O que valem os mortos - VIDA DE BOMBEIRO

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quinta-feira, 5 de abril de 2018

O que valem os mortos


Quantas pessoas morreram nos incĂȘndios florestais de 2017, mais de uma centena, e quantas pessoas morreram desde o inĂ­cio do ano, em apenas trĂȘs meses, em incĂȘndios urbanos, em acidentes de viação, vĂ­timas de doenças sĂșbitas ou atĂ©, qual flagelo urbano, encontradas apĂłs abertura de porta com socorro, mais de meia centena.

O tema não é fåcil, mas atrevo-me a abordå-lo, pelo seu significado, pela sua importùncia social, pela sua proximidade inevitåvel aos bombeiros. Entre todos os cidadãos, os bombeiros, serão aqueles que estão mais próximos do tema e sobre o qual poderão falar, sempre na primeira pessoa, ou seja, na qualidade de alguém que frequentemente lida com ela porventura nas circunstùncias mais dramåticas e mais cruas da vida.

Independentemente da frequĂȘncia com que o façam, e de alguma resistĂȘncia emocional defensiva que vĂŁo conseguindo acumular, certo Ă© que o bombeiro nunca fica indiferente a uma morte, particularmente quando ocorre apĂłs a luta do prĂłprio bombeiro com ela, na tentativa de procurar reverter uma situação de paragem cardio-respiratĂłria. O bombeiro aprende a respeitar a morte, a tratĂĄ-la por tu e, sempre que consegue e se torna possĂ­vel, com a mesma convicção, tenta sempre dar-lhe luta.

Quantas vezes sĂŁo os bombeiros a detectar a existĂȘncia de vĂ­timas mortais em cenĂĄrios dantescos e arriscados para os prĂłprios. Quantas vezes sĂŁo os bombeiros os Ășltimos testemunhos e apoio de vĂ­timas entretanto falecidas Ă  sua beira em acidentes ou incĂȘndios. Quantas vezes sĂŁo os bombeiros, com risco da prĂłpria vida, a negar Ă  morte tantos acidentados e vĂ­timas de incĂȘndios com resgates impensĂĄveis, quase impossĂ­veis mas bem concluĂ­dos. Quantas vezes sĂŁo os bombeiros os primeiros a ter que fazer a ponte com os familiares das vĂ­timas mortais. Quantas vezes sĂŁo os bombeiros a lidar com tantos destes problemas a par de muitos outros das suas prĂłprias vidas particulares.

Falar da morte na sociedade portuguesa é algo que não é fåcil, pelo choque que provoca, pelas reservas e preconceitos que lhe estão associados, pela delicadeza e impacto que causa sempre, seja quando ocorre inesperadamente, ou mesmo quando é aguardada devido a progressão de doença.

Habitualmente lidamos mais com a morte dos que nos sĂŁo prĂłximos, familiares, amigos ou conhecidos. Mas os bombeiros, ao contrĂĄrio, contactam com todas as situaçÔes, de conhecidos ou nĂŁo, prĂłximos ou nĂŁo, amigos ou nĂŁo. E em todas essas situaçÔes cabe-lhes responder com competĂȘncia, com conhecimento mas tambĂ©m com um coração, que sendo igual ao de tantos outros, contudo, Ă© chamado a um esforço redobrado.

As mulheres e homens bombeiros nĂŁo sĂŁo, nem super mulheres nem super homens, nem serĂŁo porventura melhores que os outros cidadĂŁos mas sĂŁo, sem dĂșvida, diferentes. Diferentes na disponibilidade, diferentes na abnegação, diferentes no sentir e acompanhar o sofrimento dos outros. Diferentes na tentativa de lutar contra a morte, procurando vencĂȘ-la no resgate a feridos e sinistrados, bem como diferentes no respeito pela prĂłpria morte.

O PaĂ­s chorou com especial ĂȘnfase os mortos ocorridos nos incĂȘndios florestais do ano passado e os bombeiros acompanharam-no nessa dor. No entanto, os bombeiros fazem-no todo o ano, todos os dias. E fazem-no sempre, nĂŁo obstante o PaĂ­s, no dia a dia, parecer ficar indiferente a tantas outras mortes que a lĂłgica mediĂĄtica transforma em rotina comum mas que para os bombeiros valem tanto, doem tanto como as outras. Para os bombeiros todos os mortos valem tudo e merecem um enorme respeito.

LBP

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