O centro do país está de novo a arder. As temperaturas mais estivais do fim de semana, o vento forte e a secura da vegetação favoreceram a rápida propagação do incêndio que começou no sábado, no concelho de Vila de Rei, e depressa se propagou ao concelho vizinho de Mação. A situação mantinha-se grave na noite deste domingo, segundo a Proteção Civil, que confirmou um número ainda não determinado de casas atingidas pelas chamas.
A Sertã foi igualmente palco de um fogo de grandes proporções. A Polícia Judiciária recolheu indícios de que este incêndio, dado como dominado ao início da noite deste domingo, terá sido originado por fogo posto.
Mais grave, o incêndio em Vila de Rei e Mação chegou a ter frentes descontroladas na tarde deste domingo. Houve mais de uma dezena de aldeias ameaçadas e em algumas delas houve casas destruídas, embora essa contabilidade não esteja ainda feita. A praia fluvial de Cardigos, em Mação, teve de ser evacuada devido à rápida aproximação do fogo.
Pelo menos 30 pessoas ficaram feridas em consequência dos incêndios deste fim de semana na região centro do país. Um ferido está internado no Hospital de São José, em Lisboa, em estado grave.
"Em Vila de Rei e Mação está a arder o que não ardeu em 2017 e 2018", afirmou ao DN Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor e presidente da associação cívica Acréscimo, dedicada às questões florestais, sublinhando que "as regiões do centro do país são ciclicamente afetadas por incêndios florestais". Este é um fenómeno que repete ano após ano, desde há décadas, e os motivos são bem conhecidos - o diagnóstico está feito há muito.
"É preciso mudar a floresta e repovoar o interior"
Uma dos problemas de base é a própria floresta dominante na região, "feita de eucaliptos, pinheiros-bravos e matos altos", numa mancha contínua que acaba por propagar o fogo com grande rapidez. Mas essa não é a única questão. "O despovoamento do território é outro fator decisivo", sublinha Paulo Pimenta de Castro.
"O maior número de ignições ocorre nas zonas mais densamente povoadas, o que favorece o alerta rápido, para combater e extinguir o fogo", explica o especialista. Nas regiões onde vive pouca gente, "o alarme só ocorre quando já é visível uma coluna de fumo e, nessa altura, já o incêndio atingiu proporções que tornam muito difícil debelá-lo".
Com o despovoamento do território, por outro lado, a agricultura e o pastoreio foram abandonados, ou escasseiam, o que favorece mais ainda a mancha contínua de vegetação. "As ações de prevenção, com a limpeza de faixas de 10 metros junto aos caminhos, de 50 metros em redor das casas e de cem metros junto dos povoados, não são suficientes", afirma Paulo Pimenta de Castro. "Se houvesse atividade agrícola e pastoreio, esses mosaicos de descontinuidade existiriam naturalmente e seriam ao mesmo tempo uma fonte de riqueza para as populações", sublinha.
A solução para o problema dos incêndios que cronicamente atingem a região centro e norte interior do país, e que tenderão a tornar-se mais violentos e incontroláveis no contexto das alterações climáticas, com mais secas e ondas de calor no horizonte, "terá de passar por uma mudança na floresta e por políticas de repovoamento do interior", afirma o engenheiro silvicultor.
"As florestas nessas regiões deveriam ser de espécies folhosas e não de eucaliptos e pinheiro-bravo, que são muito combustíveis e favorecem a propagação das chamas", defende. "Um eucalipto a arder emite projeções, ou seja matéria incandescente, a três quilómetros de distância e, se estiver vento, a mais distância ainda, e o pinheiro-bravo pode ir até um quilómetro, provocando ignições a grande distância", explica.
Nos últimos anos, porém, "a expansão dos eucaliptos não parou de crescer naquela região, e há zonas onde estão misturados com pinheiros-bravos, o que denota uma má gestão florestal", nota o especialista
Pelo menos 10 mil hectares ardidos
Também para Xavier Viegas, que lidera o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, a limpeza de faixas de terreno para a redução de combustível nas áreas florestadas não estão ainda no ponto desejável.
"Infelizmente continua a faltar aquele trabalho de estrutura de preparação da nossa floresta para estas realidades de criação de mais faixas de gestão de combustíveis", afirmou o investigador à Lusa, sublinhando a necessidade de "mais redução de combustíveis em zonas críticas que permita aos bombeiros, em grandes incêndios como estes, terem zonas de defesa para poderem estrategicamente antecipar e pensar: 'nós temos hipóteses de travar o fogo aqui'.
Membro, também, do Observatório Técnico Independente sobre os fogos criado pelo parlamento, Xavier Viegas diz não partilhar da opinião de "que não se aprendeu nada com 2017". Nos últimos dois anos, na sua opinião, a população passou a estar mais sensibilizada para o problema dos fogos e os meios de combate estão melhor preparados ao nível do treino, equipamento e formação.
"Não quer isto dizer que esteja tudo feito, nomeadamente quanto à população e à sua sensibilização. Há muita coisa que tem de ser feita, como a melhoria da sua prevenção e segurança", precisou, referindo que, "por enquanto, ainda não se pode comparar" os incêndios que lavram desde sábado nos distritos de Castelo de Branco e Santarém aos de 2017, em que morreram mais de 100 pessoas.
O especialista estima que este fim de semana já arderam mais de 10 mil hectares nos concelhos da Sertã, Vila de Rei e Mação.
Fonte: Diário de Noticias
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