O Que Está a Ser Feito e o Que Ainda Falha Quanto aos Incêndios - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 26 de março de 2018

O Que Está a Ser Feito e o Que Ainda Falha Quanto aos Incêndios


Nem ministro, nem autarcas ou académicos garantem que os grandes fogos acabam em 2018.

Começamos com o que parece uma evidência para todos os que estudam esta área? Não existem soluções instantâneas que resolvam os problemas acumulados durante anos. A estratégia que agora começa a ser delineada na prevenção e no combate dos fogos florestais levará anos. Dito de outro modo: se espera que o País não arda em 2018 (e não haja incêndios de grande dimensão como os de Junho e Outubro), leia o artigo até ao fim. 

O que está já a ser feito?
A SÁBADO sabe que a Unidade de Missão, coordenada pelo engenheiro florestal Tiago Oliveira, definiu a prevenção (através, por exemplo, da sensibilização para a limpeza das áreas florestais) como um dos objectivos a alcançar em 2018. Mas o responsável deste organismo, que está a funcionar na Presidência do Conselho de Ministros, está consciente de que as medidas de curto prazo não bastam e que é necessário avançar também com a elaboração de uma estratégia de longo prazo, nomeadamente com a profissionalização dos dispositivos, a cooperação entre o público e o privado (com a promoção de investigação científica) ou a integração das políticas públicas – até agora dispersas – numa única entidade, a Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, promulgada na semana passada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas que só iniciará funções no próximo ano. 
E como fica o País até lá? Apesar de aplaudirem o que está a ser feito (mesmo com algumas reservas – já lá chegaremos), os especialistas ouvidos pela SÁBADO temem que os incêndios de grandes proporções voltem a assolar o País durante o Verão. E nem o ministro consegue admitir o contrário.

Autarquias ou Governo: quem é o responsável pela limpeza? 
Não há dúvidas de que muitos municípios estão atrasados. A lei é de 2006 – tem 12 anos. Entre 2011 e 2017, nota o relatório da comissão técnica independente sobre os incêndios de Junho do ano passado, os 11 concelhos então afectados só tinham executado 19% das faixas de gestão de combustível previstas. A monitorização por parte das entidades competentes (as comissões de defesa da floresta, os gabinetes técnicos florestais na escala municipal e o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta ao nível nacional) era também "praticamente nula" na data. De igual modo, em todos estes concelhos a limpeza em volta das habitações (50 m) e dos aglomerados (100 m) era baixa. Neste último caso, em três deles, reconhecia o relatório, nem fora executada. 

Das últimas declarações do MAI depreende-se que o Governo não quer entrar numa guerra de palavras com os municípios. A intenção, expressa várias vezes pelo ministro da Administração Interna e pelo primeiro-ministro, é que entidades e cidadãos se mobilizem para limpar os terrenos florestais e a área em torno das aldeias no Inverno e na Primavera: agora. 

Mas a Associação Nacional de Municípios distribuiu uma circular de seis páginas a todos os presidentes de câmara em que refere que "o Estado Central não pode alijar as suas responsabilidades, quando sabe que não estão reunidas as condições mínimas indispensáveis ao seu cumprimento". Um dos problemas enunciados no documento, a que a SÁBADO teve acesso, é a inexistência de um cadastro de propriedade rústica que permita identificar e multar os donos dos terrenos que não forem limpos. 

Outro: "Não vai ser possível garantir este ano que não existirão situações de risco para as populações com o tempo e as empresas (com capacidade, equipamentos, meios) que temos disponíveis" para fazer a limpeza das chamadas faixas de gestão de combustíveis, avisa António Louro, vereador com o pelouro da Floresta e Protecção Civil em Mação. No concelho terão de ser feitas numa extensão de 166 hectares. Estas faixas, sem qualquer vegetação, limitam a passagem de um fogo de uma área para a outra. Além disso, explica o social-democrata, com o tempo que os concursos demoram, dificilmente as empresas estarão escolhidas a tempo. O Governo já disse, no entanto, que por existir um motivo de segurança nacional, podem avançar para os concursos sem o visto prévio do Tribunal de Contas – o que acelerará o processo. E para os custos da limpeza nos terrenos dos proprietários que não a façam até 15 de Março, haverá uma linha de crédito, mas não a fundo perdido, como queriam as câmaras. 

