de fogo controlado certificados, acompanhados pelos Bombeiros de São Pedro do Sul e de Aveiro. Dividiram-se em duas equipas e estabeleceu-se que “os pontos de ignição vão ser de cima para baixo, contra o vento” até porque “inicia-se sempre o fogo contra declive para ter a menor intensidade possível e o menor impacto possível, seja na vegetação, seja no solo”, explica Marco Ribeiro, técnico de fogo controlado, frisando que é importante a constante adaptação às condições que vão surgindo.  


O briefing (reunião) terminou e o frio teimava em resistir ao sol que iluminava a parcela que iria ser queimada. Na verdade, Marco Ribeira diz que “o gelo e as geadas acabam por ajudar a retirar humidade aos combustíveis “, algo que diminui a intensidade do fogo e evita “algum tipo de projeção para fora da parcela”. Ainda assim, “não vamos provocar qualquer tipo de dano negativo na vegetação e na parcela, no que é pretendido que fique”, refere técnico. 


Eram 11h03 e a natureza começava a fumegar, revestindo-se de tons acinzentados: mais uma vez é a mão do homem a dar uma ajuda ao baldio de Carvalhais, a maior propriedade que a Montis gere. E depois? É um jogo de espera até ao final do dia. 


Enquanto isso, conversávamos com Henrique Santos, um dos fundadores da Montis. Já lhe conhece bem os valores e frisa que “não estamos à procura das propriedades que têm as melhores condições ou mais biodiversidade, estamos à procura daquilo que não tem solução”. 


Existem territórios abandonados, como é o caso do baldio de Carvalhais, que têm uma “acumulação enorme de combustíveis e, portanto, irá arder mais ano menos ano”, diz, garantindo que “o que fazemos é procurar alterar essa história, usando os elementos naturais, incluindo o fogo”. 


Apesar de não atuarem na prevenção de incêndios, acabam por juntar o útil ao agradável. “Isto é gestão de habitat e de processos ecológicos e a razão pela qual começámos com esta parcela foi exatamente porque íamos fazer gestão de combustíveis e mais valia começar por uma que estivesse no lado nascente - a maior parte dos fogos, normalmente, vem desse lado – e poderia ser mais interessante do ponto de vista de prevenção de incêndios”, sublinha o fundador e antigo presidente. 


Na prática, o que se vai queimar são “os combustíveis mais finos”, aqueles que comandam um incêndio, e o resto fica. A vegetação começa a rebentar e, “daqui a um ou dois anos”, a cobertura do solo já é considerável. 


Queimam de quatro em quatro anos. “No intervalo entre os fogos, fazemos a gestão do território”, assinala o fundador, sublinhando que “queimamos para abrir oportunidades de gestão do território”. Contenção do solo, obstáculos para acumulação do solo, humidade e fertilidade e algumas sementeiras são as tarefas da Montis, na gestão de uma propriedade. 


Contudo, não se faz muita plantação até “porque são caras, é uma terra madrasta e os javalis vão arrancando”, explica. “Mas, fazemos sobretudo sementeira direita – bolotas – e engenharia natural, no sentido de fazer a retenção de sedimentos e água. Isso fazemos mais, pomos uns gabiões nas zonas mais baixas para criar fertilidade”, enumera Henrique, admitindo que a intervenção da Montis “é sempre o mais barata possível, mas o mais estratégica possível para alterar o curso da evolução”.


Também estivemos à conversa com Pedro Oliveira, atual presidente da associação. É a primeira vez que assiste a um fogo controlado, no baldio de Carvalhais. Não esquece que a Montis gere mais propriedades, nomeadamente, em Pampilhosa da Serra. Mas, também um terreno próprio, em Vermilhas, “que ardeu durantes os incêndios de 2017 e estamos a fazer a condução dos carvalhos”, refere o presidente, acrescentando que também gerem terrenos particulares “através de um protocolo de dez anos”. 


A gerir cerca de 178 hectares, a Montis quer continuar a queimar para reflorescer a natureza e, sobretudo, gerir territórios marginais que sofrem um profundo processo de abandono. 


Fonte: Jornal do Centro

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