O Dia em Que os Bombeiros Fizerem Greve! - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Dia em Que os Bombeiros Fizerem Greve!


Era um dia de Agosto, Portugal abria os noticiários dos 3 canais de televisão logo às oito da manhã dando conta do aumento repentino das temperaturas. Desdobram-se especialistas da meteorologia numa opinião unânime que este poderia bem ser o dia mais quente nos últimos 30 anos.

A região do litoral enfrentava ventos quentes e secos, acima dos 30 km/h, enquanto que no interior as pessoas refugiavam-se em garagens e locais frescos e húmidos, afinal na rua, bem debaixo de um sol brilhante e quente, estavam temperaturas a rondar os 45º e humidades abaixo dos 5%. “Estamos no Inferno” confessavam alguns dos cidadãos aos jornalistas que fazia diretos para dar conta deste dia anormal. Era o despoletar dos sentimentos e sensações de qualquer pirómano, estavam criadas todas as condições para tornar Portugal num inferno a olhos vistos.

Porque um azar nunca vêm só foi neste mesmo dia que os Bombeiros Portugueses decidiram parar as mangueiras, encostar as agulhetas e baixar os pneus dos carros. Cerradas as portas de todos os quartéis os Bombeiros decidiram neste dia de Agosto acompanhar a classe política numa qualquer praia do litoral, afinal com estas temperaturas estava-se bem era dentro de água em qualquer “spot” de turismo marítimo ou fluvial. Apesar de tudo, alguns decidiram rumar até São Bento e manifestar-se bem à porta do parlamento onde mais de um milhar de polícias já os esperavam.

Falar de serviços mínimos num dia como este era o mesmo que dizer que não se fazia greve, afinal, todas as missões dos Bombeiros Portugueses são consideradas mínimas, afinal é o "mínimo" que se pode fazer, aceitar sempre socorrer alguém com as condições e meios que dispomos. Não estamos a falar de pagar a conta da água, pagar o imposto de selo ou pedir um atestado médico, o socorro é por si só algo que não pode esperar, é algo de intervenção imediata.

Hoje era diferente, os Bombeiros Portugueses tinham abraçado juntos o objetivo de abanarem a estrutura, colocarem de uma vez por todas o Governo em sentido e todas as classes que os representavam num mix de grito de alerta, alto e a bom som, que todos temiam os seus resultados. Os Bombeiros reclamavam dignos equipamentos, não só de proteção individual mas também a substituição de veículos com mais de 40 anos de serviço, a transformação dos seguros de acidentes pessoais em acidentes de trabalho, com dignas coberturas e verdadeiramente eficazes, o regresso das verdadeiras regalias do estado aos seus bombeiros voluntários, todas elas praticamente retiradas nos últimos anos, a inclusão do emprego Bombeiro nas profissões de risco, possibilitando a reforma antecipada sem perda de direitos, o devido acompanhamento médico destes Homens e Mulheres no antes, no durante e no após os incêndios florestais. 

Era uma lista interminável de exigências, todas elas eram vistas pela sociedade como algo dogmático, que não fazia se quer sentido se discutir, era algo que era responsabilidade do Estado, Estado esse que nos últimos anos se havia esquecido que estes Homens e Mulheres representam um dos maiores movimentos voluntários do Mundo. Deixam as suas famílias, amigos e empregos em benefício da segurança da Nação, cumprindo uma responsabilidade constitucional do Governo, a segurança de todos.

Jornais, noticiários, sítios da internet e todos os elos da comunicação social tinham em letras garrafais: “Bombeiros Em Greve, Portugal em Chamas”.

Em casa, as pessoas temiam pelo avançar das horas para os períodos mais quentes do dia, até que a primeira chamada cai no 112, dando conta de um incêndio bem no interior do país. Era apenas mais um dia normal, mais um incêndio Florestal numa mata de eucaliptal de uma qualquer companhia com benefícios financeiros da floresta. O fogo em eucalipto é como agua em óleo a ferver, tudo pode acontecer. Uma densa, escura e alarmante coluna de fumo era visível a vários quilómetros de distância. Chamas com mais de uma dezena de metros eram observáveis no horizonte, apenas mais um incêndio como outro qualquer mas com uma grande diferença, nem um único veículo vermelho entoava as suas sirenes e brilhava de azul intermitente.

Os helicópteros tentavam a primeira abordagem ao incêndio, mas era impossível em tanto declive combater aquele incêndio sem a presença das forças de combate no terreno. “É o Diabo!” gritavam os populares das varandas das suas casas a ver o fogo avançar como um carro de corrida em direção às suas habitações rodeadas de mato e vegetação até à entrada de cada uma das janelas e varandas de suas casas. “Falhou a prevenção e a limpeza” era um fato já constatado pelos jornalistas que com fome de informação serviam-se já da que ia aparecendo. Para eles, desta vez, só havia uma grande diferença, não conseguiam fazer diretos de Bombeiros aos saltos no monte, aquelas imagens tão marcantes e violentas que alimentam os espectadores mais impressionáveis pela aproximação das chamas na cadeira da mesa da sala.

