As catástrofes recentes exigem rapidez dos decisores políticos, mas não chega: é preciso também decidir bem. As medidas anunciadas para a Proteção Civil adiam os problemas até à próxima provação. Há que evitá-lo.
Esta semana realizou-se um seminário na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, subordinado ao tema «Depois da catástrofe, que sistema de proteção civil?», organizado conjuntamente pela referida faculdade, pelo Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil e pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais.
O mote para o tema abordado foram os incêndios florestais ocorridos nos meses de junho e outubro do ano passado e as suas trágicas consequências. As intervenções dos oradores centraram-se na reflexão do sistema de proteção civil e na procura de uma avaliação ao mesmo, face ao teste a que foi sujeito.
Para além da diversidade de abordagens da parte dos oradores quanto ao tema em análise, foi fácil constatar a premência do debate conceptual sobre o sistema de proteção civil no nosso país, dada a existência de uma amálgama de conceitos neste domínio, reveladora da identificada falta de doutrina consolidada e, por consequência, a natural vulnerabilidade estrutural e organizativa decorrente desta lacuna.
Sabe-se que a Lei de Bases da Proteção Civil, na sua versão de 2006 e dos insólitos remendos que lhe foram introduzidos em 2015, constitui um documento estruturante para o sistema. Mas sabe-se também que este diploma, aprovado pela Assembleia da República, foi posteriormente regulamentado em diplomas específicos dos Governos, ajustando cada um a estrutura do sistema à sua maneira.
É por isso que conceitos como forças e operações de proteção civil, direção e comando, autoridade política, planeamento de emergência e outros são sistematicamente interpretados de forma diferente, impedindo a construção de uma base conceptual sólida, capaz de resistir aos ímpetos criativos de decisores políticos em exercício de funções e à consequente anarquização de um sistema que, para ser eficaz no cumprimento da sua importante missão, terá de ser obrigatoriamente alicerçado numa doutrina e estrutura próprias, subordinados a cadeias hierárquicas inequívocas e dotadas dos recursos humanos com competências adequadas.
O processo de mais uma anunciada mudança no sistema de proteção civil, pelo que é conhecido, vai no sentido tradicional de todas as mudanças anteriormente feitas. Reforça-se o dispositivo de resposta da proteção civil com militares da GNR e militares do exército, descaracterizando a missão constitucional das forças de segurança e das forças armadas; nomeiam-se militares da GNR para ocupação de cargos na estrutura operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, retardando o investimento na formação de quadros próprios para servir o sistema; anuncia-se a profissionalização dos corpos de bombeiros detidos por associações humanitárias de Bombeiros, através da criação de Equipas de Intervenção Permanente apenas com 5 elementos que, no máximo, garantirão a cobertura de 8 horas nas 24 horas do dia, no período de segunda a sexta-feira, medida que em muitos corpos de bombeiros do país pouco acrescentará à débil capacidade operacional de resposta que comprovadamente possuem.
Estas e outras medidas de igual perfil voltam a adiar o que era essencial fazer, isto é, que o Estado assumisse as suas responsabilidades na salvaguarda da missão consagrada no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa e que lhe confere a atribuição de garantir a todos os cidadãos o direito à segurança, definindo para o efeito um modelo próprio de sistema de proteção civil e de segurança interna, caraterizado por «cada macaco no seu galho», a fazer bem o que lhe compete.
Até que tal desiderato seja cumprido, vamos continuar na mesma, isto é com um sistema de proteção civil capturado pelo sistema de defesa da floresta e invadido por uma força de segurança.
Incapazes de proceder a uma avaliação rigorosa do sistema que temos, os decisores políticos insistem em continuar a reagir à mercê das agendas mediáticas, dos interesses de circunstância e das pressões corporativas.
Resumindo: uma vez mais, um sistema de proteção civil adiado até à sua próxima provação.
Duarte Caldeira in:
https://www.abrilabril.pt/
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