A Força Especial de Bombeiros está em Borba para recuperar as vítimas no fundo da pedreira. Os mergulhadores esperam o momento ideal para entrar na água. O plano de resgate contado por um bombeiro.
Entre as 18h e as 19h desta segunda-feira, a Força Especial de Bombeiros em Estremoz e em Almeirim, onde está armazenado todo o material utilizado em catástrofes, recebeu uma nova missão. Um troço da antiga estrada nacional 255, que liga Borba a Vila Viçosa, tinha desabado para dentro de uma pedreira e podia haver pessoas soterradas ou submersas. Era preciso ir resgatá-las.
Ao fim de poucos minutos, e sem saber mais do que isto, uma equipa de 15 bombeiros da Brigada de Salvamento Aquático pôs-se a caminho de Évora para participar nas operações de busca ao lado da Guarda Nacional Republicana. Estão desde a noite de segunda-feira junto àquele poço para delinear um plano de resgate. Só agora, quase 24 horas depois do incidente, a estratégia deu os primeiros passos e um corpo foi retirado na pedreira. Ainda assim, os mergulhadores ainda não entraram em ação: é muito perigoso descer ao fundo daquele poço.
Estes bombeiros estão habituados a missões complicadas. A Força Especial de Bombeiros é tutelada pela Autoridade Nacional de Proteção Civil e intervém em todo o tipo de catástrofes. Vimo-los em ação durante os incêndios de Pedrogão Grande, em missões de resgate depois dos devastadores sismos no Haiti ou a resgatar pessoas no fundo de falésias muito íngremes e altas.
Apesar da experiência, a equipa foi preparada para encontrar em Évora um cenário “muito complexo” que nunca tinha visto antes. E a envergadura da corporação destacada para Borba prova-o: há uma brigada de apoio logístico, um grupo de equipas de salvamento em grande ângulo e uma equipa de mergulhadores de resgate. Estão todos na pedreira, mas quase todos sem oportunidade, para já, de atuar: “É uma situação muito recente e ainda não se sabe como é que se vai atuar. Nesta situação, ainda não há condições de segurança para fazer qualquer tipo de trabalho”, disse um bombeiro ao Observador.
Já em Évora, os mergulhadores da Brigada de Salvamento Aquático começaram a preparar os materiais e a delegar funções. Primeiro, as motobombas vão ser ativadas na tentativa de escoar os 200 mil metros cúbicos de água que preenchem o poço na pedreira. Depois, o primeiro mergulhador desce para as primeiras operações de busca, que envolvem preparar o terreno para a chegada de mais colegas. Caberá a esses segundos mergulhadores a missão de localizar as vítimas. Só a seguir é que as equipas de salvamento em grande ângulo, compostas pelos recuperadores salvadores, entram em ação para resgatar as pessoas submersas.
No que toca à atuação dos mergulhadores, os primeiros passos são em tudo semelhantes aos que assistimos durante as missões de socorro e salvamento na gruta Tham Luang, na Tailândia: o primeiro operacional, guiado unicamente pelo tato, vai instalar cordas nas profundidades do poço para que os outros mergulhadores se possam orientar através delas. Tudo isto sem visibilidade alguma: a água está extremamente poluída pela terra, por isso a única forma de avançar lá dentro é nadar agarrado a cabos e cordas postos no fundo do poço. Só quando esse material estiver instalado com segurança é que o primeiro mergulhador sai de dentro de água para que os outros possam iniciar as buscas.
Para tal, os bombeiros precisam de três objetos: garrafas de ar comprimido para poderem respirar, fatos secos que não deixam entrar água, mesmo que ela esteja contaminada, e máscaras que não só estão ligadas por tubos às garrafas para permitirem a respiração, como também garantem as comunicações via rádio com as autoridades que estão à superfície. A possibilidade de instalar fios elétricos, como se fez na Tailândia, não está em cima da mesa: a luz debaixo de água em nada ajudaria porque ela está cheia de lama. No local, foram montados holofotes, mas apenas para apoiar as equipas que ficam à tona.
