Mourão: Militares Admitem “Falha Partilhada” na Avaliação do Incêndio - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Mourão: Militares Admitem “Falha Partilhada” na Avaliação do Incêndio


Houve uma “subvalorização” do fogo que consumia uma zona de pasto e que avançou a grande velocidade. Três militares da GNR ficaram feridos com gravidade e continuam hospitalizados.

O chefe da brigada da GNR que, esta segunda-feira, foi apanhada pelas chamas no incêndio de Mourão, Évora, está em coma induzido em Coimbra; outro elemento da sua equipa, transportado para o Porto, está na mesma situação. São os casos que suscitam maior preocupação, mas há ainda um terceiro militar ferido com gravidade no incêndio de segunda-feira, em Mourão. Os relatos de cada um deles sobre a fuga à chamas será uma peça fundamental para perceber o que falhou para que três militares de uma corpo de elite tivessem ficado feridos.

Há suspeitas de que as regras de ação possam não ter sido totalmente cumpridas e, para apurar o que se passou em Mourão, a GNR e a Inspeção Geral da Administração Interna já instauraram inquéritos autónomos. A empresa que opera o helicóptero que transportava os militares aponta responsabilidades ao chefe de equipa e, do lado do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), já houve quem dissesse exatamente o contrário, culpando o piloto pelo “abandono” dos cinco homens no meio das chamas. Mas, no próprio GIPS, há quem admita uma “falha partilhada” entre o piloto e o chefe de brigada na avaliação do incêndio e uma série de más decisões que resultaram em cinco feridos num episódio sem precedentes.

Os relatos de alguns dos militares que faziam parte da equipa e que escaparam sem ferimentos graves revelam que — como mandam as regras — o chefe da brigada deu a indicação ao piloto do local onde deveria aterrar. E o helicóptero pousou. Esse pode ter sido o primeiro grande erro.

Houve uma subvalorização daquele incêndio, que ardia numa zona de palha” em que as chamas avançam a grande velocidade no terreno, diz ao Observador fonte do GIPS que pede para não ser identificada por não estar autorizada a falar sobre o incidente.

“Nunca tinha acontecido um comandante largar os homens no terreno e não voltar a aparecer. Eles tiveram de, literalmente, correr enquanto conseguiram porque ficaram entregues à sua sorte. Foram largados e abandonados no meio do incêndio”, disse esta semana à TSF Adolfo Clérigo, vice-presidente da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG), ele próprio militar com largos anos de experiência no GIPS. Ao Observador, o cabo insiste “que não se pode largar equipas na cabeça do incêndio” e que isso deve acontecer “sempre nos flancos” do fogo.

Outro elemento do GIPS, com larga experiência no corpo da GNR especializado no combate a incêndios, faz outra leitura do momento e aponta uma “falha partilhada” entre chefe de brigada e piloto. O primeiro não fez uma avaliação rigorosa do incêndio que estava a sobrevoar; o segundo falhou na avaliação das condições de segurança e aterrou o aparelho segundos antes de as chamas ali chegarem. “É uma falha partilhada, mas o piloto tem tantas ou mais responsabilidades que chefe de equipa” sublinha de imediato o mesmo militar. Porque “a aterragem foi má, mas a grande falha foi o piloto ter abandonado a equipa”, acrescenta.

Regras de ação contrastam com decisões tomadas
O Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro da GNR segue a “doutrina” da Escola Nacional de Bombeiros. E o manual da instituição, usado em 2007 para formar os primeiros militares e prepará-los para o combate ao fogo, estipula que as equipas devem “atuar sempre em função do comportamento do incêndio”, apostando na “observação e previsão” do comportamento das chamas. A rapidez com que o incêndio alcançou o helicóptero abre a porta a falhas na chegada ao terreno — mas não só.

A este respeito, o material usado nas formações de bombeiros estipula que “o chefe de brigada comunicará ao piloto onde interessa que fique a brigada”, depois de “localizar uma área razoavelmente plana”. Fonte do GIPS explica que essa decisão sobre o local de largada cabe ao chefe de brigada, mas que é o piloto — porque é o único com conhecimentos de pilotagem do helicóptero — quem tem a última palavra sobre o local escolhido. No caso de Mourão, o chefe de equipa apontou o local e o piloto aterrou. E começaram os problemas.

