Pior do Que as Mudanças Constantes na Proteção Civil, Seria Persistir em Erros - VIDA DE BOMBEIRO

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domingo, 24 de junho de 2018

Pior do Que as Mudanças Constantes na Proteção Civil, Seria Persistir em Erros


O comandante operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Coronel Duarte da Costa é o convidado desta semana do programa Entrevista TSF / DN.

Ingressou na academia militar em 1981, foi adjunto do PR Jorge Sampaio e assessor de relações externas no gabinete do ministro da defesa, Augusto Santos Silva. Na carreira militar, coronel de infantaria, passou pela Eurofor, em Florença, mas também por teatros como Macedónia ou Afeganistão. Comandou a escola de tropas paraquedistas, passou pelo regimento de comandos e como Chefe de Estado-maior das Forças Terrestres planeou, entre outras coisas, as ações do exército no combate aos incêndios.

A meteorologia ajudou a relativizar este facto mas o coronel assumiu esta função a semanas do arranque da fase mais complicada da época de incêndios. Já teve tempo para arrumar a casa?

Tive tempo para encontrar uma casa que já estava arrumada. Não podemos assumir que estes processos e organizações estejam de tal forma desestruturados que quando chegamos vamos encontrar uma casa não arrumada. Não, a casa estava arrumada e precisava de outra orientação na parte operacional. Foi isso que trouxe com o meu estilo de liderança e de trabalhar com toda a gente. Mas podem crer que os meus antecessores fizeram um trabalho muito meritório e eu só posso continuar.

É o quarto comandante operacional nacional em 16 meses. Esta mudança de liderança não pode ser boa, seja qual for a instituição. Encontrou reflexos dessa instabilidade, que o TC num relatório recente dizia que não beneficiava a instituição?

Acima de tudo encontrei reflexos nas pessoas. As organizações são estruturas feitas de pessoas e não podemos esquecer-nos disso. Uma das principais ações que tenho tentado levar com esta nova missão tem sido fazer aquilo que é trabalhar a imagem que aquela casa teve, a imagem dos agentes de proteção de civil e de todos os que participam no combate diário a um conjunto de situações ocasionadas por riscos tão diversos como os incêndios, mas não só, que os obrigam a um trabalho diário, continuado, profissional naquilo que é a preservação da vida dos portugueses. 

Costumo dizer que a mim compete-me dignificar esta imagem, facilitar as formas de trabalho, arranjar metodologias que permitam que, mais e melhor, os meus agentes possam combater e trabalhar na prossecução da sua missão fundamental: salvaguardar a vida dos portugueses e os bens de Portugal. Aproveito para dizer que todos os reflexos que são tidos como decorrentes de alterações naquilo que é a estrutura operacional, são de evitar a todos os níveis mas pior do que tentar resolver questões por problemas de liderança que possam suceder, é persistir nesses mesmos erros. Eu vejo esta mudança como uma situação normal das organizações, mais ainda por tudo o que sucedeu o ano passado, que foi um ano muito atípico.

Acha que a imagem da proteção civil foi beliscada por tudo o que aconteceu no ano passado?

Todos os agentes de proteção civil foram beliscados com tudo aquilo que sucedeu o ano passado. Não é fácil encarar uma tragédia como a que sucedeu sem rapidamente se tentarem encontrar bodes expiatórios e culpados para o sucedido. O ministério público tem as suas ações para determinar o que se passou, mas o que posso afiançar é que o trabalho diário dos bombeiros voluntários, associativos é um trabalho apurado, profissional e constante, com risco da própria vida muitas vezes. A melhor forma que tenho de referir que esta imagem tem de ser melhorada e tende a melhorar é que em maio tivemos cerca de 2000 incêndios e não foram notícia porque o sistema funcionou, na semana passada tivemos 268 incêndios florestais e não foram notícia porque o sistema funcionou...

Muito mais incêndios do que o ano passado nesta altura...

Muito mais, o que prova que o sistema está a funcionar e que temos gente profissional a trabalhar para dirimir os riscos daí provenientes. Essa é uma missão que me devo difundir para melhorar a própria imagem dos agentes de proteção civil.

