Carta à Ministra Marta Temido Que Chamou os Nossos Heróis de “Criminosos” - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Carta à Ministra Marta Temido Que Chamou os Nossos Heróis de “Criminosos”


Agora que acalmou o momento mais crítico deste fim de semana, venho por este meio agradecer as mensagens e telefonemas de preocupação pelo que passou a equipa INEM do Helicóptero da base de Macedo de Cavaleiros. Não fui eu, mas tal como todos da equipa terão pensado, poderia ter sido. Qualquer um de nós poderia ter sido.

Num dia assim, em que estive algo distanciado das notícias e só agora vou lendo algumas coisas, apercebo-me que a Ministra Marta Temido terá chamado aos enfermeiros “criminosos”. Se a Ministra Marta Temido puder ler as minhas palavras, gostaria de lhe dizer o quanto lamento que a bordo do helicóptero não fosse uma criminosa, talvez esta tragédia trouxesse algo de positivo por esse ponto de vista. Não. A bordo seguia a Enfermeira Daniela Silva, uma profissional jovem com um verdadeiro gosto pela ajuda ao próximo, uma profissional mal paga como todos os outros, mas que não deixava que isso constituísse um obstáculo ao seu profissionalismo e abnegação que também já demonstrará enquanto membro de uma corporação de bombeiros. 

Com ela seguiam os outros membros da equipa, como já toda a gente sabe. Lamento por isso, Senhora Ministra, que apesar do seu doutoramento e extraordinária expertise no assunto que tutela, a senhora não passe de uma simples saloia sem respeito por quem trabalha, um simples pau mandado incapaz de algum dia executar um acto minimamente tão significativo como o que realizaram a Enfermeira Daniela Silva, o Dr Luís Vega, o Comandante João Lima e o Co-piloto Luís Rosindo. Julgo que um saloio não deve dirigir profissionais mais competentes que ele, por isso, Senhora Ministra, faça o favor de arranjar outro emprego.

Há 14 anos que dedico parte da minha actividade profissional à emergência médica pré-hospitalar. Há 8 no helicóptero de Macedo de Cavaleiros, desde a abertura da base. As equipas mudam, vão entrando e saindo pessoas, mas o espírito mantém-se. A solidariedade, a camaradagem, o bom humor, a cumplicidade, vão ajudando a cumprir as tarefas mais difíceis que nos colocam. O meu desejo é que esse espírito se mantenha. E vai manter. Não somos políticos calculistas, somos Profissionais de Saúde e da Aeronáutica. Estamos lá para ajudar uma população durante muitos anos esquecida, que precisa de saber que alguém está lá para os ajudar no que puder, a qualquer hora. Não estamos lá para enriquecer, como muito bem sabe quem lá trabalha. 

Não pertencemos a grupos económicos que investem num negócio milionário chamado Saúde, com o beneplácito deste ou de qualquer governo, simples joguetes beneficiários de um sistema podre que premeia o infractor (não, Senhora Ministra , o infractor não são os enfermeiros ou os médicos, a senhora sabe muito bem por que lutam estas classes essenciais ao nosso país, e sabe muito bem quem são os infractores, ou criminosos, como a sua limitado capacidade empática classifica).

Desde sempre sabe que quem veste a camisola INEM leva na mesma um símbolo maior que nos lembra quem servimos. Nas camisolas vai cosida a bandeira de Portugal, servimos os portugueses. E é com um imenso orgulho que a vestimos.

Não fui eu, não foi nenhum dos que me lê, não foi mas podia ter sido. Fica um estranho consolo, uma estranha sensação de termos enganado a Morte, que tal como no livro de Saramago, não conseguia entregar a carta de aviso ao violoncelista.

Aos que partiram, o meu agradecimento pelo que fizeram, pelo companheirismo, pelo exemplo.

Deixo aqui uma fotografia muito querida que quase sempre todos tiravam nestas incursões nocturnas ao Porto, a partir do Heliporto de Massarelos e olhando o Rio Douro. Esta terá sido também a última paisagem assim contemplada pelos nossos camaradas.

Que descansem em paz.

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