O Fogo que se Levanta Tarde e se Mantém Acordado Noite Dentro - VIDA DE BOMBEIRO

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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Fogo que se Levanta Tarde e se Mantém Acordado Noite Dentro


A "anatomia" de um incêndio forma em si um exercício complexo de análise. Quando parece dormir, eis que tudo não passa de ilusão de ótica.

Ainda se fazia o balanço de uma noite em que a localidade de Fóia foi atingida pelas chamas quando, de repente, o alarido na pequena vila de Monchique faz antever aquilo que as pessoas já nem estranham: sirenes, carros a saírem "disparados" de onde, por estes dias, está montado o centro de comando da Proteção Civil, aparato policial e nuvens de fumo negro que aparecem no horizonte subitamente são sinónimo de mais um foco de incêndio.

Enquanto se fala nas esplanadas dos cafés sobre as causas e até as consequências deste fogo que já lavra há sete dias, fica no ar que toda a gente, uns mais outros menos, tem histórias para contar.

Ainda ninguém sabe para onde se dirigem todos os operacionais que respondem a mais uma emergência, mas já se desconfia que, pela direção do lastro negro no céu, é para os lados de Silves que as chamas desassossegam quem por lá vive.

"Até subiam paredes. Pareciam ninjas"

Marília assiste de forma impotente a todos estes acontecimentos e recorda que há menos de 24 horas foi a colina onde reside, de frente para a vila, que viveu momentos de muita ansiedade e medo. "Estava no meu apartamento à espera de um milagre, mas entretanto chegaram aqueles senhores vestidos de amarelo e até subiam paredes. Pareciam ninjas." Os "ninjas" a que se refere são a Força Especial de Bombeiros, criada em 2007, que é conhecida como "canarinhos", e foram eles que protegeram o perímetro da sua habitação.

Confirma-se. Segundo o comando da Proteção Civil, os ventos erráticos que se fazem sentir durante a tarde reativaram as chamas e as zonas mais preocupantes situam-se entre Silves e São Bartolomeu de Messines.

A sensivelmente 45 quilómetros de Monchique, é na localidade de Pedreira que a chegada do fogo, esta quarta-feira, gera grande apreensão. O ar torna-se quase irrespirável e o céu ganha uma tonalidade laranja, fazendo o dia virar quase noite.

Há já algumas pessoas a regar os telhados e as zonas envolventes às habitações e ainda há quem não se tenha apercebido de que o "pesadelo" tinha escolhido aquelas coordenadas como próximo destino. A operação de evacuação começa com os agentes da GNR a percorrer a pé cada casa, numa tentativa de perceber quais as condições de mobilidade de cada habitante, se têm carro próprio ou não e se possuem animais. Tudo feito sob grande pressão e à velocidade da luz.

Armínio, habitante de Pedreira desde que se lembra, vê-se obrigado a retirar, juntamente com a mulher e duas vizinhas, em direção a Portimão. "Temos que ir embora. Vem aí o fogo e, olhe, salvar a pele é o mais importante", exclama enquanto olha de relance para as chamas que já são visíveis em cima da colina. É também ali ao lado que um casal de ingleses, na casa dos 60 anos, arranca com o cão e os dois gatos na carrinha que já estava fora da garagem.

"Tive que os enganar para conseguir olhar por isto"

Um pouco mais abaixo, António tem uma máscara na cara, mas nem isso dá para esconder o jeito preocupado em que se encontra. Continua a defender a habitação dos pais e de dois tios e adianta que teve de arranjar forma de conseguir ficar. "Os agentes da autoridade vieram para tirar toda a gente e eu consegui fugir por uma estrada secundária. Tive que os enganar para conseguir olhar por isto."

Num ápice as labaredas que se observavam no alto da encosta descem antes que houvesse tempo para pensar porquê. Começa a arder em redor das casas e todo o esforço é válido para por cobro à força da mãe natureza. Com a ajuda de tratores com tanques de água, os habitantes que ficaram ajudam os bombeiros de todas as formas possíveis.

O lume propagou-se em redor das casas, toda a zona envolvente ardeu, mas todos os estragos foram materiais.

Ainda se olhava para toda aquela situação de forma incrédula, já Enxerim, uma localidade ali perto, estava em perigo. Com um vento inconstante, o fogo propaga-se também pelo ar. Mudou-se de lugar, no entanto a história e os contornos são os mesmos - mais uma zona evacuada, mais área ardida.

Antes de o sol se pôr, os bombeiros tinham a situação controlada, com a existência de pequenos focos nos concelhos de Silves e Monchique. Parecia que iria ser uma noite calma.

"Não tive qualquer dúvida que chegaria aqui"

Quando nada o fazia prever, a caminho de São Bartolomeu, já a noite ia longa na aldeia de Baralha, quando o caos se instalou. Uma pequena fagulha é o suficiente para dar origem a uma grande dor de cabeça e a noite seria tudo menos serena. As chamas avançaram e apenas os donos das casas estavam ali para proteger os seus bens.

Eduardo Alves, algarvio de nascença, trabalhou toda a vida em Alverca, mas agora, depois de reformado, é no campo que se sente bem. Foi ele quem deu o alerta pois os anos de experiência davam-lhe uma confirmação que para muitos não passava de dúvida: "Quando vi o fogo começar em Monchique, não tive qualquer dúvida que chegaria aqui. Só não sabia quando."

E ele chegou com a força que nunca se espera e que, depois de vista, jamais se esquece. Entre gritos, desespero e muita coragem, o auxílio - que foi demorado, segundo os habitantes - acabaria por chegar.

A Baralha conseguiu baralhar o fogo, dizendo-lhe que pode avançar, mas que terá sempre quem esteja disposto a tudo para lhe pôr termo.

Fonte: TSF

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