Teve um esforço inicial de conhecer os seus homens no terreno, sobretudo os comandos. Visitou mais de 95% dos comandantes de corporações de bombeiros. Que cenário é que encontrou no terreno? Encontrou feridas e cicatrizes causadas pelos incêndios do ano passado?

Permita-me olhar para o futuro e dizer que encontrei sobretudo um terreno fértil para trabalharmos e resolvermos problemas em todas as entidades envolvidas relativamente aos agentes de proteção civil. Encontrei gente dedicada ou, como costumo dizer, soldados. Apesar de terem uma farda diferente, têm a mesma matriz dos soldados: querem servir Portugal e querem servir da melhor maneira possível. É óbvio que não sou ingénuo para não perceber que há muitos interesses ligados a todas estas questões que têm a ver com o dirimir dos riscos, mas acima de tudo tenho nos meus soldados da paz um conjunto de gente muito motivada e a minha presença no terreno foi fundamentalmente para motivar as pessoas. O salário moral que tenho para dar é inesgotável e é minha obrigação dar a todos os agentes de proteção civil esse salário moral. O que tenho de fazer é falar com as pessoas e sobretudo escutar as pessoas e deixar que os seus problemas cheguem a mim para que possa resolvê-los. Percorri o país todo e falei com cerca de 95% de todos os comandantes associativos, profissionais, voluntários do nosso país e isso enche-me de orgulho porque conheci gente muito credível, gente muito trabalhadora e gente que apreciou e que eu senti que precisava da minha presença.

Essa volta ao país foi uma resposta à liga de bombeiros que se queixava da falta de diálogo com os seus antecessores?

Não recebi queixa nenhuma da liga de bombeiros. A Liga e a Autoridade Nacional de Proteção Civil tem um regime cordial de relações. Pessoalmente tenho um regime cordial de relações com o Sr. Presidente da Liga, o comandante Jaime Marta Soares, porque perseguimos a mesma coisa. Cada um com a sua esfera de influência, o que ambos queremos é que os bombeiros tenham melhores condições de trabalho, melhores equipamentos e sobretudo que consigam cumprir a sua missão em segurança. Cada um nessa esfera trabalhará como tiver de trabalhar na missão fundamental que nos assiste. Não tinha recebido recado nenhum neste assunto, é a minha forma de estar e de comandar. São 31 anos que tenho de liderança em unidades militares e é sempre a mesma quando tratamos de organizações com uma estrutura hierarquizada como os militares ou os bombeiros. Sou o que sempre fui: um homem do terreno e de falar com as pessoas e meter toda a gente a trabalhar em prol das melhores soluções para melhorar as condições de trabalho, melhorar a segurança e acima de tudo cumprir a missão: preservar a vida dos portugueses e a riqueza de Portugal.

Seria mais fácil cumprir essa missão se houvesse uma taxa mais elevada de profissionalização, nomeadamente nas estruturas de comando?

Relativamente aquilo que é a profissionalização dos corpos de bombeiros há uma solução. Uma das melhorias em termos organizacionais passará em parte pelos bombeiros ligados às estruturas voluntárias terem um corpo profissional, principalmente os que estão dedicados ao primeiro emprego, e isso é importante para as situações de emergência. Mas, essa não é uma missão do comandante operacional. O comandante operacional deve tentar encontrar soluções para propor aos superiores e à tutela formas de resolver esse problema naquilo que é a conjuntura entre o trabalho dos bombeiros profissionais e dos bombeiros voluntários. Falo nisto com conhecimento de causa porque falei com os cerca de 400 comandantes de bombeiros do nosso país e percebi uma coisa: a taxa de integração e colaboração entre os profissionais e voluntários é muito superior aquilo que se julga. Encontrei gente que gosta de colaborar e porque no fim de contas todos eles têm a mesma tipologia de missão: viver num ambiente arriscado e providenciar segurança nesse ambiente. Quando a missão é a mesma, a cor da farda pouco interessa.

A profissionalização poderia permitir que os bombeiros fora da chamada época de incêndios tivessem uma atitude preventiva e de fiscalização, independentemente de, na época, estarem envolvidos no combate... ou isto não faz sentido?

Ser voluntário não significa nenhum sinal de menor competência e é bom que tenhamos todos esta referência...

Pode significar menor disponibilidade...

