Esses Gajos dos Helicópteros - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Esses Gajos dos Helicópteros


“Epah”, dizia, “não é bem assim”. Faz uns dias foi assim que respondi a um colega. Estávamos os dois no cockpit, algures sobre Espanha a trinta e sete mil pés, e falávamos de um traço muitas vezes associado ao povo português: a mesquinhez. Eu, de forma algo ingénua, ainda acreditava que aquilo seria uma reputação injusta. 

 Os últimos dias provaram-me (mais uma vez)  errado. Viver e aprender, como dizem os norte-americanos. Somos mesquinhos. E não é pouco. 

 Após o recente falecimento de um piloto de combate a incêndios no norte do país, e pelo facto de o mesmo ser oficial piloto da Força Aérea, multiplicaram-se os comentários, manchetes e notícias sobre como pilotos militares participavam no combate a incêndios pondo em causa a sua legitimidade. “Militares tiram férias para ganhar milhares a apagar incêndios” foi, a título de exemplo, uma das manchetes publicada num jornal nacional. Às vezes, a forma como se escreve diz mais que o seu conteúdo. 

Vamos lá esclarecer uma coisa: devemos ser o único país onde alguém nas suas férias decide trabalhar, em detrimento do seu descanso, em prol dos seus compatriotas e isso é visto como negativo.

Mas qual é o problema? 

Porque é militar? Estava devidamente autorizado (como estavam todos) pela chefia máxima desse ramo militar, cumprindo todos os parâmetros exigidos pela lei e pela instituição militar. 

Porque existem pilotos civis? A falta de pilotos de helicópteros com os requisitos mínimos para combate a incêndios, e disponíveis a fazê-lo, é tão significativa que obriga a “importar” pilotos estrangeiros, como é exemplo os elementos de nacionalidade espanhola e brasileira que neste momento voam em Portugal. 

Porque é remunerado? Voar um helicóptero, com um balde cheio de água em carga suspensa, durante dez horas diárias num dos ambientes mais hostis em termos aeronáuticos, com orografia do terreno acidentada, obstáculos artificiais como postes de alta tensão, e turbulência extrema causada pelo incêndio é digno de quê? Uma palmada nas costas e um copo de água? Um “gosto” no Facebook? Uma corrente de amizade online? E, já agora convém lembrar, numa função que representa a defesa do património de todos os portugueses. 

Confesso… às vezes não compreendo o que se passa na mente colectiva de quem habita este pequeno país. A Força Aérea Portuguesa não é um a prisão. Os seus militares – e neste caso concreto os seus pilotos – são elementos altamente treinados, profissionais e com valências distintas. Mas têm vidas para além da tropa. Têm famílias. Têm férias como todos nós. E sim, a sua formação é paga pelo erário público, tal como qualquer elemento da função pública ou formado pelo estado. Vamos portanto, pela mesma ordem de ideias, proibir os médicos formados em faculdades públicas portuguesas de exercer no privado? Vamos impedir um funcionário das finanças de abrir o seu negócio? Vamos impedir um bombeiro sapador de, nas suas férias, trabalhar como vigilante florestal para uma entidade privada? Vamos impedir um agente da PSP de ter um part-time se ele quiser providenciar melhores condições financeiras para a sua família? 

Que diferença esta… da nossa mentalidade latina para a mentalidade anglo-saxónica onde ter vários empregos, onde trabalhar mais para “subir na vida”, é visto com admiração. E não com o escárnio e mal dizer que caracteriza a nossa reacção.

E faço aqui a minha declaração de interesses: fui piloto da Força Aérea. Fui piloto de helicópteros. Não fui piloto de combate a incêndios. E só tenho a agradecer a todos aqueles que todos os dias entram num helicóptero ou avião para combater um incêndio no meu país. E é justo o que ganham para o fazer? Claro que não. Deveriam ganhar o triplo.  

O Oficial Piloto Aviador que perdeu a vida foi Socorrista. Era Bombeiro. Era Piloto de Busca e Salvamento. Era Piloto de Combate a Incêndios. Porra, até os dois cães que tinha foram treinados pelo próprio, no seu tempo livre, para serem cães de busca e salvamento. Dedicou, literalmente, toda a sua existência à salvaguarda da vida dos seus compatriotas. 

 Merecia mais de nós. 

 Muito mais.



www.merlin37.com/gajoshelis

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