Certo dia o meu filho com apenas 9 anos sem que nada o fizesse prever chegou junto a mim e perguntou:
-Pai, o que fazes enquanto Bombeiro?
Ao que respondo: -Filho, tento sobreviver.
Dia após dia, momento a momento, ingressei no meu corpo de bombeiros para realizar o sonho que qualquer criança tem, sem sequer ter noção do que ia enfrentar: Ser Bombeiro!!!
Crianças e bombeiros são o par perfeito. Passei dias a estudar, a aprender como combater o fogo e a utilizar a Ôgua. A escola de ingresso...ah! Que saudades dessa escola!
Sobrevivi.
ConstituĆ famĆlia, filhos, forƧa, fĆ©, coragem, amor, tudo a seu tempo; sincronizado, disciplinado e muitas vezes fui taxado de frio e calculista.
Não me entendiam e também não entendiam que a profissão me tornava assim, e que não era um defeito, e sim uma protecção.
Os anos foram passando rapidamente e com eles as histórias, muitas noites sem dormir, o calor do fogo por entre as Ôrvores avançando de encontro à viatura, a força mansa da Ôgua envolvendo a habitação tomada pelas chamas, o choro inconsolÔvel da perda de uma história, uma biografia, e uma vida acabada em minutos.
No entanto hĆ” o reconhecimento, hĆ” o aceno das crianƧas em frente Ć s escolas, as palmas após um salvamento, e atĆ© mesmo as vĆtimas que apertam forte as minhas mĆ£os durante o transporte, como se eu fosse o seu melhor amigo, sendo que eu acabava de a conhecer Ć poucos minutos atrĆ”s.
E o orgulho dos meus filhos dizendo aos amigos: - O meu pai Ʃ bombeiro... E os gritos das crianƧas!!! Liga a sirene bombeiro!!!
Numa noite de lua cheia, com o vento a bater no meu rosto, enquanto nos deslocĆ”vamos para um acidente, percebia a expressĆ£o de alĆvio quando nos viram chegar, eram muitos os obrigados e muitas as lĆ”grimas ao entrar na ambulĆ¢ncia.
O silêncio impotente da perda, quando o nosso mÔximo não surtiu efeito, mesmo sabendo que não somos deuses.
A vibração da equipa quando ligamos para o hospital e ouvimos a frase: - Ela vai ficar boa.
E perante tudo isto eu respondo, Sobrevivi.
A cada experiência sem notar que estes momentos são inéditos e que isto é ser Bombeiro.
A luta contra as alturas, abraçando um homem que caiu num poço, em que estando este jÔ sem vida, eu sentia a corda a puxar-me em direcção ao exterior como se fosse a mão de Deus, e eu naquela hora somente tinha uma certeza: - "Não te largarei."
O frio indescritĆvel e congelante nas noites de Inverno, que mais parece que corta a pele e enrijece os membros mansamente. Os colegas que se foram, deixando as suas famĆlias Ć sua espera, mas nĆ£o voltaram ao quartel.
- E o meu filho pergunta novamente; - E tu que fizeste pai?
-Filho, tentei sobreviver e Sobrevivi.
Dia após dia, com as glórias e as decepções, com as palmas e as lÔgrimas, fui pai, marido, amigo, bombeiro.
Muitos me chamaram e me chamam de Anjo, mas não sou Anjo, Sou Bombeiro.
Jamais vou esquecer as pessoas que me dizem; “Obrigado”, do choro de alĆvio, da sirene que anuncia a nossa chegada…
E o sorriso puro e inocente das crianƧas, estes sim sĆ£o inesquecĆveis.
Perante tudo isto só posso dizer:
SOBREVIVI…
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