O que é que um Bombeiro tem a ver com o Dia da Mulher? - VIDA DE BOMBEIRO

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quinta-feira, 7 de março de 2019

O que é que um Bombeiro tem a ver com o Dia da Mulher?


O Nuno é bombeiro e todos nós gostamos de bombeiros, admiramos os bombeiros e, sobretudo devido a desgraças várias nos tempos mais recentes, sentimos (sabemos) que estamos em dívida para com eles.

O Nuno é bombeiro desde 1998, e dedicou 16 anos da sua vida a uma vocação que descobriu muito cedo, numa instituição que tem a palavra humanitária no nome. Mais do que humanitária, porém, parece ser humana e, como tal, sujeita a toda a sorte de intrigas, tricas, implicâncias, acertos de contas, simpatias, antipatias, boicotes e facadinhas de que, pelo menos desde que há registo escrito, sabemos que é (também) composta a nossa espécie.

O Nuno também é humano. E bombeiro, já o tinha dito? Ao longo de 16 anos o Nuno saiu de casa e ajudou pessoas, das mais diversas formas, normalmente conduzindo transportes de emergência, ao serviço do INEM. Eu já precisei do INEM, espero que vocês, que me lêem, não.

Mas, se precisaram ou precisarem, espero que tenham a mesma sorte que eu, a de encontrar gente como o Nuno, que sabe que estar ali, disponível, empenhada, inteira, é muito mais do que o seu trabalho, embora seja efectivamente o seu trabalho. Ou melhor, no caso do Nuno, era o seu trabalho. Agora é só o que ele é, porque isso ninguém lhe pode tirar.

O Nuno, que é humano e bombeiro e, já agora, um pai recente e presente, foi despedido. Uma confusão (deliberada ou não) com a licença parental, o pedido de escusa do serviço de turnos e a contestação da escala para serviço voluntário ‘à força’, coisas que conjugadas, iam colocar este jovem pai a trabalhar 20 horas seguidas, descansando 4 para voltar a trabalhar mais oito, terão estado na origem deste desfecho.

E aqui, caros leitores, é onde esta história se cruza com o Dia da Mulher. Porque parte da luta que ainda hoje se justifica é precisamente pela parentalidade consciente, presente e partilhada entre pai e mãe, pai e pai, mãe e mãe, genitor 1 ou 2 ou o que lhe queiram chamar.

Longa vida às mães e pais solteiros, mas no caso dos casais a luta é pelos direitos de ambos a acompanharem os filhos, tanto pelo valor emocional que isso tem para todos os envolvidos, crianças incluídas e à cabeça, como para que nenhum dos pais seja ‘sobrecarregado’ com as tarefas e o tempo que os seres humanos pequeninos exigem.

SE INSTITUIÇÕES QUE TÊM HUMANITÁRIA NO NOME AINDA CONSIDERAM MERECEDOR DE RETALIAÇÃO QUE UM TRABALHADOR QUEIRA CONCILIAR SERVIÇO E FAMÍLIA, EVITANDO TURNOS SEGUIDOS, POR EXEMPLO, ESTAMOS MAL E O CAMINHO QUE FALTA FAZER É MAIOR DO QUE EU IMAGINAVA. PORQUE SE O NUNO ESTÁ A FAZER 20 HORAS SEGUIDAS, NÃO ESTÁ COM O FILHO, A MULHER NÃO DESCANSA E A FAMÍLIA É ADIADA. É ISTO.

O Nuno, que além de tudo é meu amigo, mostrou-me papéis, correspondência, explicou-me as estações desta via aparentemente pouco sacra que conduziu ao seu despedimento, à sua saída de um trabalho que, eu garanto, sempre acarinhou.

A história é complexa e está entregue aos advogados e aos tribunais, que é onde estas questões devem, tanto quanto possível e sempre que não possam ser evitadas, ser resolvidas.

Não tive acesso ao processo e, ainda que o tivesse, não estaria habilitada a compreendê-lo na sua necessária complexidade.

Também – admito – não fiz o chamado contraditório. Por isso mesmo opto por não revelar nem o sobrenome do Nuno nem o nome da instituição. Porque mais do que o caso concreto, me perturba a situação em abstrato. Estamos ainda neste ponto do caminho? Tão atrás?

CLARO QUE CONFIO NOS TRIBUNAIS. MAS É UM BOCADINHO COMO AS VACINAS: CONFIO NELAS POR PRINCÍPIO, NÃO SIGNIFICA QUE ME SINTA PROTEGIDA A 100% OU QUE ME VÁ EXPOR AO TÉTANO VOLUNTARIAMENTE.

O PROBLEMA, RESUMINDO, É QUE MUITAS VEZES, DEMASIADAS, UMA COISA É A JUSTIÇA, ENQUANTO VALOR, E OUTRA É O DIREITO, ENQUANTO SISTEMA DE CONCEITOS OPERACIONAIS, ONDE HÁ, TANTAS VEZES, QUESTÕES TÉCNICAS QUE OBSTACULIZAM A CONCRETIZAÇÃO DO QUE SERIA JUSTO.

Espero que este não venha a ser um destes casos, porque não quero acreditar que, para se ser bombeiro, seja necessário sacrificar a família mais do que com o óbvio sofrimento de verem os seus a correr riscos em serviço.

Às vezes – e acredito que serão cada vez mais – a luta pela igualdade também é feita no masculino. Boa sorte, Nuno.

Andreia Gouveia, conselheira de comunicação, escreve às quintas no LUX24

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