Anterior Governo desviou 201 milhões de euros do INEM para outros departamentos do Estado
O Instituto Nacional de Emergência (INEM) confessou à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) que tem 33% dos meios de emergência parados na oficina. Em 7 de outubro de 2024, estavam em reparação 106 ambulâncias; 59 viaturas médicas de emergência e reanimação (VMER) – meio diferenciado que leva médicos, a grande velocidade, prestar socorro primário a pessoas em risco de vida; quatro motorizadas e um carro dedicado ao transporte dos psicólogos do INEM.
A frota passa os dias na oficina porque está envelhecida e incapaz de responder com eficácia às exigências da sua missão. Dos 524 veículos de emergência médica, 77% têm dez ou mais anos de serviço. “A antiguidade da frota, bem como a sua utilização em condições bastante exigentes, causa constrangimentos operacionais”, descreve a IGAS, no relatório de auditoria a que a TVI e a CNN tiveram acesso. O anterior Governo, numa resolução de Conselho de Ministro datada de 11 de dezembro de 2023, também reconheceu que “a frota do INEM apresenta desgaste significativo, relacionado com a sua permanente utilização em condições bastante exigentes, bem como com o tempo de vida de muitos veículos”. Ora, uma frota de chaços velhos, forçada a acelerar diariamente em missões de socorro, “causa constrangimentos operacionais e aumento da despesa pública, visto que muitas das viaturas necessitam de reparação e manutenção frequentes e avultadas”.
O problema é que a aquisição de novas ambulâncias e VMER está atrasada, há mais de um ano, no labirinto burocrático do Estado. A IGAS recomenda “celeridade” à Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), instituto público responsável pelo “procedimento pré-contratual” obrigatório por lei. “Até à data, na página eletrónica da ESPAP, ainda não se encontra publicitada ‘Consulta Pública’ ou ‘Concurso Público’ a decorrer neste âmbito”, lamenta o relato de auditoria, assinado pelo inspetor-geral, Carlos Caeiro Carapeto, em 20 de dezembro de 2024.
O “saco azul” do Ministério da Saúde
O INEM não recebe um euro do Orçamento de Estado. É integralmente financiado, para todas as suas necessidades, pelas taxas que os portugueses pagam nos seguros de vida, automóvel, saúde e acidentes pessoais. O problema é que foi obrigado, pelo anterior Governo, a transferir os seus saldos de gerência para outros departamentos do Estado, conforme avançado há meses pelo canal “A Cor do Dinheiro”.
Em 2019, na expressão do Relatório & Contas do INEM, “foi instrumentalizada a entrega” de 89,9 milhões de euros (M€) a três departamentos: Direção-Geral da Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde e Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). O presidente do INEM à época dos factos só viria a queixar-se publicamente quando já estava demissionário. “O INEM ficou sem uma almofada financeira muito relevante, que podia ser usada para aquisição de viaturas por parte dos bombeiros – e deixou de ter essa capacidade”, declarou Luís Meira, na comissão parlamentar de Saúde, em 19 de julho de 2024.
Nos anos seguintes, o INEM continuou a servir de “peteiro” a necessidades do Ministério da Saúde estranhas à legislação das taxas sobre os seguros. Em 2020, foi forçado a transferir 76,7M€; em 2021, 6,1 M€; em 2022, 15,5 M€; e, em 2023, 12,6M€, dos quais 6M€ para a aquisição de certificados de Dívida Pública. Em cinco anos, a “instrumentalização” do INEM chegou aos 200,8M€. O dinheiro nunca mais voltou para trás. “Na altura, várias vezes questionei a tutela sobre o eventual ressarcimento, mas sem sucesso”, desabafou Luís Meira. O ex-presidente relatou ter sido “obrigado” por despacho, até da secretária de Estado do Orçamento. “Nós sempre defendemos que não devia haver essa transferência, o saldo de gerência devia ser reinvestido nas necessidades de renovação da frota e de equipamentos do instituto”, consignou.
Muito crítico do uso do INEM como “saco azul” do Ministério da Saúde mostrou-se o cirurgião pediátrico que presidiu ao organismo entre 2010 e 2013. “É dinheiro dos seguros. Uma seguradora, se paga uma taxa, está à espera que o INEM lhe reduza os custos com os sinistrados, que haja menos lesões para tratar. Se esse dinheiro é desviado para outros fins, as seguradoras e os cidadãos estão a ser defraudados”, declarou Miguel Soares Oliveira à CNN Portugal.
TVI
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