Venho deixar a minha opinião em relação à linha da frente que pertenci desde Março até ao dia em que fiquei também infetado pelo Covid-19.
Em Março passado a Corporação a que me orgulho pertencer desde os meus 9 anos de idade, os Bombeiros Voluntários de Penacova, em primeiro como Infante na Fanfarra e mais tarde, nos meus 14 anos como cadete e até aos dias de hoje me orgulho pertencer.
A minha Corporação em Março, foi pioneira no meu distrito a fechar o seu quartel para a pandemia, com equipas mistas compostas por 12 elementos asseguraram toda a atividade operacional, 24h e durante 15 dias, período que correu entre 3 equipas até Julho último.
Assim que as medidas de confinamento começaram a baixar, porque os números eram indicadores de melhorias significativas, mantiveram sempre a cautela de em cada serviço efetuado serem devidamente utilizados os E.P.I., disponíveis em cada ocorrência, de modo assim a evitar possíveis infeções entre os operacionais.
A partir de Outubro os números de ocorrências por infeção de covid-19 e suspeitas começavam a subir, as medidas mantiveram-se desleixadas na mesma, um pouco aquém dos números que começavam a subir significativamente, em Novembro e sobretudo em Dezembro tudo se complicou, apesar das nossas cautelas e precauções sempre se manterem ao máximo, o número acrescido de ocorrências e sobretudo o tempo de espera na porta dos Hospitais, adivinhava uma situação grave que rapidamente ultrapassou os limites e colapsou, quer do socorro quer dos seus operacionais que empenhadamente continuavam na frente da linha da frente, cada vez mais exaustos e fatigados, pelo cansaço e pela impotência de nada puderem fazerem para salvar aqueles que levavam e que eram os seus protetores.
Eu próprio com a minha avó dentro de uma ambulância, tal e qual como dezenas de outros doentes, me sentia "culpado" pelo desespero de não a puder desviar para outro serviço de urgência, uma vez que nessa altura ainda não estava infetada, tal e qual como o teste efetuado comprovou estar negativa, pelo covid-19, mas tinha que dar entrada na unidade hospitalar de referência covid-19 por apresentar um quadro de dispneia, associado a um quadro cardíaco, provocado pelo antecedente de "estenose severa da aorta".
Uns dias depois, tenho a certeza que depois da exposição em que foi sujeita entre doentes já infetados, e outros com fortes suspeitas de estarem, acabou ela por também ficar infetada.
Nessas semanas primeiras do ano novo, foram para mim de grande e difícil trabalho, tudo era cada dia mais duro, os horários eram ultrapassados ao limite, saia de casa de manhã cedo, entrava de novo já de noite e muitas das vezes, com fome, fome porque eram longas as horas sem comer, mas fome sobretudo de ver e abraçar os meus filhos, corríamos de uns serviços para os outros, sempre com as precauções e E.P.I. necessários disponíveis sobretudo pela direção da minha Associação que fazia um esforço financeiro tremendo, para que nada nos falhasse e até hoje assim se mantém.
A vacina teimava em não aparecer entre os Bombeiros, os Bombeiros começavam a sentir medo, e cansaço extremo. Medo do "bicho", medo do próximo capítulo, mas medo sobretudo de vir para casa e infetar a minha família, os meus filhos pequeninos e esposa.
Infelizmente e como disse anteriormente a minha suspeita aconteceu, a minha avó teria ficado infetada, acabando por falecer dias mais tarde e numa ida, com sintomatologia já aguda, falecer no Hospital dos Covões, nesse dia que recebi a triste noticia, eu mesmo nessa noite, e depois de mais 36 horas de serviço, operacional, tive no mesmo hospital, com um doente suspeito de covid-19, em estado considerável muito grave, 4 horas dentro da ambulância a tentar segurar a vida de mais um cidadão.
Nesse dia e após ir reconhecer o corpo da minha avó, e proceder aos trâmites legais para a realização do funeral, comecei a sentir perda de paladar súbito, foi nesse dia ainda que recorri aos Bombeiros, e efetuei o teste de zaragatoa rápida, o qual detetou precocemente a minha infeção pelo covid-19.
Hoje o meu receio e medo, mas sobretudo preocupação é o mesmo, acabei por infetar os meus aqui em casa, eles que sofrem com as minhas constantes ausências, agora a sofrer com a minha presença, por mais cuidados que tivesse sempre e em cada regresso a casa aconteceu o que mais receava, aquilo que mais temia e não queria, sinto-me como, triste e sobretudo pesaroso, por toda esta situação que lhes proporcionei.
Sinto neste momento um misto de emoções, mas também muita revolta, revolta por um Estado que mais uma vez esqueceu os seus Bombeiros, os seus Soldados, não fomos contemplados por uma vacina numa primeira fase, não fomos contemplados por um simples subsídio de risco, não fomos contemplados até porque nós éramos para estar na segunda linha, e os serviços eram para ser só e apenas aqueles que o INEM não poderia assegurar. Mas nós Bombeiros de Portugal e do mundo acabámos sempre por "dar o corpo às balas", com a abnegação, altruísmo e sobretudo dedicação ao próximo, aos nossos cidadãos, aqueles que nunca iremos abandonar, com ou sem vacina, com ou sem subsídio de risco.
Somos o exército mais barato do mundo, não precisamos de favores, mas sim e só do reconhecimento que nos é de direito e nos teimam em negar.
Força e coragem a Todos os Bombeiros de Portugal.
Um desabafo sentido de um Bombeiro de Portugal e do Mundo.
Paulo Rodrigues
Penacova
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