Duarte da Costa: "Os bombeiros voluntários ainda não estão organizados para ter um comando efetivo" - VIDA DE BOMBEIRO

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domingo, 26 de maio de 2024

Duarte da Costa: "Os bombeiros voluntários ainda não estão organizados para ter um comando efetivo"

 


O presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, brigadeiro general Duarte da Costa diz negoceia com as associações de bombeiros voluntários sem intermediários. E reclama bons resultados nos dispositivos montados para os últimos anos.


Nos últimos dias temos tido notícias de mudanças da alta administração pública com várias exonerações. Queria saber se a Ministra da Administração Interna já lhe disse se conta consigo ou se já lhe apresentou um caderno de encargos?


Já fui recebido pela tutela, foi há cerca de três semanas e para que não haja dúvidas, porque considero que a confiança tem de ser mútua, não tem que ser só nós, mas também termos a confiança nos dirigentes políticos, são escolhas do nosso povo, mas acima de tudo nós também temos que nos predispor para ganhar a confiança de quem nos tutela. 


E, portanto, isto é tudo um processo. De qualquer maneira, com a máxima transparência e porque me considero um soldado nestas coisas, eu estou para cumprir missões. E o meu cargo está sempre à disposição, não estou ligado a nada e preso ao meu cargo, estou sim preso a uma missão que quero desempenhar, que tenho muita honra de desempenhar e tenho muito gosto em desempenhar. A conversa que tive com a tutela foi extremamente agradável, onde pus todos os problemas, não se pôs sequer a situação de estar ou não estar ou de continuar ou não continuar. 


Não é verdadeiramente algo que me preocupa. Estou nesta missão enquanto o Estado português considerar que estou apto para a cumprir e enquanto conseguir entregar um produto que os portugueses esperam. Normalmente costumo dizer que não trabalho para o Estado, não trabalho para o Governo, trabalho para os portugueses. Aliás, não nos podemos esquecer que quem paga os impostos são os portugueses. E não há dinheiro do Estado, há dinheiro dos portugueses. E, portanto, esse é o compromisso que tenho com todos os portugueses. E espero, como tinha da tutela anterior, que continue a ter a confiança da tutela política, para poder continuar a desempenhar as missões que, até agora, nestes últimos seis anos, tento ver com algum distanciamento, mas também com muito orgulho, a dizer que a minha equipa, a equipa que tenho liderado, tem conseguido apresentar projetos viáveis, projetos que têm dado maior capacidade ao Estado português de se tornar resiliente. 


E acima de tudo, muito importante, há seis anos que não morre ninguém decorrente da ação direta, estou a falar de civis, de um incêndio rural. E acho que isso é o maior símbolo de avaliação de performance que o sistema tem nesta altura. O que não quer dizer que não possa suceder já ao virar da esquina, na próxima campanha, mas até agora temos de fazer isso. Aliás, 2023 ainda foi mais relevante por causa disso, porque conseguimos ter um ano onde ninguém, quer operacional, quer civil, nem nas ações de queimas e queimadas, não tivemos vítimas mortas em 2023. E isso deixa-me profundamente orgulhoso.


Mudou alguma coisa na sua carta de missão ou a Sra. Ministra, desviou algum dos objetivos que tinham sido definidos pelo anterior Governo e que vão levar a alguma alteração de estratégia?


Não, relativamente à carta de missão, dentro dos assuntos que estão a ser tratados, como é óbvio, esta tutela política entrou também há pouco tempo e nessa perspetiva consegui passar a mensagem que todos os objetivos que tinha na proteção civil me parecem válidos e para o qual pedi a continuidade, quer ao meu secretário de Estado, quer à Sra. Ministra, que permanecem válidos para podermos dar segurança aos portugueses. E nessa perspetiva ainda não há uma mudança na alteração. Mas é muito simples aquilo que a tutela política me solicita que eu consiga entregar, que é um ambiente mais seguro relativamente à resposta aos incêndios rurais, mas não só aos incêndios rurais. Tenho a certeza de que a proteção civil é muito mais que incêndios rurais. 


