O meu nome é "Paulo", tenho 48 anos, sou bombeiro desde os 20, e sou assalariado desde os meus 28 anos, sou casado e tenho 3 filhos.
Pensei muitas vezes se deveria enviar este texto ou não, mas decidi fazê-lo por todos aqueles que sei que sentem o mesmo que eu, só se fala em Covid, em vacinas, em confinamento, no fundo tem sido assim todos os dias nos últimos meses.
O que vos vou aqui contar não é nada mais daquilo que sinto enquanto bombeiro, enquanto homem, enquanto marido e pai, o que vos vou aqui contar, é um conjunto de sentimentos que nos consomem por dentro, que moem, e que tenho a certeza que infelizmente vão deixar marcas.
Todos nós sabemos o quanto é perigoso este maldito vírus, sabemos o que devemos fazer para o combater, para prevenir a sua propagação, para nos protegermos a nós próprios e acima de tudo para protegermos aqueles que mais amamos.
Mas de uma coisa ninguém fala, as marcas psicológicas que tudo isto tem deixado em nós.
Será que alguém imagina o receio que é todos os dias transportarmos doentes Covid e no final do dia regressar a casa para junto da nossa família, esposa, filhos, pai, mãe e ficar de coração apertado só de imaginar que podemos estar infetados sem saber e indiretamente estarmos a infetar aqueles que mais amamos? Será que alguém imagina os danos que isto nos provoca psicologicamente?
Neste ultimo ano, já passamos mais tempo fechados em casa do que alguns condenados a prisão domiciliária.
Neste momento a minha rotina é sair de casa e ir trabalhar, e sair do trabalho e ir para casa, com exceção de fazer as compras normais para casa quando assim é necessário.
Nunca nos meus piores sonhos pensei que algum dia tivéssemos de viver uma situação destas, manter os nossos filhos "fechados" em casa como se lá fora estivesse a acontecer uma verdadeira guerra mundial, sair do trabalho e ter de ir diretamente para casa como se não existisse mais nada pelo caminho.
No fundo, vivemos tempos de guerra, vivemos tempos de incerteza, queremos acreditar que no final vai ficar tudo bem, mas infelizmente cada vez mais me custa acreditar nisso.
Já pensei em desistir desta vida louca que é neste momento ser bombeiro, mas tenho a perfeita noção que neste momento não me posso dar a esse "luxo", pois os dias que se vivem são de mais incertezas do que certezas.
Temos sido esquecidos em todas as vertentes, todos os anos no verão, são promessas atrás de promessas que ficam por cumprir, e agora com esta pandemia, somos literalmente "carne para canhão", esquecidos como sempre, atirados para últimos da fila no que concede a ser vacinados.
Mas mesmo assim, com ou sem vacina, lá vamos nós, sempre ao encontro daqueles que precisam de auxilio, sempre que precisam de socorro.
Esta doença que ninguém teima em falar deixa-nos danos que nem damos conta, pois quando nos perguntam se precisamos de alguma coisa, dizemos sempre que está tudo bem, quando na verdade não está.
Ficamos sempre a pensar se seremos os próximos, se vamos ter muitos sintomas, se vamos precisar de recorrer a um hospital, se precisaremos de internamento, se teremos de ir para os cuidados intensivos, e até nos passa pela cabeça se seremos a próxima vitima mortal deste maldito vírus.
Na verdade não temo ficar infetado por mim, mas sim pelos meus, pois nunca sei se os poderei estar a infetar involuntariamente.
Acho que fico por aqui, pois penso que este texto já vai longo, quero acreditar que no final tudo vai ficar bem, mas infelizmente não consigo, porque muito honestamente, no final, vamos é ficar todos "loucos" da cabeça, sim penso que o termo certo é mesmo este, "loucos", mas continuamos a dizer que está tudo bem... e enquanto isso ainda continuamos aguardar pelas tão faladas vacinas que pelos vistos começam a ser administradas "para a semana", só falta saber qual semana.
Texto enviado por um bombeiro que solicitou anonimato.
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