Alcafache: "O Pior Foi Ter de Deixar a Menina no Comboio" - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Alcafache: "O Pior Foi Ter de Deixar a Menina no Comboio"


Com o corpo em chamas, Carlos Ramos saltou do comboio para o solo, a cinco metros de altura. Partiu as pernas, sofreu queimaduras em 70% do corpo. Antes salvou duas vidas.

Ramalho Eanes salvou a dele, o ferido mais grave do maior acidente ferroviário português. O choque entre dois comboios na Linha da Beira Alta, em Alcafache, Mangualde, fez dezenas de mortos.

11 de setembro de 1985. Carlos apanhara o Sud Express, em Santa Comba Dão, que o levaria para a Suíça. Tinha 25 anos, a tropa feita e era solteiro. "A troika estava cá, não havia emprego e os salários eram baixos", recorda.

Carlos acomodou-se num banco a meio da carruagem, junto ao corredor. Ia a olhar pela janela. Eram 18.40 horas, a viagem começara há menos de 20 minutos, quando o embate frontal, entre o Sud Express e o regional que vinha da Guarda, o projetou para o fundo da carruagem. Levantou-se, não lhe doía nada. Saiu e apercebeu-se da dimensão do acidente. "Havia carruagens encavalitadas umas nas outras, gritos, pessoas que queriam sair e não podiam", recorda. Voltou a entrar no comboio, de onde retirou um sexagenário e uma criança. Quando levava outra, aconteceu o pior: as chamas invadiram o comboio. "Fiquei de bruços a cobrir a menina, o comboio desmoronava--se e eu só pensava: se ficar, morro".

Com o corpo em chamas, Carlos largou a menina e saltou para uns terrenos, opostos às chamas. "Caí tipo morto, rebolei para apagar as chamas do corpo. Umas senhoras que tratavam dos campos chamaram os bombeiros". No hospital de Viseu recorda-se do som das ambulâncias e de, na manhã seguinte, ouvir a voz do então presidente da República, Ramalho Eanes, que perguntava pelo doente mais grave. "Levou-me com ele no helicóptero para o Hospital de S. José", diz com a voz embargada.

Em 17 meses fez 31 operações. Até recuperar, três anos depois. Com Ramalho Eanes encontra-se todos os anos. "Agarramo-nos um ao outro quase a chorar", diz. Em 93, foi para a Suíça, onde é viticultor. As cicatrizes estão no corpo. E na alma: "O pior foi ter de deixar a menina no comboio", conclui.

Fonte: JN