Somos Bombeiros Todo o Ano e Não Só Durante 90 Dias - VIDA DE BOMBEIRO

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sábado, 12 de outubro de 2013

Somos Bombeiros Todo o Ano e Não Só Durante 90 Dias


Mais um verão igual a tantos outros dos últimos anos, e mais uma vez os incêndios florestais estiveram quase sempre na ordem do dia. Terra queimada, populações aflitas e os bombeiros no centro das atenções por variadas razões.
Este ano para alguns, o problema era da formação ou da falta dela. Há dias alguém me perguntava se os incêndios florestais resultavam da falta de formação dos bombeiros ou de má formação dadas as circunstancias.
Dei-lhe por resposta o que podia dizer sobre o conhecimento que tinha. Os bombeiros têm formação adequada e suficiente para combater incêndios florestais, aliás se existe alguém que tem adaptado  a sua vontade e os seus conhecimentos a nível de incêndios, são os bombeiros com formação certificada que tem sido ministrada nos últimos anos.  
É certo que nós bombeiros temos um sistema organizacional especifico assente no voluntariado, mas todos fazemos um grande esforço para estarmos à altura dos desafios que vamos encontrando na defesa de pessoas e bens. E a prova disso mesmo, é a resolução rápida e sem consequências, assim tão graves em centenas de ocorrências que temos por dia. 
É óbvio que também temos muitas dificuldades no nosso dia a dia como em qualquer outra profissão, mas o problema dos incêndios florestais, não está nos bombeiros nem na sua formação ou falta dela. Querer centrar o problema neste tema, é no mínimo injusto e censurável, não apenas para nós bombeiros, mas sobretudo, para a população que continua a ver em nós uma das suas poucas tábuas de salvação.



Nos momentos de consternação e de luto que vivemos, em que precisávamos de sossegar as populações e incentivar os camaradas que travavam esta luta desigual, não podíamos aceitar que a pretexto do que quer que fosse, se voltasse a centrar as coisas do lado errado. 
Numa altura em que as chamas deixaram de se propagar a uma velocidade estonteante, deixo agora uma palavra de apreço às pessoas afectadas e a todos quantos se entregaram de alma e coração na defesa imediata da floresta, das vidas e dos bens da população. E infelizmente, oito dos nossos camaradas acabaram por perder a vida em defesa daquilo que não era deles, e que é de todos.
E apesar de ser extraordinariamente importante para a nossa economia, a floresta está cada vez mais abandonada e cada vez mais se confunde com as pequenas zonas urbanas que temos nas nossas aldeias.
E por incrível que pareça, andamos nós a dar vida por isto.
E por isso mesmo eu digo e acho que o debate tem que ser centrado do lado do, ordenamento, da prevenção, e do investimento contra a desertificação, mas sem nunca esquecer de equipar os bombeiros com equipamento adequado às suas funções.
Mas afinal, há quantos anos se fala nisto?? Quantos estudos e projectos já foram feitos?? Quantos cadernos bonitos estão nas gavetas e quantas reuniões já forma feitas em mesas com arranjos lindos, e com grandes ar condicionados?? Quanto dinheiro já foi investido na área da investigação e da ciência da floresta??
E qual é o resultado?? Todos os anos a mesma coisa, todos os anos se perdem vidas, todos os anos se perdem viaturas, e a troco de nada, ou melhor só para agradar a algumas pessoas que gostam de se sentir importantes, gostam de dar ordens para os teatros de operações sem sequer lá colocar os pés, e olhem que sei do que falo.



É sobre tudo isto que temos que reflectir, porque nos próximos anos tudo isto se vai continuar a repetir, vão haver enormes incêndios, vão arder mais viaturas, e vão-se perder mais vidas a troco de nada.
Como bombeiro, não posso estar mais de acordo com uma aposta continuada na formação, na investigação, e no conhecimento cientifico colocado ao serviço dos operacionais. Mas isso só não chega, porque o conhecimento já produzido que está guardado nos lindos cadernos em modernos gabinetes, precisa de ser transferido para o terreno. Porque as faixas de protecção dos aglomerados urbanos, o ordenamento florestal, a limpeza das bermas, as faixas de gestão de combustível, não se fazem no conforto dos gabinetes com um bom ar condicionado. Trabalho real, objectivo e concreto que tem que ser feito na floresta, isto é o que tem que ser feito.


É também nesta altura do ano, que o espaço publico é invadido pelo debate em torno das causas em que ocorreram os grandes incêndios florestais, como se tal coisa pudesse resumida a um jogo de luta  e de forças entre pirómanos e bombeiros. Se fosse esse o jogo em causa, se calhar até poderíamos acabar com essa praga que são os incêndios, oferecendo aos bombeiros mais equipamento, mais qualificações e mais condições apelativas para os nossos soldados da paz.
Infelizmente, a praga dos incêndios florestais, não se pode resumir a tal binómio, porque o eixo do mal reside basicamente na desertificação das terras agrícolas, pois estas deixaram de ser limpas, o que pode transformar a mais pequena faúlha num gigantesco incêndio.

