Nas últimas semanas tenho-me deslocado por vários concelhos da região centro e norte do país, no âmbito de diligências relacionadas com a minha missão, como membro da Comissão Técnica Independente, nomeada pela Assembleia da República para “proceder à avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em território de Portugal Continental”.
Nestas deslocações constatei a devastação que os incêndios de junho e outubro do ano passado provocaram no território de muitos concelhos. Um cenário muito mais grave do que o verificado aquando dos grandes incêndios de 2003 e 2005.
São muitas as aldeias em cinzas, com terrenos e espaços florestais pintados de negro, sem gente e sem vida. Um interior entregue à sua sorte, devastado por muitos anos de incúria e abandono, materializado na imagem de um outro país.
Este país, distante dos grandes centros urbanos, sem peso eleitoral e sem lóbis de circunstância, com escassa população, maioritariamente idosa e isolada, parece ter desistido de aspirar a dias diferentes.
Foi preciso uma trágica vaga de incêndios florestais para que o osso do nosso território ficasse exposto aos olhos de todos e cada um de nós.
Foi preciso morrerem 112 dos nossos concidadãos para coletivamente acordarmos para o outro país que durante décadas foi sendo ignorado, despovoado e desertificado, desprovido de recursos e vontades, apesar da luta de autarcas e de heroicos resistentes.
Ao percorrer os caminhos deste Portugal, dei comigo a imaginar que estas aldeias passarão a ser espaços de atração turística, compradas por empreendedores maioritariamente estrangeiros, por onde circularão turistas à procura de identidades perdidas, expostas em forma de museu.
Estes lugares poderão até ser embelezados, poderão até ganhar nova animação, mas não serão a mesma coisa. Faltar-lhes-á a história das suas gentes e a vivência de sucessivas gerações neles nascidos.
Teremos então um outro país, sem espaço rural, com o território estruturado em pequenas, médias e grandes cidades, que atrairão a população ativa, a iniciativa, o investimento e a decisão política prioritária.
Envolvido pelo negro da paisagem que o fogo padronizou, vendo as casas e os arrumos ardidos no meio da floresta, testemunhando quilómetros e quilómetros sem ver ninguém, uma pergunta inquietante não me largou todo o caminho: é este o país que queremos?
Chegam boas notícias sobre os dados económicos favoráveis que o país regista e que conquistam a nossa confiança.
Penso estarem reunidas as condições para virar a página no modelo de desenvolvimento que gerou o Portugal profundo que acabo de testemunhar.
Esta é a hora de construirmos um Portugal para os portugueses, todos os portugueses, no contexto de uma sociedade global e tecnologicamente evoluída, mas que não descarta as pessoas e os seus lugares, nem transforma em produtos a sua identidade, a sua história e a sua cultura.
Então construamo-lo a partir de agora, sem mais demoras ou hesitações, potenciando os resultados económicos e pondo-os ao serviço de um país que em vez de matar aldeias e lugares lhes dá vida, com gente dentro.
Duarte Caldeira in Repórter caldeira
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