Por vezes dou por mim a pensar no porquê de ter escolhido esta vida, já lá vão quase 30 anos de serviço em que de tudo um pouco me aconteceu.
Nos últimos dias tenho colocado várias questões a mim mesmo, e muito sinceramente ainda não consegui obter uma única resposta a nenhum dos meus "devaneios".
Sei que todos estes pensamentos, são em parte fruto do meu trabalho, fruto de muitas situações vividas que nunca se esquecem, por mais que se tente elas permanecem cravadas na memória para sempre. Dou por mim a pensar, "será esta a hora de desistir e mudar de vida?", sinceramente, não sei, o que sei, é que à coisas que não se esquecem nunca, à coisas que por muito que se queira, não queremos, nem podemos esquecer.
Por vezes somos obrigados a dizer o que nos vai na alma, mesmo que isso nos custe muito caro, sim, porque todos nós sabemos que à muita coisa que nos corrói por dentro se não "deitarmos"cá para fora.
Ao longo destes anos, vi e vivi coisas que nem ao diabo interessam, mas que na realidade deixam marcas profundas na nossa vida. Por norma dizemos sempre que estamos bem, quando na realidade nada está bem.
As pessoas continuam a ver em nós os salvadores da pátria, que acorrem a tudo sempre que os chamam, só que na hora da verdade, não é bem assim, pois nós não somos super heróis com super poderes.
Actualmente os bombeiros em Portugal são chamados a intervir em todo o tipo de situações, e na minha forma de ver muitas das vezes sem qualquer tipo de lógica, pois tenho a noção que em muitos casos somos simplesmente um pretexto ali no meio.
Algumas pessoas continuam a ver os bombeiros como "uns faz tudo" a troco de nada, pois chama-se os bombeiros por tudo e por nada.
Muitos de vocês devem estar a interrogar-se o porquê de tudo isto que estou para aqui a escrever, e que nada disto faz sentido, mas acreditem, quem é bombeiro sabe que tudo isto faz sentido, pois chega a uma hora que a nossa revolta fala mais alto.
Infelizmente, muitos são os que ainda se esquecem que nós temos sentimentos como toda a gente, e que por vezes sentimos e vivemos os problemas dos outros com uma magnitude fora do normal.
Ainda gostava de ver certas pessoas a criticar-nos como criticam, depois de extinguir um incêndio urbano de onde quase não conseguíamos sair, pois o tecto desabou mesmo por detrás de nós, gostava de ver essas mesmas pessoas a criticar-nos depois de tentarmos salvar uma criança de 4 anos durante mais de 40 minutos, e no final ainda termos de ver o sofrimento estampado no rosto dos seus pais depois de receberem a noticia de que mais nada pode ser feito, gostava de ver essas mesmas pessoas a criticarem-nos quando chegamos ao quartel ao fim de mais de 48 horas seguidas no mato a combater um incêndio florestal, e mesmo assim ainda vamos à sua casa abrir a porta, pois esqueceram-se das chaves dentro de casa.
E essas pessoas que nos criticam, são as primeiras a chamarem-nos quando o vento e a chuva derrubaram tudo nas suas propriedades, e mesmo assim, depois de estarmos horas seguidas expostos à intempérie da natureza, não são capazes de esboçar um simples sorriso de agradecimento, e ao mínimo deslize, estão novamente a criticar tudo o que fazemos.
Serão com certeza muitas as pessoas que não se vêm nisto que vos escrevo, e ainda bem que assim é, mas infelizmente, ainda existem pessoas assim, que não dão o devido valor a quem o merece.
Sei que não tenho o direito de o fazer, mas sei que como eu, muitos mais bombeiros se revêm neste texto.
Muito teria que escrever aqui se dissesse tudo o que sinto, mas tenho a noção que se o fizesse, poderia ser mal interpretado. O que mais me custa, e neste aspecto só o digo por mim, é que vivemos num país de "faz de conta", em que ninguém quer dar a cara, ninguém quer sujar as mãos, ninguém quer ter chatices com ninguém, e acreditem que enquanto assim continuar, vamos continuar a ser uns "coitadinhos" a trabalhar com as sobras dos outros, sim, porque nós trabalhamos com as sobras dos outros, e a exemplo disso mesmo é a forma como somos tratados só a nível de fardamento, em que os GIPS e a FEB tem tudo do bom e do melhor, e nós trabalhamos com fardas da feira.
Mas sobre isto, já muito se disse e já muito se escreveu, por isso não vale a pena continuar a "dar no ceguinho". Mas que custa muito não termos quem nos defenda como deve ser, lá isso custa.
Sei que muito fica por dizer, mas também sei que se o fizesse, muito provavelmente amanhã já não seria bombeiro. Infelizmente os nossos superiores, e não me refiro aos comandantes dos cbs, porque esses coitados, são meros peões no meio de jogos de interesses, esses ditos superiores sabem muito bem como calar as vozes que lhes são "desagradáveis" que vão aparecendo por aí.
Mas também vos digo, que essas vozes cada vez são mais, e um dia não vai ser fácil conseguir cala-las a todas.
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