A rapidez com que o helicóptero ficou rodeado de chamas suscita estranheza quer a elementos do GIPS, quer a bombeiros da Força Especial de Bombeiros (FEB), o corpo que antes era chamado para o combate de incêndios aerotransportado. Uma explicação para o cenário vivido pode estar ligado ao próprio aparelho: perto do chão, as hélices do helicóptero geram correntes de ar circulatório que podem potenciar a deslocação das chamas, explica fonte da FEB. O tipo de terreno naquele local terá feito o resto. A questão que falta perceber é o que levou a aquele fosse o local escolhido para a equipa sair.

O mesmo material de formação pressupõe, no ponto sobre os “requisitos do pessoal”, que os elementos deslocados para o terreno devem ter “experiência no combate a fogos florestais” e “experiência em atividades florestais”. De acordo com fonte do GIPS, nenhum dos homens envolvido no incêndio de segunda-feira se estreava no combate terreno. Mas também nenhum dos cinco tinha mais de quatro anos de experiência em incêndios — por comparação, os bombeiros escolhidos para integrar a Força Especial de Bombeiros não podem ter menos de quatro anos completos de serviço.

No meio das chamas e sem apoio para escapar
“Abandono”. Foi assim que Afonso Clérigo, da ASPIG, definiu o que aconteceu logo a seguir ao helicóptero aterrar. Depois de tocar no chão, os primeiros homens saíram do aparelho e começaram a instalar o balde que deveria ser usado para largar água sobre as chamas e combater um incêndio que tinha começado às 16h30 de segunda-feira junto à fronteira com Espanha. Outros dois elementos da equipa (composta por cinco militares do GIPS) estavam a retirar do helicóptero as ferramentas para o combate às chamas e o chefe de brigada controlava cada passo da sua equipa quando o piloto dá indicação para fecharem rapidamente a porta do helicóptero por onde tinham saído.

O penúltimo a sair ainda estava agarrado ao balde” quando o aparelho levanta voo, diz um militar com conhecimento do processo. “A partir dali, tentaram salvar-se como puderam”, conta.

Um agricultor, dono de um terreno apanhado pelas chamas e que acabaria por resgatar três dos militares da GNR, contou esta semana à TSF que o ventou se virou “contra eles” e que os cinco militares “começaram a fugir” como podiam. Equipados com o fato retardante, calçados com as botas pesadas de combate e rodeados de um fumo espesso e altamente tóxico, foram instantes de grande aflição para fugir às chamas que avançavam a 16 quilómetros por hora no terreno de pasto.

Num primeiro momento, os militares fugiram todos na mesma direção para tentar escapar às chamas que avançaram rapidamente, sempre a correr o mais rápido que podiam. Segundos mais tarde, um dos elementos — dos três que ficaram em estado grave, e que acabaria transportado para o Porto com queimaduras graves no corpo — tropeça devido a um desnível do terreno irregular e fica envolto em chamas.

Pelo meio do fumo, o resto do grupo continua a correr mas, pouco depois, o chefe de brigada desorienta-se e segue para a direita; outros seguem para a esquerda. Três seriam resgatados pelo agricultor que tentava salvar o seu terreno. Três ficariam em estado grave num incidente com repercussões sem registo semelhante na história do GIPS ou, antes, da Força Especial de Bombeiros, afastada deste tipo de combate.

Militares de baixa e sem vencimento
Depois de vários dias de intensa presença na comunicação social, Afonso Clérigo remeteu-se ao silêncio. Foi a resposta imediata a um pedido de outros elementos do GIPS que preferem, agora, aguardar pela conclusão dos inquéritos internos e focar-se na recuperação dos militares feridos. É  essa, agora, a maior preocupação do dirigente sindical: saber como vão as famílias sobreviver sem o vencimentos dos homens que ficam de baixa.

O vice-presidente da ASPIG explica que, no momento em que ficam de baixa médica (e não é certo se os dois militares com ferimentos ligeiros não ficaram com marcas psicológicas do incidente), os militares deixam de receber o salário pago pela GNR.

A partir de 2003, no caso de se verem envolvidos num acidente, os militares recebem pela Segurança Social e primeiro que recebam esse apoio passa um ou dois meses”, sublinha Afonso Clérigo. “Se a GNR não pagar, não sei quando a Segurança Social pagará”, desabafa.

Uma situação alternativa passa por garantir que a GNR assume que os ferimentos decorrem do exercício de funções. “Mas, nesse caso, são no mínimo dois meses para receberem” o primeiro pagamento, garante o cabo. “Imagine como vão sobreviver as famílias dos homens que dependem integralmente daqueles vencimentos.”

Fonte: Observador

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