9 de Julho
de 2008
Era quase meia-noite, o telefone tocou, já me preparava para
ir descansar e pela hora quase de certeza que se tratava de um serviço para ser
feito. Não me enganei, o CDOS (comando distrital de operações de
socorro) mandou-nos para Boelhe auxiliar os colegas de Penafiel num incêndio
florestal. Fomos para o local no VFCI-04, estava uma noite quente e quase não
havia vento.
Ao passarmos na barragem do Torrão já se avistava o fogo, e
então pensei, mais uma noite perdida, sim, porque só por aquilo que conseguia
ver, dava para ter a perceção que seria um incêndio demorado.
Quando chegámos ao local parecia que o inferno tinha descido
à terra, o incêndio lavrava em várias frentes com bastante intensidade muito
por culpa do vento que aqui já se fazia sentir, protegi-me o mais que pude com
todo o meu EPI (equipamento de proteção individual), pois o vento
encarregava-se de transportar muitas faúlhas pelo ar.
No local já estavam várias viaturas de outros corpos de
bombeiros e mesmo assim o incêndio não nos dava tréguas, fomos para um local
definido pelo COS (comandante de operações de socorro) e demos inicio ao nosso
trabalho, o vento era sem dúvida o inimigo numero um, as faulhas deslocavam-se
a uma velocidade impressionante, os cuidados tinham que ser redobrados pois
corríamos o risco de haver uma projecção de fogo e a qualquer momento
poderíamos ficar cercados pelo fogo. Felizmente isso não aconteceu, passado
algum tempo chegaram mais meios vindos de outras corporações, e depois de uma
batalha desigual o fogo começava finalmente a ceder, o vento também nos deu uma
ajuda preciosa, pois tinha abrandado de forma considerável e pudemos finalmente
dominar o incêndio.



Depois de já termos gasto cinco carros de água, começamos a
fazer rescaldo na frente que nos encontrávamos, e já com o incêndio
completamente extinto recebemos a indicação para nos deslocarmos para um
descampado, para abastecermos a viatura e posteriormente ali permanecermos e
aguardar por novas indicações, digamos que era uma especie de ZCR (zona de
concentração de reserva).
Estava exausto, as ultimas horas tinham sido de muito
trabalho, ainda por cima sempre na frente do fogo de agulheta na mão, olhei
rapidamente para o relógio, eram quase quatro da manhã, e então tive a certeza
que a noite estava perdida, mas com um pouco de sorte se tudo corresse bem,
talvez fossemos desmobilizados e assim ainda teria algum tempo para descansar
antes de voltar ao trabalho diario, mas como eu estava enganado.
As indicações que recebemos foi para permanecermos ali e
aguardarmos por novas instruções, comecei a sentir um pouco de frio pois tinha
transpirado bastante e agora o corpo começava arrefecer e entao fui para dentro
da viatura. Passados alguns minutos já estavamos todos dentro do carro, pois lá
fora a temperatura tinha descido consideravelmente. Quem é bombeiro sabe muito
bem do que estou a escrever, pois chega a uma hora que estamos de tal maneira
cansados que qualquer cantinho serve para fazer “ninho”, e comigo não foi
exceção, passado pouco tempo estavamos todos encostados uns aos outros a tentar
descansar um pouco.
Estava eu a passar pelo sono, quando de repente alguém lá
fora gritava a pedir ajuda, pois dois bombeiros tinham caído a poço, bem mais
uma vez digo que quem é bombeiro sabe muito bem o que estou a dizer, e aquilo
para mim foi como se me tivessem dado uma injecção de adrenalina, e rapidamente
saltei do carro juntamente com os meus colegas para irmos em socorro dos nossos
camaradas. É nestas alturas que nós esquecemos tudo, esquecemos o cansaço,
esquecemos as horas, esquecemos o sono, desligamos de tudo e passamos a ter um
único objectivo, socorrer quem precisa de auxílio.
Os nossos camaradas tinham caído num poço com quase oito
metros, e felizmente era um poço seco, estavam conscientes mas muito nervosos
pois ninguém estava a contar cair a um poço, fizemos uma rapida avaliação da
situação e demos conhecimento ao INEM do que se passava e pedimos apoio médico
pois não sabiamos o verdadeiro estado deles, o INEM enviou para o local a
viatura médica do hospital de Penafiel que rapidamente chegou ao local.
Enquanto isto nós tinhamos que tirar os nossos colegas dali,
e depois de termos a certeza que estes não tinham lesões de maior gravidade,
chegamos à conclusão que os podiamos içar com as nossas mangueiras, e foi o que
fizemos, falamos com eles, e um de cada vez amarraram a mangueira à cintura e
conseguimos tirá-los cá para fora. Felizmente estavam bem dentro dos possíveis,
mas muito atordidos com tudo o que estava acontecer, a equipa médica já tinha
chegado e começou a prestar os cuidados médicos necessários.
É incrivel a força que possuimos dentro de nós muitas das
vezes sem sabermos que a temos, naquela hora estava completamente exausto, e de
um momento para o outro parece que todo o cansaço tinha desaparecido. Mas nós bombeiros somos assim mesmo, por vezes vamos buscar
forças onde elas não existem, e nunca duvidem, que um bombeiro para cumprir com
o seu dever no auxílio dos outros, por vezes vai buscar forças ao “fim do
mundo” para cumprir a sua missão.
De salientar que os nossos colegas envolvidos
neste incidente se encontram bem de saúde e apenas sofreram ferimentos
ligeiros, para os colegas Manuel Ribeiro Couto dos bombeiros de Paredes e
Fernando Sousa Coelho dos bombeiros de Cête, deixo aqui um grande abraço de
amizade e de dever cumprido, Bem Hajam.
Quero também aproveitar esta situação, para vos deixar alguns
alertas, principalmente aos bombeiros, a época florestal está quase a chegar, e
não tenham duvidas que este vai ser um ano terrível em termos de fogos
florestais, por isso preparem-se, mas acima de tudo tenham cuidado, tenham
muito cuidado porque nada paga a perda de uma vida humana e muito menos num
incêndio florestal. Eu costumo dizer se não há habitações em risco, não
arrisquem em demasia porque não vale a pena.
Aos civis, a esses eu pessoalmente peço, não façam fogo nas
florestas, não façam queimadas em dias de vento e previnam todo e qualquer tipo
de risco de incêndio, afinal de contas a nossa floresta fica muito mais bonita
“pintada” de verde, do que de cinza.
Muito bom!
ResponderEliminarObrigado.
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