A proteção civil é uma resposta cabal que temos de dar, é uma resposta à cadeia de valor da proteção civil que começa com a prevenção, que começa com a preparação, que começa com o planeamento, que vai para as áreas da pré-supressão, da supressão no combate aos incêndios e a toda a tipologia de catástrofes. E que depois também tem de apoiar na reconstrução e na reposição da normalidade. E aí, com todos os instrumentos que temos, a minha carta de missão continua inalterada, o que não invalida que o atual governo possa querer decidir situações mais para uma determinada área ou mais para outra determinada área, mas que depois me será transmitido na continuidade do nosso trabalho em conjunto, as instituições e o próprio governo. 


No fundo, o que aqui interessa é que o produto final que consigamos traduzir para os portugueses seja cada vez melhor e se este ano está bem e se o ano passado esteve bem, para o ano queremos ainda que esteja melhor. 


Portanto, não houve alteração nos meios que estarão disponíveis no dispositivo ou as alterações são aquelas que já estavam previstas?


Não há grandes alterações. chegámos a um dispositivo de resposta, e agora estamos a falar dos incêndios rurais, que é um dispositivo estável, é um dispositivo robusto, aliás, no lançamento do dispositivo, em Ourém, tive a hipótese de me referir precisamente a estes dois adjetivos, e resultam de vários melhoramentos que fizemos desde 2018. 


Como foi já referido, entro na Proteção Civil na sequência dos incêndios de 2017, e todos os incrementos que não se conseguem fazer de um ano para o outro é um trabalho que esta equipa tem levado a cabo para conseguir ao longo destes anos apresentar aos portugueses um dispositivo que é robusto, que é estável, que tem provas dadas, e que agora mais um, mais dois, mais dez viaturas, menos cem pessoas, a mim isso não é relevante. Da mesma forma como não é relevante dizer que as temperaturas médias agora estão mais altas, estão a subir meio grau por ano. Isso para mim não é o problema. 


O problema é dentro de um determinado período, dez dias, quinze dias, um período de temperaturas muito elevadas e muito seco. Esse é que é verdadeiramente o problema que atualmente as mudanças climáticas trazem para o sistema. 


Mas sobre os meios havia, pelo menos houve no ano passado, não tenho agora ideia se há dois anos também, mas no ano passado havia muito um problema que era o mercado não tinha disponíveis alguns dos meios que eram necessários para o contingente que estava definido. Mantém-se esse problema?


O mercado continua com problemas. Não nos podemos esquecer que temos na frente leste europeia uma guerra que inviabiliza um conjunto de meios que antigamente estavam no mercado e que agora não estão. Nomeadamente pilotos, nomeadamente capacidade técnica. Por outro lado, é importante também perceber que atualmente vão para o procurement de meios aéreos não só os países do sul da Europa como antigamente iam, quando muito alguns países da Europa a nível, digamos, nem muito a norte nem muito a sul, França, Alemanha, Luxemburgo, atualmente os países nórdicos vão também ao mercado. E o mercado não cresceu. 


O mercado não cresceu em termos de fornecimento de material, cresceu sim em termos de procura. Ora, diz a ciência económica, quando há mais procura e quando há menos meios, os preços não só tornam-se mais elevados, como há necessidade de fazermos os processamentos e os procedimentos cada vez mais cedo. E aí deixe-me relevar o papel fundamental que o Ministério da Defesa e a Força Aérea Portuguesa têm feito nesta parceria conjunta com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Costumo dizer, um bocado na brincadeira, mas que tem muito de verdade, que tenho a parte boa, que é construir o sistema, e depois a Força Aérea Portuguesa é que tem de fazer todo o processo contratual, que é um processo complicado, é um processo que tem que obrigatoriamente gerar muito trabalho desse processo de procurement, ou de ir à procura desses meios no mercado europeu. Portanto, há ligeiras flutuações. Lembro-me, por exemplo, o ano passado, nesta altura, estávamos com 68 meios aéreos já contratualizados, este ano já temos 70 contratualizados. 


