Um dia, disse ao meu pai, também bombeiro, “Quero ser bombeira”
Nós nunca sabemos o que nos vai acontecer.
Nunca sabemos o que nos vai apetecer fazer. Um dia, disse ao meu pai, também bombeiro, “Quero ser bombeira”, ainda nem eu sabia muito bem o que iria sair daquela decisão, ainda nem sabia muito bem o que faria dali para a frente. Mas aprendi, e posso dizer que aprendi bem. Ser bombeiro é ser psicólogo, médico, enfermeiro, artistas plástico, educadores, confidentes, músicos…
Aprendemos, principalmente, a ser mais humanos. Aprendemos a lidar com certos feitios, com determinadas características, aprendemos a ver as pessoas por dentro, por detrás de tudo o que nos contam, esse também é o nosso papel. Ver as suas fraquezas e não julgar. Aprendemos a ter uma religião, independentemente da ideologia. Porque rezamos, por vezes à nora, sem saber como se faz, mas rezamos à nossa maneira. Pela nossa segurança, ou por alguém. Aprendemos a ser amigos do ambiente, protegemos a florestas ama-mos a natureza. Combatemos por ela, vamos lutar por ela, tantas vezes contra um elemento que nos consome em segundos, mas nós vamos, travamos essa luta sem saber se voltamos.
Um dia, uma amiga da faculdade perguntou-me “Como é que consegues? Não tens medo?”, eu respondi “Sim, tenho. Muito mesmo.” O nosso medo é perder algum colega, enfrentar a morte de qualquer das maneiras. Não se trata só do medo de perdermos a nossa vida, mas medo por quem cá fica, a dor da nossa ausência. No entanto, a nossa força de vontade, o nosso amor à farda, o nosso amor pela comunidade, é superior ao medo.
E vamos na mesma.
Podemos estar a tremer como varas verdes por não sabermos o que iremos encontrar, mas vamos. E lutamos por algo, ou por alguém.
Encontrámos várias dificuldades, como Será que nos vamos adaptar? Será que vamos fazer amigos? Ou Será que alguém nos vai tratar bem? Se alguma vez sofri de preconceito? Talvez. “Isso não é para ti, como vais fazer quando tiveres filhos? Esse serviço não é para ti. Devias ser secretária, assim não te sujavas”. Mas ninguém sabe tão bem o quanto ficamos felizes ao ver a farda suja, é sinonimo de trabalho, de dedicação, de amor. Quando tiver filhos? Saberei como cuidar deles da melhor maneira. Saberei cuidar deles quando algo acontecer e certamente estarei mais atenta que outros pais porque talvez conheça mais os riscos.
Há trabalhos de homem, é certo, mas o ser bombeiro é cada vez mais uma atividade também de mulheres. Até porque há uma certa sensibilidade que só as mulheres demonstram. A minha família sempre me apoiou, mas há sempre um medo sentido quando saio pela porta para mais uma noite. Muitas vezes temos de recusar convites para jantar ou sair por que estamos de serviço. Às vezes custa, como nas noites de Natal, mas se ninguém se sacrificar o que será de quem precisa? Muitas pessoas já se chatearam por não estar presente em certos convívios por estar de serviço. Mas se não entendem o que faço, então não entendem quem sou. Porque eu sou o que faço e não poderia estar mais feliz com isso. Um olhar de agradecimento, um sorriso, é mais do que uma noite de festa, significa amor por nós. É gratificante.
Mas é como em tudo na vida e em todo o lado. Com o passar do tempo construímos amigos para a vida que se tornam a nossa família, um quartel que passa a ser a nossa casa. E também entre quartéis existe uma camaradagem enorme. E quando encontras alguém com quem constróis uma relação amorosa, alguém que te entende. Porque chega a uma altura em que pensas que não consegues namorar ou casar com alguém que não seja bombeiro porque talvez não compreenda a 100% o que tu fazes, o que tu passas.
E no fim do dia sentimo-nos gratos por mais uma, duas, três ou mais missões cumpridas e por mais umas horas ao serviço da nossa população. E por termos encontrado outra casa, outra família, amigos que estarão contigo em todos os momentos, até ao fim e um namorado(a)/marido ou mulher que te entende como ninguém. E agora pensas: “E se não tivesse embarcado nesta aventura? O que seria de mim agora?”
Paula Cristina in Farda sem Preconceito
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