Adolescente conseguiu escapar ao incêndio que tirou a vida à mãe. Câmara avança que, no concelho, morreram oito pessoas e foram atingidas cem casas.
As pegadas ensanguentadas na estrada marcam o trajeto de agonia. O relógio rondava as 23 horas. Domingo. Cristiana e Márcio, um casal com cerca de 40 anos, seguiam no carro, com a filha, em Catraia de São Paio, Oliveira do Hospital, quando, a poucos metros de casa, se despistaram numa estrada ladeada por chamas. Márcio e a filha adolescente conseguiram correr, apesar das queimaduras graves, escapando das chamas e gritando por socorro. Cristiana não. Ficou para trás. No chão, como as pegadas da filha, foi encontrado, segunda-feira de manhã, sem vida, o seu corpo. Além de Cristiana, segundo a Autarquia, o fogo matou sete pessoas em Oliveira do Hospital.
"O pai e a menina apareceram aqui à minha porta, todos queimados, a gritar por socorro. Aqui, uma vizinha ligou seis vezes para o 112 e não havia bombeiros para os vir socorrer. Fui eu levá-los ao hospital", recorda António Coimbra. Quando regressou do hospital, António ainda avisou um militar da GNR que havia uma mulher nas chamas. "Era muito fumo, não conseguimos ver nada. Só hoje de manhã [segunda-feira] se encontrou o corpo, na estrada, longe do carro. Deve ter tentado fugir e não conseguiu", acrescenta a testemunha.
Por todo o concelho há histórias de horror. Repetem-se à velocidade que se repetem as paisagens queimadas, ao longo de dezenas de quilómetros. Oliveira do Hospital, segunda-feira, parecia não ter acordado de um pesadelo. Tal como José Marques, de Vila Pouca da Beira. Atordoado, com uma foice na mão, diz que tem que ir a casa "dar comida à ovelha, que está meio queimada, e ao cão". "Depois, é esperar". Mas da casa já só restam escombros. Ardeu e, nas chamas, lá dentro, morreu Maria Celeste Neves, de 70 anos, mulher de José. Um facto que ele ainda não assimilou. "Tinha ido a Oliveira do Hospital. Quando regressei, já não consegui chegar a casa. Meti-me a ir por aí fora a pé, porque queria saber o que se passava, cheguei perto e vi as chamas. Achei logo que a minha mulher lá estava carbonizada", conta José, com uma naturalidade que choca. Cai em si quando diz: "Já comprei uma camisa preta. Era minha mulher há 50 anos". E só aí chora.
Maria Celeste tinha problemas de locomoção. Durante o dia, à semana, frequentava um centro de dia. Depois, o marido ia buscá-la e dormiam em Avô, onde têm uma segunda residência. Mas era na casa de Vila Pouca da Beira, no meio da floresta, que passavam a maior parte dos dias livres. "Ardeu tudo. Até os documentos da minha mulher. Nem uma fotografia dela tenho", atesta José.
"Ficámos a noite toda à espera"
A alguns metros da casa de José e de Maria Celeste, no meio de um eucaliptal - que agora mais não é do que uma extensa área negra -, foram encontrados mais dois corpos, caídos. Eram de João André Costa, de 29 anos, e de Paulo Alexandre, de 34. Irmãos, terão saído juntos a pé de casa de uma tia, onde o mais velho dos dois vivia, para ver se o fogo estava a ameaçar um sítio onde guardavam gado. "Não sabemos o que se passou. Andámos a noite toda à procura deles e ficámos à espera, sem saber de nada", conta Irene Pires, a tia com quem Paulo vivia. Mas Irene é parca nas palavras e tenta conter a dor, com esforço. Afinal, a seu lado estão duas crianças, filhas de Paulo, que ainda desconhecem os contornos da macabra história. "Nem consigo ir agora procurar as fotografias deles. Desculpem", diz.
Foi também no meio da floresta, mas numa outra localidade, Nogueira do Cravo, que morreu Pedro, um homem na casa dos 45 anos, que tinha ido levar a mãe a Vilela, para a deixar a salvo. No regresso, foi apanhado pelo fogo, dentro do carro. Ainda conseguiu sair, mas viria a perder os sentidos a poucos metros da viatura. "Asfixiou. Não tinha muitas queimaduras", adianta Luís Mina, presidente da Junta de Freguesia. Há também o registo da morte de Ramiro, um residente de Penalva d"Alva. E de outras duas pessoas de outras localidades do concelho. Mais de 100 casas foram atingidas pelas chamas.
Fonte: JN
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