Está a chegar ao fim o prazo para os proprietários procederem à limpeza das matas. Autarquias vão ter que fazer o que os proprietários não fizeram.
O prazo dado pelo Governo aos proprietários para a limpeza dos terrenos termina esta quinta-feira, mas a aplicação de coimas pela não limpeza dos terrenos fica adiada até junho, na condição de que, até essa altura, os proprietários cumpram a lei.
Numa declaração aos jornalistas, em Lisboa, o primeiro-ministro, António Costa, referiu que a GNR começará no final do mês a levantar autos sobre terrenos ainda não limpos, sublinhando que este processo “não é uma caça à multa” e que as autoridades continuarão a sua ação pedagógica e de esclarecimento.
“Não serão aplicadas coimas se até junho as limpezas estiverem efetivamente concluídas”, frisou António Costa.
Perante o incumprimento dos proprietários do prazo de 15 de março, as câmaras municipais têm de garantir, até 31 de maio, a realização de todos os trabalhos de gestão de combustível.
“A responsabilidade, agora, não se transferiu dos proprietários para os municípios. A responsabilidade dos proprietários continua a ser dos proprietários. O que acontece é que, a partir de hoje, os municípios podem também fazer aquilo que os proprietários não fizeram, mas cobrarão aos proprietários”, afirmou o primeiro-ministro.
O Orçamento do Estado para 2018 prevê um regime de contratação pública agilizado e simplificado para essa tarefa e uma linha de crédito de 50 milhões de euros para auxiliar os municípios. Os proprietários serão obrigados a permitir o acesso aos seus terrenos e a pagar à câmara o valor gasto na operação.
E, se muitos proprietários acataram a lei e procederam à limpeza e desmatação das matas, outros há que, por impossibilidade económica ou porque não estão na terra, mantêm tudo como estava.
Maria Paula, 87 anos, vive sozinha e com uma reforma de 285 euros. Tem um terreno de pinheiros junto à habitação, numa aldeia do concelho de Chaves, mas não tem como o limpar. Sem capacidades físicas e financeiras, a octogenária questiona-se: “se não tenho dinheiro para os medicamentos, como vou pagar para limpar?”. Com um semblante triste, encolhe os ombros e desabafa - “seja o que Deus quiser”.
Percorrendo vários concelhos transmontanos vemos muito trabalho feito, zonas envolvente a casas e povoações completamente limpas. Mas há ainda muito por fazer, terrenos que mais parecem matagais, cheios de vegetação e onde, por exemplo, as silvas cobrem por completo os pinheiros.
Verificamos, também, que em muitos dos terrenos permanecem os sobrantes das limpezas. Uma situação que pode dever-se à chuva que tem caído na região e que está a impedir os trabalhos.
Manuel Machado, 62 anos, natural de Vilarandelo, Valpaços, conta que andou “debaixo de água, com dois amigos, a cortar as mimosas que quase cobriam o armazém do gado”. “Era mesmo uma necessidade e olhe que não fiz isto só para não pagar a multa, limpei para que os incêndios não cheguem aqui”, conta à Renascença.
Também Amândio Teixeira, 51 anos, residente no concelho de Montalegre fez a “tempo e horas” as limpezas, mas pensa que de pouco vão valer.“É certo e sabido que, se continuar a chover este mês e durante abril, em maio já os terrenos estão outra vez cheios de vegetação”, vaticina.
“Não é numa primavera que se vão resolver os problemas”
Os autarcas têm repetidamente afirmado que faltam verbas para a limpeza das matas e face à chuva que tem atrasado o gigantesco trabalho, são vários a pedir mais tempo.
A limpeza do mato, ou seja, a gestão do combustível, usando a expressão técnica, é provavelmente o ponto mais crítico da prevenção a fazer, para tornar os territórios mais resistente aos incêndios florestais. E aqui os autarcas parecem estar todos de acordo.
“Os autarcas estão do lado da solução”, lembra o presidente da câmara de Montalegre.
Orlando Alves, que no passado foi comandante de uma corporação de bombeiros, enaltece “o despertar, a convocatória que está a levar a uma chamada mobilização geral”, mas admite a dificuldade da operação. “Este primeiro ano será um ano difícil, um ano complicado, e nada se esgota neste primeiro ano, porque tudo tem que ter sequência”, defende.
O que menos preocupa o autarca é “cumprir prazos, porque no território está toda a gente mobilizada para dar e fazer o seu melhor”. “Há dificuldades e não é numa primavera que se vão resolver os problemas”, enfatiza.
Quanto à falta de verbas, que reconhece, o autarca afirma que “não há desculpa para que nenhum autarca, do seu orçamento, não consiga retirar anualmente uma fatia para acudir a um problema que é um problema também dos autarcas”.
O presidente da câmara de Vila Real, Rui Santos, refere que no concelho, a autarquia tem para limpar “mais de sete mil hectares, a um preço mínimo, e por baixo de mil euros, daria um investimento de sete milhões de euros”.
“Não temos cabimento orçamental para lançar um concurso desta dimensão. Não temos meios humanos nem materiais para fazer a limpeza que estes sete mil hectares obrigariam”, constata o autarca socialista.
São necessários “incentivos que defendam a floresta”
Em Vila Pouca de Aguiar, o social-democrata Alberto Machado alerta para o envelhecimento populacional e para as situações de carência.
“O mundo rural, em Trás-os-Montes, é o que é. Em Vila Pouca de Aguiar, 11 das 14 freguesias estão em primeira prioridade de intervenção. Estamos a falar de 11 freguesias, em que a população com mais de 65 anos é superior à população de 19 anos, e em duas dessas freguesias a população com mais de 65 anos é superior à população ativa”, diz Machado.
Segundo o autarca, “são muitos os proprietários que não dispõem de uma verba suficiente para cobrir um custo aproximado de dois mil euros por hectare”, por isso apela “à suspensão de aplicação de coimas aos proprietários com rendimentos inferiores aos indexante de apoios sociais”.
No mesmo sentido vai o apelo da assembleia municipal que aprovou por unanimidade uma moção sobre o sector florestal, em que apela à “sensibilidade do Presidente da República e ao sentido de responsabilidade do Governo”, para que se complemente “a aplicação da legislação com políticas que permitam facilitar aos intervenientes, autarquias e proprietários, o seu cumprimento”.
A par das preocupações, os deputados municipais de Vila Pouca de Aguiar consideram que “deverão ser implementados vários incentivos que defendam a floresta por via da fixação das populações, designadamente instalação de novas centrais de valorização de biomassa, atribuição de fundos para projetos florestais em terrenos que alimentem as respetivas centrais e desburocratizar para aproveitar os investimentos em recursos naturais dos concelhos com baixa densidade populacional”.
Os proprietários de terrenos que não façam a gestão do combustível ficam sujeitos a processos de contraordenação. As coimas podem variar entre 280 a dez mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1600 a 120 mil euros, no caso de pessoas coletivas.
Os terrenos têm de ser limpos numa faixa de 50 metros à volta de habitações isoladas, 100 metros na envolvente das localidades; as árvores têm que estar distanciadas cerca de cinco metros das habitações e, entre as copas, distanciadas quatro metros. Segundo as mais recentes alterações à lei, se forem árvores resinosas, como é o pinheiro bravo e o eucalipto, têm que distanciar entre si 10 metros.
Até 31 de maio, as autarquias podem substituir-se aos proprietários na limpeza do mato. Os proprietários são obrigados a permitir o acesso aos seus terrenos e a ressarcir a autarquia do valor gasto na limpeza.
Fonte: Renascença
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