A presidente da câmara de Portimão, Isilda Gomes, aponta a responsabilidade também aos proprietários. "Imaginemos que 50% dos proprietários fazem as limpezas. Obviamente que isso nos facilita a vida. Agora, se não o fizerem, teremos uma tarefa hercúlea e não sei se teremos capacidade de resposta." A autarca socialista, que é vice-presidente da Associação Nacional de Municípios, tem um discurso menos acusatório que o deste organismo. É conciliadora: "Não se coloca a questão de não querer fazer ou de não ter toda a disponibilidade para fazer. A dificuldade pode ser na operacionalização da limpeza. O que temos que ter é a consciência de que fizemos tudo o que era possível. Ninguém nos pode obrigar a fazer o que não temos capacidade para fazer", diz. 

As entidades existentes têm capacidade de resposta? 
O presidente da câmara do Sardoal, o social-democrata Miguel Borges, diz que "o sistema de defesa contra incêndios está assente em pés de barro". O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) "não tem capacidade de resposta". Há autos de notícia levantados "há mais de um ano" pelos gabinetes florestais dos municípios quanto às reflorestações desorganizadas de eucaliptos e que ainda não tiveram resposta desta entidade. A Guarda Nacional Republicana (GNR) tem falta de meios para vigilância. "Faltam mais de 4 mil efectivos no interior. Há uma patrulha de dois homens para três concelhos", diz. Por fim, aponta também o dedo à estrutura da Protecção Civil: "Nenhum fogo começa grande. No nosso país, assente em associações humanitárias, há muito amadorismo. Há falta de meios para combater nos primeiros minutos." A profissionalização e a formação dos bombeiros é um dos pontos identificados pela Unidade de Missão, coordenada por Tiago Oliveira. Também duplicarão os membros das unidades de intervenção e socorro GNR (de 500 para 1.000). 

O engenheiro silvicultor João Bugalho pede que os planos sejam traçados no terreno. "Ditam-se ordens para o interior do País que, no local, não têm correspondência com a realidade local", refere. 

As directivas estão certas? 
O Laboratório de Fogos Florestais da Universidade de Trás-os-Montes considera que a legislação é "sofrível do ponto de vista técnico". É que, entende este organismo, a separação de 10 metros entre copas de eucaliptos e pinheiros será "contraproducente" porque aumentará a produção de vegetação por baixo das árvores e diminuirá a humidade do combustível. Mesmo em "condições não extremas", com ventos de 15 km/h, "não é por estarem mais espaçadas entre si que as árvores deixarão de arder". 

O combate deve concentrar-se em torno das aldeias? 
Durante os grandes incêndios do ano passado, sucederam-se as vozes de populares que na comunicação social clamaram para que os bombeiros e a Protecção Civil defendessem casas e aldeias. E ninguém aparecia. A questão, dizem os especialistas, é que não pode ser só isso. E tem sido. "Um dos grandes erros que cometemos até agora tem sido que, sucessivamente, os governantes têm-se preocupado mais com o combate do que com a prevenção", lamenta João Bugalho. O arquitecto paisagista Henrique Pereira dos Santos acrescenta que até "há prevenção feita no terreno. O problema, além de poder ser insuficiente, é que a que existe não é usada no combate". E exemplifica com a existência das faixas de gestão de combustíveis, que reduzem a intensidade do fogo para que possa ser combatido. "Mas para isso ter efeito, tem de se ter o dispositivo nessa altura. E não se tem, porque está à volta das aldeias." 

O País tem estado mais concentrado nas consequências dos incêndios do que nas suas causas. Isso nota-se, por exemplo, nos orçamentos: entre 2013 e 2016, os custos de prevenção eram de 25 milhões de euros. Era 3,1 vezes menos do que os gastos com o combate (78,1 milhões de euros). O Governo aprendeu com o erro e está apostado em "dar a volta" a estes números, diz o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. 

A lei das queimadas é restritiva? 
A mensagem de todos os especialistas, autarcas e governantes é que a responsabilidade sobre a prevenção de incêndios também é sua. "Até este ano, nunca ninguém falava na autodefesa. Há uma consciência das pessoas para antecipar e fazer gestão à volta das aldeias", diz Henrique Pereira dos Santos. O engenheiro João Bugalho refere, contudo, que tem de se reduzir também o número de ignições. E "até pode ser incitando as pessoas a aumentar os fogos". Não há aqui nenhuma contradição: "O fogo é um instrumento usado na renovação das pastagens." Só tem de ser feito na época certa. Como a legislação "é muito restritiva" e exige muita burocracia, as pessoas fazem queimadas em alturas do dia em que não são apanhadas. 

Fonte: Sábado.pt

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