Bombeiros em Jejum e Turnos Alargados: "Temos de Ser Fortes" - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Bombeiros em Jejum e Turnos Alargados: "Temos de Ser Fortes"

 


Tiago Guiomar cedeu a sua refeição ao doente na maca da ambulância. Acumula horas de trabalho, sem comer – e não esmorece. Em combate contra a Covid-19, os soldados da paz reivindicam vacinação.


Quinze horas de trabalho e dez de jejum depois, Tiago Guiomar chegou a casa. Esfomeado, jantou às duas da manhã de quarta-feira, dia 20, após ter cedido a refeição do hospital a um doente na maca da ambulância. "O senhor ficou contente e aderiu, comeu num instante uma sopa líquida e um puré de legumes", conta à SÁBADO o bombeiro da corporação de Miranda do Corvo. O gesto de altruísmo valeu-lhe o reconhecimento nas redes sociais, através de um vídeo em que se vê o operacional de 29 anos equipado com o fato de proteção individual (EPI) a dar a comida ao paciente, enquanto este aguarda atendimento na urgência da Unidade dos Covões (para suspeitos e infetados pela Covid-19), no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC). 


A noite foi interminável, apesar do seu turno terminar às 20h. Tendo a ocorrência sido ao final da tarde – por diabético, de 80 anos, estar com falta de ar e febre (38,4.º), numa povoação da freguesia de Vila Nova, Miranda do Corvo –, Tiago manteve-se até à resolução do caso. Ou seja, do doente dar entrada na urgência.


Seis ambulâncias à frente 


Chegaram à porta do hospital às 18h50, tinham seis viaturas de emergência à frente. Seguir-se-ia o mesmo número de horas em espera. Após uns minutos, um enfermeiro foi à ambulância fazer a primeira triagem para ter noção da gravidade do caso. A febre já tinha baixado pela medicação. Às 20h10, o hospital distribuiu kits de refeição ligeira aos soldados da paz, mas Tiago abdicou dela: "Notava-se que o senhor estava com fome. Questionei o enfermeiro da pré-triagem se podia fornecer-lhe comida. E dei-lhe." Houve mais duas triagens na ambulância, até o idoso conseguir ter vaga na unidade hospitalar à 1h15. A seguir, Tiago ainda desinfetou a viatura. Só depois foi para casa. 


Há um mês, Tiago temeu o pior: que um doente morresse na maca. Mas foi acudido a tempo pelo hospital de Covões. Há três semanas, registou a maior espera em ambulância. Sete horas lá dentro, sem abandonar a batalha. "Temos de ser fortes, derrotar este vírus. Se alguém está em perigo, a nossa exaustão desaparece", diz.


Poupar na bateria de telemóvel


Os dias dele têm sido intensos, difíceis, sem noção de tempo, nem horas certas para comer, ou telemóvel para distrair nos compassos de espera à porta das urgências. Tiago justifica: "É impossível ver o telemóvel porque temos medo que falte a bateria." Poupa-a para as emergências, não fossem estas a sua missão há 10 anos. Contudo, entre a segunda e terceira vaga da pandemia as ocorrências multiplicam-se. Tiago dá resposta a três ou quatro por dia, sobretudo por suspeitas ou infetados de Covid e dispneias (dificuldades respiratórias).


Em Miranda do Corvo, o comandante Fernando Jorge não para de atender chamadas para falar sobre o episódio de Tiago na noite de dia 19. O gesto espontâneo é sintomático do lema, "na verdadeira linha da frente!", lê-se no Facebook. A corporação conta com 125 bombeiros, 25 deles profissionais e os restantes voluntários. Sendo o mais experiente, Fernando Jorge admite à SÁBADO que a situação que se vive nestes dias não tem paralelo: "Sou bombeiro há 38 anos e comandante há 20. Nunca vi nada assim, as nossas ambulâncias já estiveram na 15.ª posição da fila nas urgências de Covões. Nestas horas, o bombeiro está junto do doente, a quem está a ser administrado oxigénio."


Cerca de 500 infetados


Acontece com alguma regularidade os bombeiros tentarem vários hospitais, até que algum receba o doente em maca da ambulância. Dada a pressão no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros, diz à SÁBADO que os voluntários e profissionais do setor já não lhe reportam tais situações: "Procuram é uma solução." 


Pelas suas estimativas, há cerca de 30.000 bombeiros em Portugal. Destes, 50% pertencem a uma estrutura profissional. Ganham, em média, 750 euros líquidos por mês. Os voluntários são isto mesmo, trabalham por missão. Ambos integram o serviço de socorro permanente à Covid-19. Segundo Jaime Marta Soares, "nas ambulâncias em frente às unidades hospitalares há equipas de profissionais e é rara a vez que não têm voluntários."


Por tudo isto, não é de estranhar que desde o início da pandemia em Portugal, março do ano passado, já tenham sido infetados e em quarentena cerca de 9.500 bombeiros. Atualmente há cerca de 500 positivos, 700 em isolamento e dois morreram por causa do vírus (das corporações de Lisboa e Alverca).


Não incluídos nas primeiras vacinas 


O representante do setor explica as carências: "Muitas vezes é por não terem os equipamentos de proteção individual, que reclamamos junto do ministério da Saúde, do INEM, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Felizmente algumas associações humanitárias endividam-se e compram equipamentos, temos recebido apoios da Ordem dos Médicos." 


À escassez de meios, soma-se a falta de vacinas. "Devíamos ser vacinados. Só dez foram, de um resto de stock. Queremos por direito próprio uma vacinação programada no espaço e no tempo, com todo o caráter de urgência", reivindica Jaime Marta Soares. Na terça-feira, dia 19, a secretária de Estado da Administração Interna (Patrícia Gaspar) e o coordenador da task force do plano de vacinação contra a Covid-19 (Francisco Ramos) abordaram o assunto com o representante: "Informaram-me que estavam à espera de 96 mil vacinas nesta tranche e só chegaram 48 mil. Não me dando garantias absolutas do início de vacinação durante o mês de fevereiro, o que lamentamos profundamente." 


Igualmente indignado, Carlos Jaime (comandante da corporação do Dafundo) reforça: "Os bombeiros já deviam estar a ser vacinados há muito tempo, juntamente com os médicos e enfermeiros. Quem vai lá buscar as pessoas a casa, com Covid-19, é o nosso pessoal. Entram heroicamente com os fatos EPI. Já recebemos 2.500 fatos desde o início da pandemia da Câmara de Oeiras. Se não fosse a câmara estávamos desgraçados da vida."


Fonte: Sábado

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