Os Compadrios e as Irregularidades que Assombram os Incêndios em Portugal - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Os Compadrios e as Irregularidades que Assombram os Incêndios em Portugal


2018 chega ao fim e os incêndios de 2017 continuam longe de ser apenas uma triste memória, são, um ano e meio depois, uma realidade ainda trágica para inúmeras famílias, que perderam casas, filhos, amigos, animais, produções, o sustento de uma vida. Há quem ainda não tenha recuperado nada do que perdeu e a TVI testemunhou-o ao longo dos últimos meses, com vários trabalhos emitidos, que denunciaram irregularidades na obtenção de ajudas.

Comecemos pela última investigação de Ana Leal, “Hectares de nada”, relativamente aos incêndios de outubro.

Desta vez a atenção focou-se nos agricultores, que lutam pela sobrevivência, com situações insustentáveis e, inclusive, relatos de fome, porque as ajudas do Governo tardam em chegar ou não chegam para as despesas de quem perdeu tudo. Agricultores que, além de obrigados a endividarem-se para poderem ser ajudados, tiveram de lutar contra a burocracia tecnológica e a incompetência de técnicos do Estado. A TVI obteve documentos que comprovam ter havido incompetência por parte dos técnicos do Estado no preenchimento das candidaturas aos apoios, com listagens de prejuízos preenchidas a zeros.

Regressemos a Pedrógão Grande, onde se multiplicam os escândalos.

Uma vez mais, uma investigação da TVI detetou 30 novos casos suspeitos de casas que arderam em junho de 2017 e que foram reconstruídas ilegalmente. Em causa estão habitações devolutas antes do incêndio, segundas habitações transformadas em residências permanentes, casas construídas de raiz onde antes existiam ruínas, barracões a darem lugar a novas habitações. Um dos mais recentes casos descobertos envolve a prima da vice-presidente da Câmara, Maria Margarida Guedes, e outro um dos mais importantes empreiteiros da região, responsável por grande parte das reconstruções das casas que arderam na tragédia. Casos em que os registos do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e as imagens de street view captadas antes da tragédia não deixam margem para dúvidas.

Já a primeira investigação da TVI às reconstruções de Pedrógão Grande tinha revelado um esquema de compadrio na atribuição de donativos às vítimas dos incêndios. As suspeitas de uso fraudulento de donativos já eram conhecidas, mas a reportagem da TVI mostrou que essas fraudes foram cometidas com o consentimento e com a ajuda de poderes públicos locais. O presidente da Câmara Municipal de Pedrogão Grande, Valdemar Alves, e o então vereador Bruno Gomes sabem, desde o ano passado, da existência de irregularidades no processo que envolveu a atribuição de donativos para a recuperação das casas ardidas.

O objetivo era assegurar que segundas habitações e até mesmo terceiras habitações passassem a figurar como primeiras habitações, de forma a terem acesso aos subsídios que garantissem a recuperação das respetivas casas. Testemunhos inéditos, na primeira pessoa, garantiram que tiveram mesmo indicações para adulterar os processos de candidatura, forjando moradas de residência, com a conivência do poder local. A TVI teve, inclusive, acesso a um documento que comprova que Valdemar Alves geriu como bem entendeu todo o processo de reconstrução das casas, passando por cima das regras que constavam do Fundo Revita. Um documento que contraria tudo o que o autarca sempre afirmou publicamente.

Em entrevista à TVI, o investigador Xavier Viegas, coordenador do relatório independente sobre os incêndios de 2017, revelou as dificuldades que a sua equipa teve em obter informações junto da Câmara de Pedrógão Grande e que, no terreno, encontrou várias irregularidades, como casas devolutas ou de segunda habitação que apareciam declaradas como de primeira habitação.

Na sequência da reportagem "O Compadrio" (parte 1 e parte 2), o Governo reencaminhou para o Ministério Público a investigação das irregularidades reveladas no trabalho da TVI.

Consequentemente, dez pessoas foram constituídas arguidas, todas requerentes de apoio. Uma delas é Augusto Neves, irmão do presidente da Junta de Freguesia de Vila Facaia, que admitiu na reportagem "O Compadrio" ter mentido a pedido do vereador de Pedrógão Grande, para apresentar como casa de primeira habitação um imóvel que estava há muito em ruínas.

Também na sequência desta investigação da Ana Leal, a Polícia Judiciária realizou buscas na câmara de Pedrógão Grande.

Pedrógão e a inocência
Nos dias que se seguiram à transmissão da reportagem, o primeiro-ministro António Costa, admitiu que “apenas duas” das nove denúncias de fraude na reconstrução das casas em Pedrógão Grande “dizem respeito a fundos do Estado”.

Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na reação ao trabalho de investigação da TVI, disse esperar que as denúncias fossem esclarecidas até ao final do ano, com "uma investigação profunda", o que acabou por não acontecer até ao momento.

