A Liga de Todos… ou Só de Alguns? - VIDA DE BOMBEIRO

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quarta-feira, 16 de julho de 2025

A Liga de Todos… ou Só de Alguns?

 


Há gestos silenciosos que dizem muito. E há anúncios que, embora feitos com pompa e circunstância, gritam uma verdade desconfortável: o corporativismo continua vivo e de boa saúde em Portugal.


Foi assim, quase como quem não quer a coisa, que a Liga dos Bombeiros Portugueses anunciou, com orgulho, o apadrinhamento de uma nova associação de... enfermeiros/bombeiros.


Sim, leu bem. Não é de bombeiros/enfermeiros, como seria natural, tendo em conta a espinha dorsal de quem, todos os dias, garante a emergência pré-hospitalar. A inversão da ordem não é um detalhe linguístico. É um sintoma.


À primeira vista, até se poderia pensar que se trata de um avanço. Afinal, qualquer movimento que procure melhorar a resposta em emergência deveria ser bem-vindo. Mas quando se olha com mais atenção, percebe-se o que está por trás: não é uma aproximação, é uma apropriação.


Não deixa de ser irónico que agora, de repente, os bombeiros – esses “chapas de coice”, como alguns ainda os tratam nas entrelinhas – pareçam finalmente merecer atenção... mas só se for sob a tutela de alguém “inteligente”. Alguém que os “eduque” e “corrija” naquilo que já fazem há anos. Alguém de uma determinada classe profissional, claro está.


Refiro-me, obviamente, à Ordem dos Enfermeiros – que, em vez de se limitar à defesa e valorização da sua classe, opta por se expandir em todos os terrenos. Mesmo naqueles onde a lei já disse que não tem competência para se pronunciar, como deixou claro o Tribunal Administrativo de Lisboa.


Mas, perante a falta de soluções para os seus próprios profissionais, é sempre mais fácil estender os tentáculos a áreas alheias, moldando o futuro da emergência pré-hospitalar ao seu gosto, desde que seja sempre com um enfermeiro no controlo.


Não se trata aqui de negar o papel fundamental dos enfermeiros. Longe disso. Trata-se de não permitir que uma profissão, por mais nobre que seja, se torne centralizadora, impositiva e, no limite, desrespeitosa.


O problema é que esta tentativa de “educar” os bombeiros parte de uma premissa perigosa: a de que quem não é licenciado, não sabe.


Como se os milhares de bombeiros e técnicos que todos os dias garantem o socorro neste país fossem apenas peças amadoras, à espera de alguém que lhes explique como se faz.


Como se não existisse já formação, experiência e capacidade técnica — mesmo sem bata branca e sem carimbo de Ordem.


Mas esta crónica não é apenas sobre uma Ordem. É também sobre uma Liga que parece ter-se esquecido de quem representa. Uma Liga que, órfã de força política e sem soluções reais para as suas federações, opta por anunciar algo, qualquer coisa, para mostrar que ainda respira.


Nem que para isso precise de apadrinhar mais uma estrutura que, em vez de unir, vem perpetuar o velho problema português de criar elites dentro do que devia ser coletivo.


E enquanto estas medidas são anunciadas em palcos bem iluminados, os verdadeiros bombeiros continuam nas sombras:

👉 A sacrificar horas de descanso,

👉 A abdicar de tempo com a família,

👉 A viver com ordenados que mal dão para pagar os livros dos filhos ou as refeições da semana.


A prioridade, afinal, continua a não ser a dignidade dos homens e mulheres que seguram este sistema todos os dias. Continua a ser o protagonismo de quem chega com estatuto e precisa de palco.


Até quando?


Até quando os bombeiros serão tratados como mão de obra descartável, útil apenas enquanto se mantêm calados e disponíveis?


É tempo de exigirmos mais do que medidas populistas.


É tempo de exigir respeito. Ética. Coragem.


É tempo de reconstruir o que se perdeu: o verdadeiro espírito de serviço público.


E sobretudo, é tempo de lembrar que a emergência pré-hospitalar não se faz com slogans.


Faz-se com pessoas.


P.S- a imagem é de algo que teimo em guardar longe da vista, mas que teima em cair-me em cima sempre que tenho de ir busca a mala de viagem acima do roupeiro. Um amigo disse ser um presságio, eu acho que não, eu acho que é um lembrete de que ser Bombeiro entranha-se na pele, tatuando na nossa pele uma paixão a que não dá se sobrepõe, sendo canalizador, eletricista, professor ou até enfermeiro.


Um bem haja

Nelson Tostão

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