Natural da Azambuja, uma vila situada na margem direita do Rio Tejo, Isilda Patrício era muito jovem quando começou a trabalhar para ajudar a família. “O meu primeiro trabalho foi na casa de uma senhora que, uns anos mais tarde, foi minha madrinha de casamento. Estive lá entre os 14 e os 17 anos, depois fui trabalhar para um armazém de vinhos”, recorda Isilda Patrício, antes de explicar o motivo pelo qual foi forçada a reformar-se precocemente aos 38 anos.
“O meu trabalho era engarrafar vinho, mas como tenho muito má circulação de sangue, as mãos ficavam cheias de frieiras. Andava sempre com ligaduras nas mãos. Um dia, quando estava a encher garrafões, apareceram dois senhores da inspeção do trabalho ao pé de mim e um deles perguntou-me o que tinha nas mãos. Disse que eram frieiras da má circulação sanguínea. Eles pediram para desenrolar as ligaduras e as mãos estavam em carne viva. Foram falar com o meu patrão e disseram que eu tinha de ir para a reforma, pois não podia fazer aquele serviço com as mãos assim”. Apesar da reforma por invalidez, Isilda Patrício não se sentia inválida para trabalhar e muito menos para ajudar quem mais precisa. Foi assim que, em 1975, surgiu a oportunidade de ingressar no Corpo de Bombeiros Voluntários de Azambuja.
“Um casal amigo, ambos bombeiros, convidou-me para me juntar à corporação. Eu disse que não percebia nada de bombeiros e que só podia ir se fossem falar com o meu marido. Depois de lhe explicarem que podia ficar descansado porque a mulher estava bem entregue, o meu marido lá acabou por concordar”, conta Isilda Patrício, num testemunho do tempo em que havia muito poucas mulheres bombeiras em Portugal.
Os primeiros anos ao serviço dos bombeiros da sua terra foram dedicados ao acompanhamento de doentes às consultas ou urgências. “Gostava de andar com os doentes para trás e para a frente, mas um dia disseram que tinha de ir para os fogos”, diz a bombeira, acrescentando que, “de início, não queria ir, mas depois comecei a ir e gostei”. Ao longo do seu percurso como bombeira voluntária, Isilda Patrício foi chamada para combater inúmeros incêndios, mas há um que nunca lhe sairá da memória. “Fomos para um incêndio nas Virtudes, uma aldeia aqui perto. Ia em cima do carro para ver melhor e, de repente, vi que estávamos a ficar cercados pelo fogo. Avisei o motorista e ele decidiu ir para a linha de comboio, onde não havia mato. Só tínhamos o carro para nos proteger do fogo. Encostámo-nos ao carro com as agulhetas apontadas para o fogo. Foi um pavor! Ninguém calcula o que é o fogo a chegar ao pé de nós”, recorda a bombeira, concluindo: “Ninguém se magoou, graças a Deus”.
No combate aos fogos, Isilda Patrício era responsável por puxar a mangueira em direção ao foco de incêndio. “Éramos três pessoas a agarrar a mangueira. O bombeiro que manobrava a agulheta, de caras para o fogo; o ‘ajudante de agulheta’ e o terceiro elemento na linha de mangueira, que era a minha função”, explica, lembrando que, embora tenha sempre cumprido com o seu dever de bombeira, “tinha muito medo de agarrar uma cobra quando ia puxar a mangueira do chão”. Além dos inúmeros incêndios e acidentes em que interveio, Isilda Patrício também prestou muitos serviços como parteira, ajudando a trazer ao mundo dezenas de crianças. “Depois de ir para os fogos, comecei a fazer tudo. E nunca me negava. Morava aqui perto e iam-me chamar a casa. A ambulância passava à minha porta. Estava sempre de serviço”, diz a bombeira, com um sorriso de orgulho estampado no rosto. A única altura em que foi obrigada a parar, além dos tempos da pandemia, foi há 26 anos, quando um acidente lhe causou uma fratura exposta.
“O carro dos bombeiros capotou quando íamos para um acidente na Ota. Eu caí bem, o problema foi que uma motobomba de ferro caiu em cima do meu pé. Estive quase um ano internada”, lembra, confessando ter-lhe custado muito estar tanto tempo afastada dos bombeiros. Até atingir a idade da reforma, altura em que passou ao quadro de honra da corporação, Isilda Patrício colocou a sua vida em risco para ajudar os outros. Depois disso, pediu para continuar e, 17 anos depois, ainda acompanha doentes não urgentes em veículos onde é apenas necessária a presença do motorista. Apesar de já não prestar missões de proteção e socorro, a bombeira dá aos doentes “carinho e amor”, fazendo o “máximo possível para que não se sintam doentes”.
Com 84 anos acabados de fazer, Isilda Patrício não hesita em afirmar ser “a bombeira mais antiga do país”. Apesar da idade, recusa-se a ficar em casa e os seus dias começam bem cedo. “Venho às 8h30 para o quartel e fico à espera que me chamem para um serviço. Às vezes, estou até às 20h30 a fazer serviços. Outras vezes, terminam mais cedo”, diz a bombeira, que gosta de fazer sopa de letras enquanto espera pela próxima missão. “A minha filha, às vezes, diz-me: ‘Será que não está na altura de parares e descansares?’. Eu digo: ‘Oh filha, enquanto eu puder, deixa-me andar’. Não tenho feitio para estar parada”, conclui, antes de mostrar a Medalha de Honra e Mérito, atribuída pela Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Azambuja aquando da sua entrada no quadro de honra. Quando questionada sobre o que é necessário para ser um bom bombeiro, Isilda Patrício responde: “É preciso ter isto”, enquanto aponta para o coração.
“Quando vejo alguém a precisar de ajuda, corro logo para ajudar”, afirma a bombeira de primeira com quase meio século ao serviço da comunidade. “Gosto muito de ser bombeira. Sinto-me feliz aqui, esta é a minha segunda casa”, diz Isilda Patrício, referindo-se ao quartel do Corpo de Bombeiros Voluntários de Azambuja. A bombeira voluntária vai continuar a vestir a farda com o mesmo orgulho de sempre, dignificando o nome da associação que representa há quase 50 anos.
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