Com os cabos-guia já instalados nas bordas e no fundo do poço, o passo seguinte será delimitar os perímetros de busca para garantir que cada centímetro da água é vasculhado em busca das vítimas e dos veículos arrastados pelas rochas. A forma como esse perímetro é criado depende das condições no local, mas, neste caso, há duas opções: buscas circulares ou buscas em grelha. Nas buscas circulares, é posto um cabo da superfície até ao fundo do poço. A seguir, os mergulhadores andam em rodas à volta da ponta da corda a uma distância de apenas um metro. Quando fizerem uma volta de 360º, alargaram a distância até aos dois metros e assim sucessivamente, até que todo o volume de água tenha sido explorado.
As buscas em grelha são diferentes. Neste caso, é instalado um cabo em todo o comprimento do fundo do poço. Os mergulhadores começam as buscas numa das pontas e, quando atravessarem o poço inteiro e chegarem à outra ponta da corda, deslocam-na um a dois metros para o lado e recomeçam o processo até percorrerem todo o fundo.
Tanto esta estratégia como as buscas circulares, contudo, prometem ser “muito morosas”: “Neste tipo de missão, não há timings certos. E, numa situação tão complicada como aquela, pode demorar muitas horas”, disse o bombeiro ao Observador. A Proteção Civil já tinha avisado que as operações de socorro e resgate podiam durar “muitos dias, semanas até”: “É um desafio tremendo em termos de operações de resgate”, disse. E acrescentou: “Ainda não há prazos para o término das operações”.
Se os mergulhadores de resgate conseguirem encontrar vítimas, as equipas de salvamento em grande ângulo entram em ação. São eles que descem a pedreira com as macas, para depois condicionarem os corpos e subirem à superfície. Se os mergulhadores encontrarem pessoas vivas no fundo do poço, essas vítimas são equipadas com máscaras, garrafas de ar comprimido e um arnês de cintura. As máscaras e as garrafas farão com que a pessoa possa respirar enquanto nada até à superfície e o arnês serve para que, com recurso a cordas e a punhos, ela fique presa ao corpo do mergulhador que a vai conduzir.
Caso alguém seja encontrado sem vida, o mergulhador utilizará, da mesma forma, o arnés de cintura para puxar o corpo até à superfície. Uma vez à tona, o procedimento é igual, tanto para as vítimas mortais como para os sobreviventes: “Os recuperadores descem alojados às cordas de resgate. Quando as vítimas já estiverem nas macas, outra equipa que está na superfície iça os recuperadores que estão com elas”, descreve o bombeiro.
Ainda assim, a esperança de encontrar pessoas vivas é praticamente nula: “Quer estejam soterrados ou submersos, a hipótese de sobrevivência ao fim destas horas todas é quase nenhuma. A única forma possível de sobrevivência era os sinistrados terem ficado dentro de uma bolsa de ar numa viatura ou estarem protegidos por pedras. Mas até isso seria apenas temporário. Era uma questão de horas até esse ar ficar irrespirável”, explicou o bombeiro ao Observador.
Tudo isto é feito com extrema cautela. Por dois motivos: em primeiro lugar, porque a Força Especial de Bombeiros recebe ordens para preservar o mais possível o local do incidente — essa é a única forma de as autoridades poderem encontrar respostas sobre o que desencadeou o problema; e, em segundo lugar, porque, neste caso, os terrenos continuam muito instáveis — tem havido novas derrocadas, embora mais pequenas, desde a última noite.
Apesar dos esforços, a chuva não está a ajudar: o poço está a ficar cada vez mais cheio e as motobombas podem não conseguir drenar a água de forma suficientemente rápida. Ou seja, se continuar a chover, criam-se dois problemas: por um lado, o trabalho das motobombas torna-se infrutífero, porque o poço volta sempre a encher; e, por outro lado, os terrenos ficam mais saturados de água, dando origem a mais deslizamentos.
À conta desses fatores, os mergulhadores ainda não puderam avançar para dentro do poço inundado. Por enquanto, a Força Especial de Bombeiros limita-se a tentar resgatar o segundo dos dois corpos que ficaram presos no interior da retroescavadora soterrada em pedras, que podem ter entre 15 e 20 toneladas. Há uma grua no local para retirar a máquina. E estão a ser usadas sondas, na esperança de localizar as outras viaturas e vítimas presas debaixo dos maiores volumes de terra. Quanto aos mergulhadores, só poderão avançar para a escuridão do poço quando os geólogos, os engenheiros e a Proteção Civil garantirem que os terrenos estão mais estáveis e que a segurança está garantida.
Fonte: Observador
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