Só no final de agosto a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR-C), Ana Abrunhosa, remeteu ao Ministério Público os processos suspeitos denunciados pelas reportagens da Visão e da TVI.

Apesar de todas as denúncias, o autarca de Pedrógão Grande recusou sempre a existência de qualquer irregularidade bem como o seu envolvimento em alegadas fraudes. A jornalista da TVI Ana Leal desafiou mesmo Valdemar Alves a mostrar todos os processos. "O senhor presidente sabe que todos os processos foram validados por ele. Por exemplo, o presidente da Junta de Freguesia da Graça recebeu financiamento para a casa da sogra, que vivia com ele. E apresentaram a fatura da eletricidade da casa do próprio presidente. E não considera isto uma irregularidade? É o tal compadrio, porque isto consta em processos que ele assinou por baixo", denunciou.

Só mais tarde, já depois das buscas da Judiciária à Câmara de Pedrógão Grande, é que Valdemar Alves admitiu que pudesse haver "uma ou outra" casa reconstruída que não era de primeira habitação. Ainda assim, após a reportagem "Compadrio", anunciou a saída do Fundo Revita, fundo criado pelo Governo para apoiar as populações e a revitalização das áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017 e que recebeu o contributo de 61 entidades, com donativos em dinheiro, bens e prestação de serviços.

A ex-Procuradora Geral da República chegou a defender a necessidade de uma "atenção especial" a esta investigação, "atendendo à tragédia que esteve subjacente”, mas Joana Marques Vidal foi substituída por Lucília Gago em outubro e, até ao momento, além do número de arguidos, pouco mais se sabe.

Outubro e a máfia do pinhal
Mas as denúncias vão além de Pedrógão Grande. No mesmo ano, 2017, uma segunda tragédia abalou o país, os incêndios de outubro na zona Centro. E muito ficou, uma vez mais, por explicar.

Na reportagem "Ajuste direto", a TVI percorreu os concelhos de Oliveira do Hospital, Seia, Tábua e Arganil, e o que encontrou foi dramático. Em dois destes concelhos ainda nenhuma das casas ardidas tinha sido reconstruída, num processo que levanta muitas dúvidas e da responsabilidade da CCDR Centro, que optou por adjudicar obras por ajuste direto a empresas que terão recebido cerca de 13 milhões de euros.

Numa primeira fase terá sido o presidente da câmara de Oliveira do Hospital, José Carlos Alexandrino. a fazer um convite às quatro maiores empresas de construção do concelho, para reconstrução das casas que tinham ardido. Inexplicavelmente, foram excluídas pela CCDR Centro, para se proceder a um ajuste direto com empresas que nem sequer são de Oliveira do Hospital.  Os empresários preteridos contaram à TVI que não foi apresentado qualquer caderno de encargos e sim uma extensa lista de 240 casas para reconstruir por mais de 12 milhões de euros, sem que tivesse sido feito um levantamento rigoroso.

Ana Abrunhosa, presidente da CCDR Centro, recusou responder às questões da TVI.

Em "A Casa do Vale da Vermelha", em Arganil, a TVI acompanhou uma jovem família, Ana, Nuno e dos dois filhos menores, que regressaram a uma casa que já não existe para se despedirem, pela última vez, de um lugar a onde não querem mais voltar, depois de os incêndios de 15 de outubro de 2017 terem destruído o seu sonho. Uma família que perdeu tudo e que vive, agora, das ajudas da família, de amigos e anónimos, uma família que continua a receber apoio psicológico e que ainda hoje não consegue dormir uma noite inteira.

Por fim, a TVI também recolheu provas de que o incêndio que devastou o Pinhal de Leiria teve mão criminosa e terá sido planeado um mês antes da tragédia, ou seja, em setembro de 2017. Vários madeireiros, entre donos de grandes empresas e donos de fábricas que compram e vendem madeira, estiveram reunidos numa cave de um restaurante para planearem fogos. As reuniões secretas serviram também para acordar os preços da madeira. O histórico pinhal foi armadilhado para arder. Um madeireiro, sob anonimato, admitiu à TVI que se não fosse o incêndio não haveria madeira para cortar devido ao preço elevado.

A última investigação da TVI, transmitida no passado mês de novembro, levantou suspeitas de compadrio entre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e o lobby dos madeireiros. O ICNF está a ser acusado de burla num leilão público de madeira queimada dos incêndios de 2017. Em causa está um lote vendido em hasta pública, que terá sido adulterado já depois de ter sido vendido ao madeireiro que fez a denúncia, levantando suspeições de ter havido favorecimento à chamada máfia do pinhal. Um madeireiro contou à TVI que, dois meses depois de ter comprado o lote, o ICNF esteve no local a marcar árvores que não o estavam na altura em que decorreu o leilão.

Fonte: TVI 24

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