O incêndio que deflagrou este sábado pelas 22 horas e 50 minutos na zona da Peninha, na Serra de Sintra, já era o terceiro em poucos dias na área de Paisagem Protegida Sintra – Cascais. O primeiro surgiu durante a semana, o segundo deflagrou no próprio sábado à tarde, na zona de Murches. Ainda queimou três mil metros de mato, mas acabou por ser dominado por cerca de 100 bombeiros. À terceira foi de vez, quem quis queimar grande parte da paisagem protegida e prejudicar as populações, conseguiu.
O fogo durou toda a noite e boa parte da manhã. Só foi dominado com a queda das temperaturas, o abrandamento do vento e a chegada do dia, quer permitiu a intervenção dos meios aéreos.
Menos conhecido é o facto de que, durante a mesma noite de sábado, enquanto quase mil bombeiros combatiam as chamas naquela área, pelo menos outros três fogos começaram na zona da Grande Lisboa: um em Caneças, outro em Belas e outro em Pero Pinheiro. Repito, todos durante a madrugada, em zonas de floresta e mato a Norte de grandes aglomerados populacionais do eixo que vai de Lisboa a Sintra – Cascais, precisamente o lado de onde soprava uma forte ventania.
Para quê? Por mim, não parece haver grandes dúvidas: para provocar o maior dano possível, independentemente do risco de haver mortos ou feridos.
Acompanhei, na SIC, toda a cobertura jornalística da operação de combate ao fogo em Sintra - Cascais, durante toda a noite.
De uma coisa tenho a certeza; Bombeiros Voluntários e Sapadores, Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Proteção Civil, Ministério da Administração Interna, Primeiro-Ministro, todo o Governo e o próprio Presidente da República, tudo fizeram para ajudar a proteger as populações e a combater o incêndio.
Na própria noite de sábado se soube que a Polícia Judiciária estava no terreno a investigar o fogo da Peninha e também os anteriores, que tinham já ocorrido na Paisagem Protegida.
Na hora das conferências de Imprensa da noite e do dia seguinte, só um ou dois comandantes de bombeiros ousaram dizer que estavam convencidos de que se tratou de fogo posto, isto é, de origem criminosa.
Autarcas, proteção civil e governantes refugiaram-se no facto de as autoridades estarem a investigar e de ser preciso esperar pelos resultados, para evitar falar da eventual origem criminosa das ignições. Aliás, como sempre fazem, mesmo que a evidência de crime se imponha pelos nossos olhos dentro.
Mais uma vez, os relatórios que havemos de conhecer daqui a alguns meses, haverão de apontar para um leque impreciso de várias causas prováveis. Mais uma vez, nenhum desses estudos fará a análise conjunta da (im)probabilidade de terem ocorrido tantas ignições em poucos dias, na mesma área, na maior parte dos casos durante a noite.
E mais uma vez o Primeiro-Ministro, o Ministro da Agricultura, o Ministro da Administração Interna, todo o Governo haverá de voltar a insistir nos alegados perigos do uso de alfaias agrícolas como charruas e de aparelhos de cortar o próprio mato, apresentados como grandes causas para os incêndios em Portugal (quando toda a gente sabem que se forem causa, é apenas residual).
O incêndio de sábado à noite na Paisagem Protegida de Sintra Cascais, bem como todos os outros na zona da Grande Lisboa, seguem-se a uma semana infernal de ocorrência de ignições desde dia 1 de Outubro em Portugal: quase 550 incêndios registados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil. Em nenhuma semana do início de Outubro dos últimos 10 anos tinham ocorrido tantos incêndios no nosso país.
Perante a evidência de criminalidade organizada nos incêndios é urgente perguntar:
Assembleia da República, Governo e Presidência da República vão continuar a não fazer nada quanto à legislação que previne e pune este tipo de crimes?
Vão continuar a culpar os pobres proprietários e agricultores por alegadamente fazerem queimadas imprudentes (na verdade, praticadas regularmente desde o início da nacionalidade) e não terem cuidado com o uso das alfaias agrícolas?
E todos nós, vamos continuar a ignorar a verdadeira origem dos incêndios e a discutir só a quantidade de mato não cortado e os aceiros que não foram feitos?
Quando se sabe perfeitamente que com ou sem mato e aceiros, desde que haja chamas e vento muito forte, arde tudo a eito?
Enquanto os criminosos incendiários continuam a rir-se de todos nós?
E enquanto nós nos recusamos coletivamente a fazer a única grande discussão que falar fazer no nosso país para atacar o problema – perceber quais as verdadeiras motivações de quer que a floresta arda em Portugal. Perceber qual é a lógica económica da indústria do fogo.
Na verdade é uma lógica cristalina: o fogo na floresta dá cada vez mais riqueza a alguma gente em Portugal, à custa de todos os outros.
José Gomes Ferreira
Jornalista SIC Noticias
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