Empresa responsabiliza plano municipal caducado há seis anos. EDP fazia limpeza da floresta com base num regulamento com 25 anos para linhas elétricas.
A EDP Distribuição defende que não podia aplicar a lei para proteção da floresta em Pedrógão Grande, culpando o Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI), que neste concelho estava caducado, à data do fogo, há seis anos.
A explicação está numa comunicação, consultada pela TSF, com data de maio de 2018, enviada ao Ministério Público (MP) pelo gabinete jurídico da empresa e que consta do processo que acabou com 12 acusações, incluindo a dois responsáveis da EDP por falhas na limpeza das árvores e vegetação por baixo da linha de média tensão que esteve, segundo a acusação, na origem das chamas.
Os dois responsáveis, mas não a empresa, foram, cada um, acusados de 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, nomeadamente "por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela linha".
Que legislação aplicava a EDP?
O processo consultado pela TSF revela que uma das preocupações do MP foi perceber que legislação os responsáveis pela limpeza da floresta (a chamada "gestão dos combustíveis") aplicavam nos concelhos afetados pelo fogo mais mortífero da história de Portugal.
Em maio deste ano, o MP pediu à EDP que esclarecesse se usava ou não o PMDFCI de Pedrógão Grande, que é referido várias vezes na acusação e que, como foi noticiado pouco depois do incêndio, estava caducado há anos, apesar de ainda não ter sido possível perceber totalmente porquê .
A resposta chegou num texto de duas páginas em que a EDP começa por explicar as leis que orientam o seu trabalho na gestão dos espaços florestais perto das linhas.
EDP contraria autarquia
A empresa detalha que habitualmente usa o Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão (RSLEAT) de 1992 e o Decreto-Lei de 2006, entretanto atualizado, que define as ações a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.
O problema é que para aplicar o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios seria preciso, segundo a EDP e vários especialistas, que o plano municipal estivesse aprovado, numa interpretação que tem sido contestada pela autarquia de Pedrógão Grande que defende que o antigo plano se mantinha em vigor enquanto o novo não fosse aprovado.
A comunicação da empresa enviada ao MP diz que, "particularizando o caso de Pedrógão Grande, como não existia PMDFCI aprovado em vigor, a EDP Distribuição não foi chamada a propor o planeamento ou a execução de qualquer faixa de gestão de combustível na área do município, como tal a linha existente no local não foi alvo de intervenção ao abrigo do Decreto-Lei 124/2006", ou seja, do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.
A EDP acrescenta que as ações realizadas no local "no ano de 2017 tiveram enquadramento no RSEALT" (o tal regulamento de 1992, com 25 anos, para linhas de alta tensão), destacando que por lei são "os PMDFCI que determinam as áreas e a periodicidade da atuação da empresa para constituição e manutenção das faixas de gestão de combustível associadas à rede de distribuição em alta e média tensão a executar em cada município".
Contactada pela TSF, fonte oficial da empresa apenas acrescenta que "nesta fase consideramos não ser oportuno prestar declarações ou responder a questões relativas ao processo de Pedrógão Grande", mas "a empresa e os seus colaboradores reiteram a convicção que cumpriram todas as obrigações legais que lhe são aplicáveis".
"Só decreto-lei é para proteger a floresta"
João Branco, presidente da Quercus, explica à TSF que o regulamento de 1992 e o decreto-lei de 2006 são semelhantes naquilo que está previsto em termos de gestão dos combustíveis à volta das linhas, mas há diferenças e uma é evidente: só o decreto-lei, o tal que não era aplicado em Pedrógão Grande, "é que realmente é destinado à proteção da floresta contra incêndio; já o regulamento é para proteção da linha".
Além de representante da associação ambientalista, João Branco é engenheiro florestal e já esteve envolvido na elaboração de vários planos municipais de defesa da floresta, admitindo que a argumentação da EDP faz sentido e sublinhando que estes planos são realmente necessários, caso contrário não estariam previstos na legislação.
Na prática, o decreto-lei de 2006, relata o engenheiro florestal, prevê uma faixa de limpeza ligeiramente mais larga que no regulamento de 1992, apesar de haver várias medidas coincidentes, não sendo indiferente usar uma ou outra legislação até porque têm objetivos diferentes.
Autarquia nunca contestou plano de limpeza
Outra parte do processo lido pela TSF apresenta a versão de um dos responsáveis da EDP alvo da acusação do Ministério Público. Em declarações aos autos, Casimiro Pedro explica que o plano municipal em causa "não é exequível em si mesmo, necessitando de um planeamento a apresentar pela entidade responsável pela faixa" de gestão de combustível, algo que a empresa fez num planeamento de limpeza delineado antes do plano municipal caducar em 2011 e que continuou até à data do incêndio em 2017.
A limpeza seria feita em cada zona identificada de quatro em quatro anos, algo que foi sempre feito, como provam os editais de limpeza lançados e assinados pelo presidente da autarquia, com o subdiretor da área de manutenção da zona Centro da EDP a acrescentar que o município "não contestou o planeamento apresentado, nem requereu qualquer alteração".
O agora acusado pelo MP também acrescentou, no entanto, que o caducado PMDFCI de Pedrógão Grande não previa qualquer gestão dos combustíveis em Regadas, onde existia uma das duas linhas de média tensão que, segundo a acusação, estiveram na origem do fogo.
Fonte: TSF
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