O ano passado tínhamos um teto para 72 meios aéreos, este ano ainda temos um teto negocial para 76 meios aéreos, mas andará muito à volta desta questão. É um trabalho que continua a haver e que inclui não só a tutela política, neste caso do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Defesa, mas sobretudo a Força Aérea, que tem aqui a fatia de leão do trabalho de contratualizar estes meios, e da Proteção Civil depois para utilizar aquilo que é uma das maiores frotas aéreas que existem, que são 70 meios aéreos neste momento já contratualizados.


Já estão contratualizados e já estão confirmados?


Esses 70 já estão confirmados. Com estes já podemos contar. O que releva para aquela questão importante, que foi precisamente um dos fatores críticos do sucesso de 2023, termos esta disponibilidade de meios aéreos que nos permitiu, nos incêndios nascentes, ter uma capacidade de descarga de água e de combate muito elevado e que nos deu a campanha mais relevante dos últimos anos da Proteção Civil. 


E como é que se adaptaram ou se vão adaptar ao facto de todas as previsões apontarem para que este verão volte a ser muito quente? Há aqui uma projeção de uma agência meteorológica de Espanha que diz que há uma probabilidade muito elevada, de 70% a 100%, de que as temperaturas subam muito acima do normal em Portugal, em Espanha e no sul da Europa. Vão ser situações de novo excecionais. Quais são as medidas excecionais que vocês têm previstas?


Já assistimos a estas medidas excecionais pelo menos desde 2019. Em 2018, quando assumi o Comando Nacional, ainda, digamos, tinha pouca experiência para fazer a correlação de todos estes dados que atualmente estão em cima da mesa, mas o robustecimento, e se se lembrar da estrutura que de resposta que tínhamos em 2018 e 2019 e vir a estrutura de resposta que temos agora, esta agora é muito mais robusta devido a quê? A esses incrementos que temos feito até chegarmos a este valor que atualmente temos, que é um valor que nos parece razoável. Tem de haver sempre aqui um balanceamento entre a despesa feita e o produto operacional que se gera, porque senão eu diria que queria ter 300 meios aéreos e queria ter 300 mil bombeiros. 


Não é isso que é possível, primeiro porque não os há e segundo porque temos de trabalhar com aquilo que é um recurso escasso, que é um recurso financeiro. E como gestor público, aquilo que me é exigido é que seja extremamente rigoroso na forma como gasto o dinheiro público, aliás, mais rigoroso do que gasto o meu próprio dinheiro. E, nessa perspetiva, aquilo que temos feito, principalmente desde 2019 até agora, redundam neste dispositivo que é estável. Relativamente ao aumento das temperaturas, é uma situação que temos verificado, aliás, 2023 foi o ano mais quente dos últimos anos e não invalidou a campanha que tivemos, que foi uma campanha com grande sucesso e com grandes resultados. 


Mas o sucesso não advém das temperaturas, o sucesso advém do trabalho de prevenção que foi feito. Aliás, se me perguntassem a quem é que daria os parabéns pela campanha de 2023, eu diria ao povo português, unicamente. 


Pela primeira vez foi atingido uma relação de orçamento de 60% para a prevenção e 40% para o combate, o que foi um feito inédito.


Sim, e é uma questão fundamental do Estado português e, mais uma vez, isto tem a ver com a forma como são geridos estes dinheiros públicos. Em 2018, o orçamento para o combate era 80% e para a prevenção eram 20%. Conseguimos o break-even em 2022 com 50%. E em 2023 já conseguimos ter, sem diminuir nunca o orçamento do combate, isto é importante que se diga, sem diminuir o orçamento. Há um aumento, mas este aumento também não pode ser eterno. Por isso é que digo, o sistema que temos é um sistema que me garante resposta, que garante segurança e que garante a capacidade de lidarmos, mesmo com esses dias mais extremos de calor. Como disse também há bocado, a mim não me preocupa a temperatura, a mim não me preocupa na perspetiva de responsável da Proteção Civil. Preocupa-me como cidadão, mas não na perspetiva de responsável da Proteção Civil. Não me preocupa que a temperatura média de 2024 venha a ser um grau e meio superior, por exemplo, a 2023. 


Isso não muda o que está planeado neste momento?


Não. O que me preocupa é que nesse período do verão haja períodos de 10 e 12 dias com a temperatura muito alta e com um grande regime de seca. E aí é que o sistema entra em stress. 


TSF

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