Poderá significar se as estruturas não estiverem organizadas. Depois, a fiscalização tem de competir a corpos do estado que estejam ligados à fiscalização e não aos bombeiros. Os bombeiros servem para dirimir riscos que ponham em causa a população. Participam nos sistemas de vigilância mas esta é dada aos corpos fundamentais que tenham essa função. Não são fundamentalmente corpos que estejam debaixo da autoridade nacional de proteção civil, embora trabalhem como estruturas associadas. Todas as soluções são boas desde que no fim da linha me permitam mais gente no terreno, melhor equipada e com melhores condições de segurança e isso é transversal a todos os agentes da ANPC no terreno e não só aos bombeiros: forças armadas, INEM, Cruz Vermelha, associações, as próprias organizações que colaboram connosco como o IPMA ou o ICNF. Para mim o fim da linha é: gente mais bem equipada e mais bem preparada para dirimir riscos.

Em relação ao quadro de coordenação, comando e logística que encontrou na sua estrutura, que alterações é que julga serem necessárias?

Aquelas que fizemos. Relativamente à estrutura operacional, e só dessa é que posso falar, claro que tutelada por uma estratégia estrutural diferente que o país encarou, estratégia esta que tem em conta todos os agentes que podem participar no dirimir dos riscos. Ou seja, uma nova postura de prevenção, uma nova postura de trabalho na floresta, de querer modificar o estado das coisas. Não nos iludamos, há muito trabalho a fazer. Não se muda uma floresta de um ano para o outro, não se mudam práticas ancestrais de um ano para o outro, não se muda uma cultura permanente que muita gente tem no tratamento dos seus terrenos numa estrutura de minifúndio... é um trabalho continuado de prevenção e de trabalhar as vontades das pessoas. A nível operacional há um novo estilo de liderança mais integrativa, mais próxima das pessoas, que tende a utilizar e a analisar as cartas de risco no dia-a-dia para poder escolher qual o melhor dispositivo que pode ser posto no terreno para fazer face à aleatoriedade dos fenómenos, mas esta é tanta como aquela que tivemos ontem: ontem por volta das 15h tinham operacionais no terreno no sul do país a tratar de rescaldos de incêndios e tínhamos outros operacionais a tratar de inundações no norte. Num país pequeno como o nosso, isso implica grande fluidez operacional e grande flexibilidade na cadeia de comando - um comando centralizado com uma execução muito descentralizada.

O dispositivo que tem à sua disposição tem já essa flexibilidade?

Para além desta flexibilidade tem os meios que considero necessários para acorrer às situações que poderão advir dos riscos de incêndio, inundação, etc. O sistema não é perfeito, não há sistemas perfeitos. Como os recursos são escassos temos de trabalhar com o que temos e estamos moralmente obrigados a participar no esforço constante da aplicação desses meios para melhor cumprir as missões.

Na tentativa de cumprir esses objetivos sente falta da lei orgânica da autoridade nacional de proteção civil e já agora o que acha que de essencial essa lei tem de ter?

Relativamente à lei orgânica, neste momento tem poucos reflexos para aquilo que é a minha estrutura operacional, porque herdo uma estrutura em que faço os acertos que considero essenciais com os meios que me foram disponibilizados, mas honestamente nesta altura não sinto falta de uma nova lei que me estruture ou que me altere a estrutura de topo na ANPC. Isso será uma questão que podermos falar e tratar com quem de direito, é uma responsabilidade do Sr. Presidente da ANPC, mas efetivamente não sinto falta de uma mudança ou daquilo que poderá ser uma nova lei da proteção civil. Até porque a estrutura que tenho, tenho de trabalhar com ela para enfrentar os meses que tenho pela frente, apesar de ter consciência que proteção civil não é só incêndios, eu tenho pela frente julho, agosto e setembro e nestes meses aquilo que quero é preservar estabilidade, dignidade e trabalhar com tudo o que tenho por forma a cumprir uma missão. Fazer alterações na estrutura operacional do emprego dos meios seria altamente desaconselhável. Como a lei orgânica não me vai alterar este estado de coisas nos próximos, diria que com nova lei ou sem nova lei para o meu trabalho diário não tenho problemas em trabalhar com a que está.

TSF

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