Os Bombeiros de Ontem e os Bombeiros de Hoje - VIDA DE BOMBEIRO

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quarta-feira, 15 de julho de 2020

Os Bombeiros de Ontem e os Bombeiros de Hoje


30 anos separam as fotos acima, tinha 14 anos, decorria o inĂ­cio do ano de 1982 quando em conjunto com um grupo de amigos decidimos nos inscrever nas fileiras do corpo de bombeiros, fruto de um grave incĂªndio decorrido na serra de Sintra no ano anterior, que nos despoletou o bichinho de podermos ser mais Ăºteis para a sociedade. Foi entĂ£o que ganhĂ¡mos coragem e fomos ao corpo de bombeiros (Almoçageme) e enfrentĂ¡mos o entĂ£o Sr. Cmdt JosĂ© Alberto Caetano, cuja reputaĂ§Ă£o de um grande bombeiro e de uma grande disciplina o caraterizava, mas lĂ¡ estĂ¡vamos frente a frente.

Pensam que foi fĂ¡cil? Pensam que nos aceitou logo? NĂ£o! Nada disso, conversou connosco fazendo-nos ver que Ă©ramos novos, que os bombeiros iriam exigir muito tempo, instruções todas as semanas, piquetes ao quartel e por aĂ­ fora, e que era melhor pensarmos bem porque depois como jovens quererĂ­amos usufruir da nossa juventude fazendo o que todos os jovens fazem e como bombeiros iriamos estar limitados e que prevenindo de alguma forma para nĂ£o faltarmos ao exigido pelo corpo de bombeiros que era melhor pensarmos na nossa decisĂ£o. EntĂ£o lĂ¡ fomos, mas na semana seguinte lĂ¡ estĂ¡vamos novamente porque a vontade de sermos bombeiros estava lĂ¡. Mais uma vez, o mesmo discurso, mas aqui deram-nos os regulamentos dos bombeiros Ă  altura para lermos, para que nĂ£o houvesse dĂºvidas da missĂ£o do corpo de bombeiros, direitos e deveres, punições, etc.. Isto durou cerca de um mĂªs, e sĂ³ aqui depois de perceber a nossa insistĂªncia e que realmente estĂ¡vamos dispostos a integrar o corpo de bombeiros Ă© que o Sr. Cmdt nos aceitou e mandou nos inscrever como bombeiros.

EntĂ£o lĂ¡ nos levaram Ă  seĂ§Ă£o de fardamentos, e o que nos deram foi exatamente isto: um capacete antigo, igual aos utilizados nos desfiles de hoje, um fato de macaco, um cinto de cabedal, e nĂ£o nĂ£o era o cinturĂ£o de argolas, um bivaque jĂ¡ bastante usado, umas calças de cotim, uma camisa verde, um blusĂ£o de pano e um par de botins. Era motivador nas formaturas ver os nossos camaradas com camisinha azul, calça azul, capacete tipo americano, cinturĂ£o de argolas e por aĂ­ fora, e nĂ³s com a farda “verde”. NĂ³s tambĂ©m querĂ­amos ser assim, ter aquela farda bonita e sermos como aqueles bombeiros com anos de experiĂªncia, quer nos enriqueceram com o seu saber e com a disciplina. Nos meses que nos seguiram cumprimos com toda a instruĂ§Ă£o, fizemos cursos bĂ¡sicos de socorrismo, na altura pela CVP, e sĂ³ depois de alguns meses começamos a integrar as escalas de serviço ao quartel, e para incĂªndios entĂ£o esqueçam lĂ¡ isso. Nunca o nosso Cmdt permitiu que fossemos para um incĂªndio enquanto nĂ£o achou que estĂ¡vamos prontos, tanto que me lembro do meu primeiro incĂªndio, na serra de Sintra na zona do Rio da Mula, fui num “auto-tanque” para abastecimento. E mesmo depois de passarmos a bombeiros de 3ª, de termos alcançado um patamar onde conseguimos a farda tĂ£o desejada, mesmo para saĂ­das para incĂªndio sĂ³ Ă­amos desde que houvesse lugar, os mais velhos estavam primeiro, nem era preciso pedirem, nĂ³s saĂ­mos para lhes dar lugar.

Antigamente havia motivaĂ§Ă£o para alcançarmos algo, hoje quando alguĂ©m quer ser bombeiro, nĂ£o se questiona nada, aceita-se na hora, nĂ£o sabem sequer quais sĂ£o as leis aplicĂ¡veis, em que parece saberem sĂ³ terem direitos e que os deveres ficaram fechados numa qualquer gaveta, Ă©-lhes dado todos os uniformes, mesmo que ainda estejam em instruĂ§Ă£o Ă© mais fĂ¡cil coloca-los numa formatura passando por bombeiro, quando efetivamente nĂ£o o Ă©; aquilo que era o amor e devoĂ§Ă£o Ă¡ causa de servir foi substituĂ­do pelo interesse prĂ³prio de se servirem; o respeito pelos mais velhos perdeu-se, a disciplina parece que desertou dos corpos de bombeiros.

Os bombeiros como qualquer outra força tĂªm a necessidade de evoluir e nestes Ăºltimos anos tem sido notĂ³ria a evoluĂ§Ă£o, mas a par com isto tambĂ©m tem evoluĂ­do outras coisas menos boas, como se fecharem em quatro paredes, serem quase um feudo de algumas pessoas que mais parecem ditaduras que outras coisas.

Noutros casos a evoluĂ§Ă£o Ă© sĂ³ para o que convĂ©m a algumas pessoas, mas esquecem-se que os bombeiros de hoje sĂ£o pessoas bem informadas, bem formadas profissionalmente e academicamente e que nĂ£o sĂ£o os bombeiros de hĂ¡ 20 anos atrĂ¡s.

Olhando para trĂ¡s, sinto uma tristeza enorme das qualidades que os bombeiros tĂªm perdido ao longo dos anos, e que mais vĂ£o perder por culpa de pessoas com responsabilidades que que sĂ£o coniventes com um sistema que urge mudar radicalmente sob pena de começarmos a ver extinĂ§Ă£o de AHB/CB, algumas centenĂ¡rias, com uma histĂ³ria e cultura riquĂ­ssima.

Termino como comecei, ano 2012, por questões pessoais e profissionais decidi abandonar o ativo e passar ao quadro de honra.

JĂ¡ desabei um bocado, e espero sinceramente que um dia veja mudanças profundas e boas para os corpos de bombeiros.

Um bem hajam a todos os bombeiros e lembrem-se sempre: “segurança acima de tudo, quando facilitamos o acidente acontece e a fatura por vezes Ă© pesada demais”

Vitor Matos

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