José Alberto Vitorino tem 68 anos, já foi comandante das corporações de Almeirim, Santarém e Salvaterra e sem papas na língua faz uma avaliação do estado a que chegou a proteção civil e sobre a formação de um bombeiro
A atribuição do Crachá de Mérito e Valor é o reconhecimento público de uma vida ao serviço dos outros?
Não estava à espera desta condecoração. É o reconhecimento de uma vida de trabalho. Entrei para os Bombeiros em 1968, em Almeirim. Fiz o serviço militar, sempre dedicado ao socorrismo, e logo a seguir convidaram-me para ser ajudante de comando em 1974, pouco antes do 25 de abril. A partir daí estive sempre ligado ao comando , como ajudante e como comandante. Passaram pelas minhas mãos várias gerações de bombeiros. Eu tinha sempre muitos jovens na corporação e até foi alcunhada de “a corporação dos cachopos”! Fizeram-se homens e elevaram a corporação dos Bombeiros a um patamar operacional que ainda hoje tem um enorme valor e reconhecimento. Hoje têm melhor equipamento, material e apoio. Estive ainda no Comando dos Bombeiros de Santarém, onde ingressei já fazendo parte do Quadro de Honra dos Bombeiros Municipais de Almeirim, e de Salvaterra. Fui coordenador aéreo que me permitiu ter muitas horas de voo e de fogo. Imagine que, no período de verão, fazia uma média de 90 a 120 dias de fogo.
Eu é que tenho de agradecer aos Bombeiros esta oportunidade que me deram de conhecer outros mundos e de ter uma enorme aprendizagem de vida.
E a vida familiar?
A vida familiar ficou sempre para trás! Tenho de agradecer à minha família que me facilitou a vida. Fiz serviço na pista de Proença-a-Nova, na pista de Ferreira d Zêzere, no heliporto do Sardoal e um pouco por todo o país. Tive a oportunidade de encontrar muita gente, veja que até cheguei a encontrar camaradas que estiveram comigo no ultramar!
Que condições tinham os bombeiro noutros tempos?
Em 1968, os Bombeiros tinham um Dodge (que está para reparar). Depois recebemos um Land Rover. O que fazíamos era ir adaptando as viaturas velhas que vinham do exército. A primeira ambulância que tivemos foi uma Peugeot 504. E fazíamos muitos peditórios, aqui nos cruzamentos. Olhe, aproveitávamos até a Feira do Ribatejo, que concentrava por estas bandas muita gente, para esses peditórios. Eu uma vez recebi ordem de prisão para os Bombeiros de Almeirim. Nós precisávamos de fardamento e de equipamento e resolvemos fazer um peditório no cruzamento. O ministro da Administração da altura, Costa Brás, deu ordem de prisão aos bombeiros porque estavam de “farrapilhos” a fazer o peditório! Era o que tínhamos para vestir! Tive logo ordem de prisão porque o senhor resolveu dizer que eu estava a ser mal-educado por estar a discutir. Eu só lhe disse que “se o ministério desse o que devia aos
Bombeiros, não precisávamos de estar a pedir à beira da estrada”!
Tudo evoluiu. Graças à “massa humana” que contribui para melhores condições . A Câmara Municipal também dá um apoio porque percebe que tendo uma Corporação devidamente organizada e operacional possibilita um apoio à população e poupa muito ao erário público.
Enfrentou situações boas e más que o marcaram para sempre?
Várias. Uma vez, na noite de 2 para 3 de agosto de 1981 pensei que íamos morrer todos num incêndio na Chamusca. Salvámo-nos por milagre. Fizemos um corta-fogo que estava a controlar o incêndio que deflagrava, quando chegam os bombeiros da Golegã e começam a fazer outro. Quando quisemos regressar, não conseguimos. Foi um camarada meu, que depois até passou a bombeiro de terceira, que teve serenidade de nos dizer para nos deitarmos no chão. Saímos ilesos! Há o caso, há mais de 30 anos, que nunca mais esqueci e que aconteceu na zona do Cabo com uma menina de 10 anos que aparece ao pé de nós a fugir do fogo. Recolhemos a menina na tenda de campanha. Não esqueço a expressão aflita da menina. Há coisas que não se esquecem. Os familiares apareceram depois porque também já andavam aflitos à procura dela.
Como se formava um bombeiro?
Entrávamos para os bombeiros e andávamos à experiência. Só depois é que éramos integrados nas equipas de intervenção mas como, digamos, observadores. Recebíamos a formação em fogo e socorrido. Foi abismal a evolução: agora há formações específicas em desencarceramento ou em técnicas e práticas de socorrismo, por exemplo, o que aumentou a eficácia do socorro e as capacidades dos bombeiros. Falta matéria prima e humana. Vou acrescentar isto: os meios aéreos são fundamentais na primeira intervenção no combate aos incêndios. O combate ao fogo destes meios evita as proporções trágicas que os incêndios poderiam atingir. Há mesmo zonas do país onde é fundamental. E cá está: os bombeiros perderam esta coordenação a favor dos GIP’S da GNR. Perdeu-se a experiência acumulada ao longo dos anos de alguns coordenadores e de brigadas. Depois passaram para o GIP’S. Formar um bombeiro é um investimento. Pode demorar entre 5 a 10 anos a formar um bombeiro. E tem que se tirar rendimento dessa formação. Perdeu-se muito a experiência adquirida ao longo dos anos pela força especial de bombeiros com a substituição pelas brigadas aerotransportadas. Só daqui a uns anos é que os GIP’S vão ganhar a tal experiência e formação.
Como vê a “agitação” nacional dos bombeiros?
O que eu vejo é houve uma grande falta de respeito para com os bombeiros, mesmo das entidades governamentais. Mas há dois tipos de bombeiros: há os que sabem o que estão a fazer, que prestam serviço desinteressadamente à comunidade e os que não sabem o que andam a fazer. Felizmente, em Almeirim somos um exemplo. Mas houve casos no país de bombeiros que deram azo ao aproveitamento de outras forças de intervenção no socorro.
Os bombeiros deviam ter o respeito de todos e deviam ser ouvidos, coisa que não acontece. Não venham dizer que os Bombeiros precisam de um Comando autónomo… porque já tiveram tudo! Já foram os Bombeiros a coordenar o combate aos fogos, a tomar as decisões, a ser a primeira força de intervenção na prestação do socorro. Talvez por falta de capacidade de algumas pessoas que estiveram na linha da frente desta coordenação, deixaram-se ultrapassar. Mas eu penso que, a pouco e pouco, as pessoas vão tomar consciência que os Bombeiros são a maior força de Proteção Civil, a maior capacidade de chegar primeiro porque são a força que está mais perto da população. Agora são forças profissionais que nunca estarão perto, no terreno. No antigo ANPC (autoridade Nacional de Proteção Civil), foi sempre um bombeiro a estar no Comando Nacional. Depois, por questões políticas, isto mudou. Espero que rapidamente o Comando Nacional volte a estar nas mãos de quem percebe e tem a experiência no terreno.
E agora, Sr. Comandante, o que há a alcançar?
Estou estacionado! Mas não estou parado porque isto é um bichinho e ainda posso ser útil ao serviço dos bombeiros e na comunidade. Posso passar os meus conhecimentos de uma vida!
Fonte: Almeirinense
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