Só Assim Faz Sentido Ser Bombeiro - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 15 de março de 2021

Só Assim Faz Sentido Ser Bombeiro

 


28 anos de vida de bombeiro, 18 de bombeiro profissional, 7 deles dedicados em quase exclusividade à emergência pré-hospitalar, com umas pausas sabáticas no meio para sujar botas no mato, palmilhando quilómetros por cada brasa acesa, noites mal deitadas e dias sem dormir, jantar na ceia, almoçar no lanche, outras vezes sem comer para afugentar o carboidrato, sangue na roupa, midriases fixas, choques recomendados, choques não recomendados, ciclos repetidos, apoio diferenciado, papa de açúcar na bochecha, vomito sem conta, o alcoólico chato, enfim, milhares de casos clínicos, muitos sem qualquer aventura, outros repletos de adrenalina, outros que guardamos para a vida do quadro de honra para encher de histórias, repetitivamente, os estagiários promovidos.


Essa é a esfera armilar da vida de bombeiro. Mas ser bombeiro é muito mais do que isso: 


Ser bombeiro é ter o dom certo de saber dar amor, ao seu semelhante desconhecido, algo tão precioso, raro e difícil de encontrar;


É ter a coragem de pegar na mão sem luva e dizer “agarre-se a mim” para sentar ou para descer;


É passar a mão no cabelo grisalho e fustigado pela vida, dizer “vai ficar tudo bem”, mesmo que o sentido da expressão não faça sentido nenhum; 


É olhar na profundidade das rugas da vida e dizer convicto, “tem uns olhos muito bonitos” devolvendo um sorriso com um brilho no olhar; 


É entrar sempre confiante, mesmo que o caso deixe as pernas bambas e a cabeça confusa; 


É ver o último suspiro da vida passar pelo rosto e tentar lutar para ser o herói do dia, mesmo que o mais certo para todos fosse deixar ir em paz;


É ser assertivo no discurso. 


É ser positivo na vida. 


É não julgar ninguém. 


Mas não “são só rosas senhores”. 


Ser bombeiro também é dizer um “foda-se” quando acaba a água, é mandar um “despacha-te 🤬”  quando falta um lanço de mangueira para os últimos 20 metros, é repetir incansavelmente um “vamos, vamos, vamos” enquanto a ferramenta do Desencarceramento abre e fecha, é o ouvir e dizer no carro que quase voa “equipa-te que vais entrar”, é ter a coragem de dizer “não consigo”, é ser bravo para dizer “tenho medo”, é sentir que à nossa volta coabitam heróis de ocorrências que naquele momento, naquele exacto momento, souberam ter a solução da dificuldade, é relembrar todos os PowerPoints formativos na procura da resposta, é olhar na cara do colega procurando confiança, é sentir um pânico mas não poder fugir, é reagir impulsivamente, é entrar no carro desfeito para fazer uma imobilização da cervical perdida desde o embate... 


Nunca fui Bombeiro sozinho, e sozinho, a sombra que faço, não ajuda ninguém... 


Ser bombeiro é muito mais do que isto, mas isto explica também, porque somos tão poucos.


Rafa Almeida

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