Relatório Aponta Falhas em 96 Carros de Combate dos GIPS - VIDA DE BOMBEIRO

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quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Relatório Aponta Falhas em 96 Carros de Combate dos GIPS


Jantes e pneus de estrada em viaturas para galgar caminhos todo o terreno; falta de espaço para ferramentas e o reservatório do combustível da bomba; mangueiras com diâmetro reduzido; um tubo em PVC que se revela frágil; e problemas na motobomba que a fazem parar. Eis uma mão-cheia de algumas das 16 “anomalias/deficiências identificadas” pelo comandante da Força Especial de Bombeiros (FEB), José Realinho, no lote de 16 novos veículos ligeiros de combate ao fogo recebidos em junho de 2018. O diagnóstico consta de uma informação interna da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).

As viaturas da FEB são da mesma marca e têm equipamento idêntico ao de outros 80 veículos de combate a incêndios (VLCI) fornecidos à GNR, para o Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS). No total, são 96 pick-ups. Os contratos foram feitos a papel químico, autorizados e assinados na mesma data. Na minuta só muda o primeiro outorgante (num caso a ANPC, no outro a GNR), o número de veículos e o valor do negócio: €510 mil a compra da FEB; e €2,2 milhões a aquisição dos militares.

Das 96 viaturas, nem todas têm o kit de primeira intervenção (motobomba, depósito de água e mangueiras), acoplado à pick-up. Da FEB, o kit está montado em 14; do GIPS, são 41. No total, 55 veículos têm acessórios, embora algumas anomalias se encontrem na viatura propriamente dita, segundo a avaliação do comandante da FEB.

Há duas semanas, o Expresso noticiou que “novas viaturas da GNR” tinham bombas sem “potência para apagar fogos”. O artigo motivou reação do Ministério da Administração Interna (MAI), a 28 de julho, que por um lado dizia “não confirmar qualquer anomalia”, mas por outro acrescentava que “todas as necessidades e melhorias identificadas [estavam] a ser supridas”. A mesma explicação foi dada pela GNR.

Agora, o “Resumo Descritivo” do comandante da FEB, de 10 de julho, vem demonstrar que duas semanas antes de o Expresso ter questionado a ANPC e o MAI, tanto o ministério de Eduardo Cabrita como a Proteção Civil não tinham forma de não saber que havia efetivamente “anomalias” nas VLCI (da FEB, sendo que as do GIPS são iguais). Para lá da questão das motobombas (não especificamente só as das viaturas da marca automóvel agora em causa), os problemas dos VLCI, em toda a sua extensão, já estavam nessa altura reportados à cadeia hierárquica do MAI.

UM RETRATO ARRASADOR
Após uma “observação pormenorizada”, o comandante da FEB expôs, uma a uma, as “anomalias identificadas”. Há de tudo, desde as “jantes em ferro e pneus de estrada apresentando as jantes uma resistência reduzida”, sendo que os pneus “não permitem a capacidade de aderência e tração adequada”.

No uso da água, as “deficiências” são várias. E algumas risíveis, não fossem graves. Por exemplo, o abastecimento de depósito é feito por uma entrada de 25 mm, mas para alimentar duas saídas de 25 mm (nas quais podem ser usadas em simultâneo outras tantas mangueiras para combater o fogo). “Deveria conter uma entrada de 45 mm porque o caudal de entrada deve ser igual ou superior ao de saída, verificando-se que, se o veículo estiver em operação enquanto abastece, a manobra vai ter de ser interrompida devido à falta de água”. Realinho anota ainda que “a saída de descarga do tanque é em tubo de PVC”, o que não é “o material mais adequado pela sua fragilidade”.

A motobomba é outro dos problemas: “Não possui sistema automático de retorno ao tanque, o que invalida a colocação de mangueiras em pressão dado que o equipamento entra em esforço e provoca danos nas mangueiras, chegando mesmo a parar a motobomba.”

Em relação ao guincho de reboque, é preciso ter cuidado no uso, pois “não possui um sistema” que “permita a sua utilização em ângulos abertos sem provocar danos nos para-choques”.

Um dos pontos mais críticos da pick-up é a caixa aberta e a estrutura que a cobre (hard top), na qual é transportado o equipamento de extinção. Sem iluminação, “dificulta os trabalhos em missões que decorram durante o período noturno”. A exiguidade é outra dor de cabeça. “Não possui espaço nem suportes que permitam a colocação das ferramentas manuais e mecânicas” e muito menos lá cabe ou há “local próprio para o reservatório de combustível de abastecimento da motobomba”.

Outra anomalia é coisa difícil de entender num carro destinado a gente que trabalha entre pó, cinzas e fuligem. “Os bancos são em tecido”, sublinha o comandante da FEB. “O ideal seria em material lavável e resistente, do tipo napa, para evitar a acumulação de sujidade e cheiros.”

CADERNO DE ENCARGOS À REVELIA DA LEI
Há duas semanas, também em reação à notícia do Expresso, o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, disse que “se há um pormenor ou outro [que] não esteja em condições, naturalmente que é assumido pela entidade contratada. Não temos dúvidas nenhuma quanto a isso”.

A possibilidade de pedir essas contas parece, no entanto, remota. Quem fez o negócio com o Estado forneceu o que lhe pediram. O Expresso tentou ontem contactar a Mitsubishi Portugal, que assinou os dois contratos (entregando os VLCI já equipados), mas sem êxito. Contudo, na semana passada, o porta-voz da empresa, referindo-se apenas às 80 viaturas da GNR, garantiu: “Os equipamentos que entregámos cumprem na íntegra o caderno de encargos.”

O problema é outro: as condições do concurso público ignoraram as normas, publicadas em “Diário da República” em 2016, para a aquisição deste tipo de material. “Importa referir que o Caderno de Encargos não segue, de uma forma geral (...), as especificações técnicas de veículos e equipamentos operacionais dos corpos de bombeiros”, diz José Realinho, que sublinha: “Em momento algum o comando da FEB teve conhecimento do conteúdo do caderno de encargos.”

Quem fixou então as condições? O MAI, ressalvando que “não foi desrespeitada qualquer exigência técnica aplicável à FEB”, diz que a “redação, designadamente as especificações técnicas, obedeceu aos requisitos e características técnicas tidas como adequadas pela GNR e pela ANPC”. A entidade de contratação pública, a ESPAP, salienta que os requisitos foram “fornecidos pelas entidades compradoras” e depois “validados” por elas.

Na FEB já teve início um processo de reparação de anomalias, que segundo o MAI “pressupõe um encargo para a ANPC de €280 por veículo”, e que só assegura uma nova estrutura metálica em vez do hard top. Significa que o resto fica na mesma. Já nas viaturas do GIPS não há qualquer modificação.

Veículos da GNR e dos bombeiros profissionais estiveram em Monchique. O MAI diz que estão “plenamente operacionais“ e, “após muitas horas de utilização”, não se verifica ”qualquer anomalia”. O Expresso falou na quinta-feira com dois operacionais então na serra algarvia. O balanço é menos entusiástico. “Não é uma viatura funcional. Houve muito material estragado”, diz um elemento do GIPS, que chama a atenção: “As portas trancam muito rapidamente, de modo automático.” Um operacional da FEB afirma: “As molas dos eixos traseiros já se viraram ao contrário. Não estão preparadas para andar com tanto peso.”

As novas VLCI são uma carrinha de surpresas.

Fonte: Expresso

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