Dito isto temos todos que reconhecer, e a começar pelos entidades públicas oficiais, que os incêndios florestais, na sua extensão e violência, têm causas profundas e determinantes que têm consequências muito graves na nossa sociedade sócio económica. Todos os anos são gastos milhões de euros só em meios aéreos, são gastos milhões de euros em estudos e previsões completamente malucas, que na hora da verdade simplesmente nem se podem colocar em prática porque não fazem o menor sentido.
A tudo isto que vai acontecendo nos bastidores dos incêndios florestais, eu só consigo dar um nome, "industria do fogo", sim porque os interesses são cada vez mais, existem interesses económicos ilícitos quer de madeireiros quer da construção civil, e até das empresas dos meios aéreos, é que se estes não tiverem horas de voo, em grande parte das vezes não recebem, por isso para eles tem que arder senão não recebem.
É muito duro dizer isto enquanto bombeiro, mas chego à conclusão que os incêndios são um negocio muito lucrativo para algumas pessoas, e sinceramente acho que grande parte dos chamados "grandes incêndios" poderiam muito bem ser extinguidos logo à nascença, e isso só não acontece pelos ditos interesses envolvidos.  Se calhar muito provavelmente, posso vir a ter problemas com isto que escrevo, mas enquanto continuar a ver os bombeiros a combater incêndios com EPI que dava para ir à pesca, não me calarei, sim, porque vejo outras forças de segurança de combate a incêndios (GIPS e FEB) com equipamentos topo de gama, desde viaturas até ao fardamento mais sofisticado possível. E que fique bem claro que não tenho nada contra estas duas forças, muito pelo contrário, só tenho a dizer bem do seu trabalho, mas acho que não é justo, andarmos todos a defender a mesma causa sem termos todos as mesmas condições.

GIPS GNR

FEB Canarinhos

Bombeiros




Sei que agora que acabou a época critica  de incêndios, os bombeiros basicamente voltam a cair no esquecimento, quer por parte da população quer por parte dos nossos governantes, se é que esses se lembram de nós. Por isso é mais que justo dizer aqui, que nós somos bombeiros todo o ano, e não só durante 90 dias, (Julho, Agosto e Setembro) época que se registam mais incêndios, é triste mas esta é  a nossa realidade, lembram-se de nós quando precisam e nada mais, porque senão repare-se:
Enquanto a floresta ardia selvaticamente, enquanto camaradas nossos perdiam a vida na defesa das nossas florestas, alguns dos nossos governantes falavam e falavam e continuavam a falar, enquanto outros nem uma palavra diziam ficando estranhamente calados durante demasiado tempo...
As populações desesperavam por ajuda na defesa dos seus bens e por vezes das suas próprias vidas. Este era o drama que todos nós vivíamos. Os bombeiros andavam exaustos, intoxicados pelo fumo e a morrerem por uma politica mal organizada e mal efectuada. As televisões, davam o "espectáculo" vezes sem conta, a puxar pelos sentimentos do povo e pelos pirómanos também...



Numa "confusão de cultura", a opinião pública era manipulada, as intervenções das entidades oficiais centravam-se no alegado "fogo posto", no "fogo de origem criminosa", nas detenções de presumíveis incendiários e nas penas criminais a aplicar-lhes. Como se isto adiantasse de alguma coisa.
Bem, todos nós sabemos que há pirómanos loucos, que há vinganças, que há descuido e negligência, mas também têm que assumir de uma vez por todas, que em grande parte das "grandes ocorrências" há muita má coordenação por parte de quem manda. Não quero com isto ferir susceptibilidades mas quem anda no terreno como eu ando, sabe muito bem do que falo.
E tantas foram as noticias sobre detenções de presumíveis incendiários, tanto bateram na mesma tecla, nomeadamente por parte das entidades oficiais (governamentais) ampliadas pelas televisões, rádios e imprensa em geral, que até parecia que estávamos a ser atacados por uma espécie de "Organização Nacional de Delinquentes de Todas as Idades"!
Mas se a coisa estivesse a correr bem, e senão tivesse havido tanto incêndio florestal e tanto problema grave incluindo a morte dos nossos camaradas, aí muito provavelmente teríamos o ministro Paulo Portas, a propagandear o mérito para o seu Ministério  da Agricultura na prevenção dos incêndios florestais.
Meus caros, haja tino, e não nos venham atirar fumo para os olhos, porque fumo já nós apanhamos muito nos incêndios.
Ainda não fiz qualquer referencia aos meios de combate nos incêndios florestais, mas todos nós sabemos que as corporações de bombeiros atravessam grandes dificuldades, e também por isso, aconteceram muitos acidentes com os bombeiros.



Mas se as más politicas que os nossos governantes aplicam (ou que nada aplicam...) são grandes responsáveis pelo flagelo dos incêndios florestais, e o governo e o estado devem ser responsabilizados e devem indemnizar os agricultores, então faz todo o sentido indemnizar as famílias das vitimas, dos bombeiros mortos e  feridos.  Acho que este processo deve ser uma prioridade.
Bom, penso que já me alonguei demais, mas simplesmente disse o que sinto, e mais uma vez volto a dizer, agora que acabou a época de incêndios, simplesmente voltamos a cair no esquecimento, voltamos a ser desprezados como antes, mas uma coisa é certa, continuamos a ser bombeiros, continuamos a ser o que éramos à uns meses atrás enquanto combatíamos os incêndios, continuamos a ser aqueles que deixam tudo para socorrer quem precisa seja dia ou noite, faça chuva ou sol, calor ou frio, damos sempre o nosso melhor em prol dos outros. E já agora srs. governantes, não se esqueçam que para o ano voltamos a ter verão, voltamos a ter "grandes incêndios", e vocês voltam a precisar de nós. 



Por isso mesmo volto a lembrá-los que, nós somos Bombeiros todo o ano, e não só durante 90 dias...


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