Na quarta-feira, o INEM foi chamado para transportar uma mulher em trabalho de parto para o hospital, mas a equipa teve de contactar vários hospitais para encontrar quem a recebesse. Na semana passada, não foi a única situação. A falta de obstetras na capital continua a fazer-se sentir e deve agravar-se durante o Natal, quando há menos profissionais disponíveis.
Uma grávida em trabalho de parto na zona metropolitana de Lisboa chamou o INEM, na passada quarta-feira, para a levar para o hospital. O Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM contactou os hospitais de Loures, Amadora-Sintra, Santa Maria, Vila Franca de Xira e a Maternidade Alfredo da Costa para encaminhar a mulher. Estavam todos em contingência (assinalados com serviços mínimos naquela altura) ou com as salas de parto ocupadas. Depois de nenhuma das unidades de saúde ter demonstrado disponibilidade para a receber, a grávida acabou por ser encaminhada para o primeiro hospital contactado, o de Loures.
"Estávamos todos em contingência ou sem salas de parto disponíveis. Esta semana aconteceu, mais do que uma vez, não termos capacidade para receber mais uma grávida", diz fonte do Hospital Fernando Fonseca (mais conhecido por Amadora-Sintra), que acompanhou de perto a situação. "As escalas do Amadora-Sintra estão muito difíceis e têm estado vários dias em contingência, ou seja, não cumprem o número mínimo de profissionais recomendados pela Ordem dos Médicos. Temos as portas abertas, mas as grávidas não são encaminhadas pelo CODU, que as tenta desviar para serviços com melhor resposta".
A mesma fonte indica que as escalas continuarão a ter três médicos, em vez dos cinco aconselhados pela Ordem como mínimo de segurança, durante as próximas semanas, nomeadamente, nos dias 26 a 29 e no dia 31 de dezembro. O DN questionou a unidade de saúde sobre este caso, mas não obteve resposta em tempo útil.
Todos os hospitais acima referidos receberam perguntas do DN sobre o dia de quarta-feira e a quantidade de médicos que têm em escala para a próxima semana. Apenas o Santa Maria respondeu para dizer que tem todos os dias preenchidos com cinco ou quatro médicos, admitindo, no entanto, constrangimentos, durante alguns períodos de tempo, como aconteceu na quarta-feira. "A elaboração dos turnos teve um acompanhamento constante para garantir que há uma dotação adequada das equipas, de preferência com o recurso aos quadros do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Podemos assegurar que, em geral, essa dotação está garantida no resto do mês de dezembro e início de janeiro".
A situação nas maternidades não é nova, é aliás recorrente por falta de obstetras, mas é agravada pela altura do ano. No natal, há mais médicos de férias e maior dificuldade em contratar prestadores de serviços. "Pode criar uma tempestade perfeita", resume o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Noel Carrilho. "Os serviços que já estão deficitários por ocasião das festas de natal podem complicar-se ainda mais".
"Os períodos de férias e de natal são sempre muito críticos, como foi no ano passado. Tenho informação de vários prestadores de serviços a pedir médicos, mas não tenho visto grande adesão a estes anúncios. As empresas [de tarefeiros] não têm médicos nesta altura, porque estes só aparecem se lhes compensar. Quem veste a camisola são os profissionais dos hospitais. Há vários médicos de férias que vão estar a trabalhar nos dias 24 e 25. Ainda hoje falei com duas médicas que estão de férias dez dias, mas que vão interromper para fazer os dias de natal e de ano novo. É espírito de causa", refere Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção regional do Sul da Ordem dos Médicos.
Problema estrutural
As maternidades de Lisboa fazem em média, por dia, 29 partos e recebem 213 urgências, segundo dados da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARLVT), divulgados em agosto. Altura em que chegou a ser colocada a hipótese de as urgências das maternidades da capital serem obrigadas a encerrar rotativamente, o que não chegou a acontecer. Desde então, a falta de ginecologistas e obstetras de norte a sul do país não diminuiu. Das 31 vagas abertas para recém-especialistas no verão, só 14 foram preenchidas. E o natal relembra as preocupações.
"Nas maternidades que eu tenho estado a visitar, os médicos estão todos conscientes disto e estão apostos para darem o seu melhor, mas há pessoas de férias. Quando há um problema numa maternidade as outras são suficientemente elásticas para colmatar isso é uma coisa, mas agora há problemas em várias ao mesmo tempo. Esperemos que não haja um pico de nascimentos ou de complicações", diz Alexandre Valentim Lourenço, que defende uma restruturação das maternidades. "Esperemos que o novo Orçamento do Estado tenha medidas que permitam resolver este problema estrutural de uma vez por todas".
O Orçamento do Estado de 2020, apresentado na passada segunda-feira, prevê um aumento de 941 milhões de euros para a saúde face ao de 2019. Neste valor está incluído um reforço de 8 400 profissionais (enfermeiros, médicos, assistentes operacionais...) até 2021, melhores compensações nas horas extras e a redução gradual do recurso a empresas de trabalho temporário. Mas Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, fala "propaganda do Governo", lembrando que "se estes médicos [obstetras] fossem pedir escusa médica, como aconteceu na pediatria, paralisavam os serviços. Na generalidade dos hospitais de Lisboa, as escalas estão todas abaixo daquilo que é recomendado. O que acontece nas escalas do Hospital São Francisco Xavier é que não há sequer nenhum dia em que tenha os cinco [especialistas recomendados] e há muitos dias com três. Esta semana chegou mesmo a haver mais três grávidas no hospital do que camas".
Fonte: DN
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