Portugal Não Arde por Acaso... - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Portugal Não Arde por Acaso...


Como sempre, em plena época de incêndios e quando estes são mais intensos e causam mais prejuízos, surgem de todo o lado as mais diversas razões e soluções para os evitar.

É a justiça que não prende incendiários, mas a verdade é que, apesar de em Portugal 98% das ignições terem origem humana, apenas 20% são de origem criminosa (as restantes são por negligência ou acidente); são os meios de combate que são escassos, mesmo quando o investimento é reforçado; são os utentes do rendimento mínimo que não combatem o fogo, quando isso seria suicida porque não têm formação, apesar de alguns já ajudarem na limpeza; ou, ainda, são os bombeiros que deviam ser todos profissionais a tempo inteiro.

Importa, por isso, desfazer mitos e apontar o dedo à realidade.Apesar de termos cerca de 20 mil ignições por ano, o problema são mesmo os grandes fogos quando ocorrem ao mesmo tempo e sobretudo quando se juntam.

Não há capacidade instalada para acorrer a 15 fogos grandes ao mesmo tempo. Nem pode haver. Por isso, a resposta deve ser outra.Em primeiro lugar, Portugal faz parte de uma das três regiões do mundo - o Mediterrâneo, Califórnia e a Austrália - em que o tempo quente do verão está associado a uma humidade muito reduzida. Parece gasolina.

Em segundo lugar, o êxodo rural que se verificou em todo o interior acentuou, e de que maneira, o abandono das terras, do cultivo e a consequente desertificação do interior. A paisagem em determinadas regiões do País alterou-se significativamente e as hortas de cultivo foram, na sua grande maioria, substituídas por pinhal, eucalipto ou apenas por mato altamente inflamável.

A pastorícia acabou e os resineiros desapareceram. A floresta e a agricultura perderam a corrida para o litoral e os serviços.As zonas mais afetadas pelos fogos nas décadas de 80 e 90 - como a Beira Baixa - foram as que conheceram primeiro o abandono do interior. As zonas recentemente afetadas pelos fogos, são precisamente aquelas que conheceram o abandono das terras mais tarde.

Ou seja, a mancha de incêndios alastra-se e percorre a linha do êxodo rural.Pese embora o investimento em equipamentos ter vindo a aumentar nos últimos anos, só esporadicamente os fogos e as suas consequências têm diminuído.

É a estratégia que está errada? Goste-se mais desta ou daquela política de combate a incêndios, esta batalha só se vence pela prevenção, não pelo combate. Não há milagres enquanto não houver um outro esforço de gestão florestal e de cuidado da floresta. O mais urgente é fazer cumprir as leis existentes, nomeadamente a Lei de Bases do Ordenamento Florestal, aprovada por unanimidade na AR, em 1997, e que, até hoje, ninguém fez respeitar.

"Em Portugal não falta legislação, mas falta aplicação".

Hoje, os incêndios já não se combatem apenas com água, agulhetas ou helicópteros. Este combate, quando bem feito, articula meios dos bombeiros, com máquinas de lagartas das autarquias e o fogo tático. Só uma eficaz política de prevenção e combate, articulada entre autarquias, proteção civil, bombeiros e associações de produtores florestais, permite obter melhores resultados.

Outro argumento recorrente é o da necessidade de profissionalização dos bombeiros. Discordo. As melhores corporações que conheço são de bombeiros voluntários que dedicam o seu verão a ajudar o próximo, dando literalmente a vida-pela-vida para salvar a coisa alheia.

É necessário um corpo permanente profissionalizado de pequena dimensão em cada corporação, como aliás já vai existindo, mas a força motriz dos bombeiros em Portugal são os voluntários, a quem deve ser assegurada formação, apoio e o devido reconhecimento aos mais diversos níveis.

Junto a habitações não pode haver mato nem floresta. É proibido, ilegal. A culpa é de todos nós, dos proprietários, de muitas autarquias e das autoridades que não cumprem ou não fazem cumprir a lei.

Por outro lado, o perigo no combate a incêndios aumentou, também, devido à mudança da paisagem florestal, pois hoje o fogo arde de forma mais rápida e violenta. Já não se limita à copa das árvores. Sendo as árvores mais baixas, porque são mais recentes há menos oxigénio e a vegetação é mais densa e continua, o que acarreta mais carga combustível, tornando o fogo mais imprevisível e perigoso para os bombeiros.

Em tempo de eleições autárquicas, aproveito para lembrar a necessidade do poder local ter planos adequados de prevenção e combate a incêndios. As faixas de contenção, a limpeza da floresta, as charcas e os pontos de acesso a água, os caminhos florestais e aceiros não dão votos como estátuas e rotundas mas evitam problemas e prejuízos mais sérios.

Estes incêndios são resultado de anos de políticas centralistas de sucessivos governos, do abandono do interior, da falta de investimento, de estratégias erradas de combate ao êxodo rural e da falta de uma verdadeira aposta na gestão florestal.

A melhor homenagem que podemos prestar aos bombeiros é sermos mais solidários, e isso significa termos mais cuidado na limpeza das matas, mais eficazes na gestão da floresta, não deitarmos lixo nos bosques, sermos mais empenhados na coordenação dos meios públicos, sermos autarcas e governantes mais empenhados, polícias e juízes mais eficazes.

Esta, sim, é a nossa Guerra. Obrigado, Bombeiros de Portugal.

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