As projeções eram imensas, o vento continuava a soprar forte e virava de sentido à mínima labareda da frente de incêndio, o solo quase que se auto inflamava pela ausência de humidade e pelas altas temperaturas registadas.

“É o fim do mundo” para as entidades estatais responsáveis pelo campo do combate a incêndios, meia dúzia de carros verdes e outra meia dúzia de carros amarelos tentavam fazer com tanques de 500 litros o que em condições normais os Bombeiros já fariam com mais de 60 viaturas de alta capacidade. Alguns deles, mal habituados, olhavam para o relógio a fim de ver os 90 minutos para fugirem do inferno. Hoje seria um dia diferente.

Os cidadãos, revoltados, ameaçavam já arrombar as portas do quartel de Bombeiros da localidade e combater o incêndio com os meios estacionados no parque, o problema é que grande parte desses meios, são precisas horas de formação para se dominar as feras e saber onde e quando carregar para se poder combater um incêndio.

Movimentar carros brancos de faixas vermelhas, camiões articulados e todo um aparato de veículos de comando vindos da capital pouco sentido fazia agora. Na cabeça destes responsáveis pairava agora um sentimento de culpa terrível, cada um deles pensava ao seu jeito de que forma tinham contribuído para evitar esta situação mas havia uma opinião que era unânime, “não levamos os Bombeiros a sério”.
Casas já ardiam, viaturas, alfaias agrícolas, pessoas queimadas, animais carbonizados espalhados pelo monte, era um espelho transparente do literal Inferno.

Em São Bento, bem longe da vegetação que poderia fazer arder o Parlamento, partidos políticos faziam valer a sua oposição para tirar créditos da situação, lá fora, bem na escadaria da assembleia, já habituada às manifestações públicas a praça enchia-se de vermelho e azul, eram milhares de Bombeiros de todos os cantos do país que gritavam bem alto e faziam entoar as suas sirenes naquelas vidraças do edifício. Nunca se tinha ouvido tanto ruído junto por aquelas bandas, parecia um novo 25 de Abril, mas desta vez as causas e motivos eram outros.

O Governo, embrulhava-se em chamadas e contactos para desbloquear a situação, ainda o dia estava a meio e já outros tantos incêndios rebentavam um pouco por todo o território nacional. Era o caos instalado! Militares e todos os funcionários autárquicos haviam abandonado os seus normais serviços para ajudarem no combate, mas não havia liderança, não havia instrução, não havia adequados equipamentos nem o verdadeiro comandamento. Todos os comandos dos corpos de Bombeiros haviam poisado os seus galões e se juntado aos seus Homens.

Portugal estava literalmente virado do avesso, ninguém estava preparado para uma situação destas e o calor infernal não deixava ninguém raciocinar devidamente e a única solução para evitar uma guerra civil motivada por cidadãos que viam o seu governo impávido perante tanta tragédia era a quase guerra civil. As opiniões dividiam-se, se uns achavam que os Bombeiros não deviam provocar toda esta situação outros compreendiam que infelizmente em Portugal provocar o pânico é a única forma de provocar mudanças.

Eram 14 horas e todos já tinham ordem para regressar com urgência aos seus corpos de Bombeiros, havia rebentado bem ao jeito político no jornal da hora de almoço um discurso do conselho de ministros extraordinário dando conta de um acto de piedade para com eles próprios, garantindo mudanças urgentes naquelas que eram as exigências dos Bombeiros Portugueses.

De simples coitadinhos havia-se dado uma mensagem bem forte do quanto Portugal precisa dos seus Bombeiros, 365 dias por ano, 24 horas por dia. Assumia-se de uma vez por todas que o voluntarismo e entrega destes Homens e Mulheres merecia ser recompensado com dignas condições e principalmente respeito.

De um momento para o outro parecia que todos tinham visto o óbvio, milhares de Bombeiros, centenas de veículos se faziam agora a estrada para resolver todas as situações de socorro presentes, Portugal pintava-se de vermelho reluzente e de azul intermitente. Havia regressado o barulho das sirenes às ruas das localidades, todos aplaudiam a chegada destes heróis, todos se empenhavam em os guiar para o locais, os acompanhar, alimentar e hidratar.

Portugal havia aprendido uma lição: Bombeiros Voluntários, os heróis anónimos que nos afastam do Inferno e que merecem tudo o que lhes possamos dar!

Ricardo Correia
ricardo@bps.com.pt
http://www.bps.pt/2014/07/historia-o-dia-em-que-os-bombeiros.html

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