Era uma vez uma Associação e um Corpo de bombeiros.
Viviam numa casa emprestada e ainda agradeciam por isso.
Dizer-se que tinham as condições mínimas era exagerar.
Tinham uma espécie de garagem, uma espécie de camaratas, uma espécie de central.
Era uma vez um Verão bem quente.
O património florestal do concelho, há dias que ardia a bom arder.
Porque as condições se agravaram à escala nacional, o ministro resolveu passar pelo concelho e antes de ir ver o incêndio fez questão de passar pelo quartel.
Apressado, o secretário do Governo Civil, que acompanhava o governante de pastinha na mão e lapiseira nos dedos, suspirava por que o ministro indagasse por alguma coisa que lhe permitisse mostrar serviço.
De súbito, procurou uma lista telefónica para fazer um contacto, dando andamento a uma vontade vinda de cima.
No tempo, não havia telemóveis nem computadores, só televisão a cores.
Como não encontrava a folha, por se ter perdido ou por os nervos não o deixarem ver direito, desabafou irado:
"Isto são os bombeiros que temos"!
O presidente embatucou, engoliu em seco, fez-se de várias cores e nada disse, por cortesia.
Entretanto, o ministro mandou dizer que queria mesmo ir onde lavrava o incêndio, ver o terreno, as chamas, o esforço dos bombeiros.
Não querendo contrariar, assim se fez, já noite, carros a caminho, o ministro num deles, pelo meio do mato e o fogo a assustar, com as chamas bem perto.
Na volta, chegados ao quartel, o dito secretário reclamava que não se devia sujeitar o ministro a tanto risco, que o percurso havia sido exagerado, sem necessidade, que tinha havido desrespeito com Sua Excelência, que vinha muito cansada.
O presidente ainda replicou que apenas fizera o que o ministro pedira.
E ainda teve tempo e coragem para complementar:
"Se estes são os bombeiros que temos, é porque este é o país que temos"!
A excelência e os restantes despediram-se sem sinal de desagrado, parecendo até satisfeitos por poderem ver, sem disfarces nem filtros, o que estava a acontecer na realidade.
O presidente ficou com uma certeza.
Quem complica são os acólitos, os ajudantes, os assessores.
Quem inventa são os capatazes, os fiéis de armazém.
Quem complica são os apaniguados e os forcados.
Quem atrapalha é o exército de ajudantes e coadjutores tementes de perder o emprego.
Quem atrasa isto tudo são os fidalgos e os fidalgotes, os pajens e os camareiros, os cavaleiros e os escudeiros.
Quem prejudica é quem anda na babugem e saliva por uns resíduos, a troco de uma hipoteca da consciência.
É a corte que dá cabo disto tudo.
Texto original em Pré.textos
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